Wislawa Szymborska – O Terrorista, Ele Observa

A bomba vai explodir no bar às treze e vinte.
Agora são só treze e dezesseis.
Alguns ainda terão tempo de entrar;
alguns de sair.

O terrorista já passou para o outro lado da rua.
A distância o livra de todo mal
e a vista, bom, é como no cinema:

Uma mulher de jaqueta amarela, ela entra.
Um homem de óculos escuros, ele sai.
Uns jovens de jeans, eles conversam.
Treze e dezessete e quatro segundos.
Aquele mais baixo tem sorte, sai de lambreta,
e aquele mais alto entra.

Treze e dezessete e quarenta segundos.
Uma moça, ela passa de fita verde no cabelo.
Só que aquele ônibus a encobre de repente.

Treze e dezoito.
A moça sumiu.
Se ela foi tola de entrar ou não
vai se saber quando os carregarem para fora.

Treze e dezenove.
Parece que ninguém mais entra.
Aliás, um gordo careca sai.
Mas remexe os bolsos como se procurasse algo
e às treze e vinte menos dez segundos
ele volta para buscar a droga das luvas.

São treze e vinte.
O tempo, como ele se arrasta.
Deve ser agora.
Ainda não.
É agora.
A bomba, ela explode.

Trad.: Regina Przybycien

Republicação: poema publicado no blog originalmente em 25/10/2017

Wislawa Szymborska – As Cartas dos Mortos

Lemos as cartas dos mortos como deuses impotentes,
mas deuses assim mesmo, porque conhecemos as datas posteriores.
Sabemos quais dívidas não foram pagas.
Com quem as viúvas rapidamente se casaram.
Pobres mortos, mortos cegos,
enganados, falíveis, canhestramente previdentes.
Vemos as caretas e os sinais feitos pelas costas.
Capturamos o som de testamentos sendo rasgados.
Sentados comicamente diante de nós como no pão com manteiga,
ou correndo atrás do chapéu que o vento lhes arrancou da cabeça.
Seu mau gosto, Napoleão, vapor e eletricidade,
seus remédios mortíferos para doenças curáveis,
seu tolo apocalipse segundo são João,
o falso paraíso na terra segundo Jean-Jacques…
Observamos em silêncio seus peões no tabuleiro,
só que movidos três casas à frente.
Tudo que previam aconteceu totalmente de modo diverso,
ou um pouco diverso, que é o mesmo que totalmente diverso.
Os mais fervorosos nos fitam nos olhos com confiança
porque, segundo suas contas, verão neles a perfeição.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado originalmente no blog em 12/03/2017

Wislawa Szymborska – Bodas de Ouro

Devem ter sido diferentes um dia,
fogo e água, diferindo com veemência,
sequestrando e se doando
no desejo, no assalto à dessemelhança.
Abraçados, apropriaram-se e expropriaram
por tanto tempo,
que nos braços restou o ar
translúcido depois do relâmpago.

Um dia a resposta antecipou a pergunta.
Uma noite adivinharam a expressão do olhar do outro
pelo tipo de silêncio, no escuro.

O sexo fenece, os segredos se consomem,
na semelhança as diferenças se encontram
como todas as cores no branco.

Qual deles está duplicado e qual aqui está faltando?
Qual sorri com um duplo sorriso?
A voz de quem ressoa nas duas vozes?
Quem assente quando acenam com a cabeça?
Com o gesto de quem levam a colher à boca?

Quem arrancou a pele de quem?
Quem vive e quem morreu
enredado na linha – de qual mão?

Devagarinho, de tanto olhar, nascem gêmeos.
A familiaridade é a mais perfeita das mães –
não faz distinção entre os seus dois filhos,
mal recorda qual é qual.

No dia das bodas de ouro, dia festivo,
uma pomba vista de forma idêntica pousou na janela.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 11/03/2017

Wislawa Szymborska – Natureza-morta com um Balãozinho

Em vez da volta das lembranças
na hora de morrer
quero ter de volta
as coisas perdidas.

Pela porta, janela, malas,
sombrinhas, luvas, casaco,
para que eu possa dizer:
Para que tudo isso.

Alfinetes, este e aquele pente,
rosa de papel, barbante, faca,
para que eu possa dizer:
Nada disto me faz falta.

