Vinicius de Moraes – Soneto de Maio

Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.

Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.

Raia a aurora tão tímida e tão frágil
Que através do seu corpo transparente
Dir-se-ia poder-se ver o rosto

Carregado de inveja e de presságio
Dos irmãos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto…

Jim Holt – Por que o Mundo Existe? (excerto)

Já se disse que a pergunta Por que existe algo e não apenas o nada? é tão profunda que só ocorreria a um metafísico, mas também é tão simples que só ocorreria a uma criança. Na época, eu não tinha idade para ser metafísico. Mas por que a pergunta não me ocorreu na infância? Revendo a questão, a resposta era óbvia. Minha curiosidade metafísica natural tinha sido sufocada pela educação religiosa. Desde a mais tenra infância me haviam dito – minha mãe e meu pai, as freiras que foram minhas professoras no ensino fundamental, os monges franciscanos do mosteiro na colina perto da qual morávamos – que Deus criara o mundo e que o criou a partir do nada. Por isso o mundo existia. Por isso eu existia. Mas ficava um pouco vago o motivo pelo qual Deus existia. Ao contrário do mundo finito que Ele criara, Deus era eterno. Também era todo-poderoso e dotado de toda perfeição em grau infinito. Assim, talvez Ele não precisasse de uma explicação para sua existência. Sendo onipotente, podia ter criado sozinho a própria existência. Era, para empregar uma expressão latina, causa sui.

Era essa história que me contavam na infância. Nela ainda acredita a grande maioria das pessoas. Para esses que creem, não existe um “mistério da existência”. Se lhes perguntarmos por que o universo existe, eles dirão que existe porque Deus o fez. E, se lhes perguntarmos por que Deus existe, a resposta dependerá do grau de sofisticação teológica do interlocutor. Ele poderá dizer que Deus é a causa de Si mesmo, que é o fundamento do próprio ser, que Sua existência está contida em Sua própria essência. Ou então poderá dizer que as pessoas que fazem tais perguntas heréticas queimarão no fogo dos infernos.

 

Manuel Bandeira – O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.