Esteja onde estiver, chave,
tente chegar a tempo,
para que eu possa dizer:
Ferrugem, minha cara, ferrugem.

Caia uma nuvem de atestados,
licenças, enquetes,
para que eu possa dizer:
Que lindo o sol se pondo.

Relógio, aflore do rio
e permita que te segure na mão,
para que eu possa dizer:
Você finge ser a hora.

Vai aparecer também um balãozinho
levado pelo vento,
para que eu possa dizer:
Aqui não há crianças.

Voe pela janela aberta,
voe para o vasto mundo,
que alguém grite: Ó!
para que eu possa chorar.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 10/03/2017

Wislawa Szymborska – Nada Duas Vezes

Nada acontece duas vezes
nem acontecerá. Eis nossa sina.
Nascemos sem prática
e morremos sem rotina.

Mesmo sendo os piores alunos
na escola deste mundão,
nunca vamos repetir
nenhum inverno nem verão.

Nem um dia se repete,
não há duas noites iguais,
dois beijos não são idênticos,
nem dois olhares tais quais.

Ontem quando alguém falou
o teu nome junto a mim
foi como se pela janela aberta
caísse uma rosa do jardim.

Hoje que estamos juntos,
o nosso caso não medra.
Rosa? Como é uma rosa?
É uma flor ou é uma pedra?

Por que você tem, má hora,
que trazer consigo a incerteza?
Você vem – mas vai passar.
Você passa – eis a beleza.

Sorridentes, abraçados
tentaremos viver sem mágoa,
mesmo sendo diferentes
como duas gotas d’água.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 09/03/2017

Wislawa Szymborska – A Cada Cem Pessoas

A cada cem pessoas:

sabem de tudo e muito melhor do que os outros:
– cinquenta e duas.

ficam inseguras a cada passo:
– quase todas as outras.

estão prontas a ajudar
desde é claro que isso não lhes tome muito tempo:
– quarenta e nove, o que já não é mau.

são sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:
– quatro… vá lá, talvez cinco.

estão prontas a admirar sem inveja:
– dezoito.

são induzidas ao erro
por uma juventude que passa tão depressa:
– umas sessenta.

com quem não se pode brincar:
– quarenta e quatro.

vivem angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:
– setenta e sete.

são dotadíssimas para a felicidade:
– no máximo vinte e tal.

inofensivas quando sozinhas
mas selvagens quando em multidão:
– isso, o melhor é não tentar saber nem aproximadamente.

não pedem nada da vida exceto coisas:
– trinta, mas preferia estar enganada.

encurvadas, sofridas,
sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas:
– cedo ou tarde, oitenta e três.

justas:
– pelo menos trinta e cinco, e lamba os beiços.

mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
– três.

dignas de compaixão:
– noventa e nove.

mortais:
– cem entre cem,
número que, até momento, não é possível alterar.

Trad.: Elzbieta Milewska e Sérgio Neves

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 08/03/2017

Wislawa Szymborska – Retornos

Voltou. Não disse nada.
Mas estava claro que teve algum desgosto.
Deitou-se vestido.
Cobriu a cabeça com o cobertor.
Encolheu as pernas.
Tem uns quarenta anos, mas não agora.
Existe – mas só como na barriga da mãe
na escuridão protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica metagaláctica.
Por ora dorme, todo enrodilhado.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 10/02/2017

Wislawa Szymborska – O primeiro amor

Dizem
que o primeiro amor é o mais importante.
Isso é muito romântico,
mas não é o meu caso.
Algo entre nós houve e não houve,
se deu e se perdeu.
Não me tremem as mãos
quando encontro as pequenas lembranças
e o maço de cartas atadas com barbante
se ao menos fosse uma fita.
Nosso único encontro depois de anos
foi um diálogo de duas cadeiras
junto a uma mesa fria.
Outros amores
ainda respiram profundamente em mim.
Este não tem alento para suspirar.
E no entanto tal como é
deslembrado,
nem sequer sonhado,
consegue o que os outros ainda não conseguem:
me acostuma com a morte.

Trad. Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO. Poema publicado originalmente no blog em 17/02/2016.

Wislawa Szymborska – Para o meu próprio poema

Na melhor das hipóteses,
meu poema, você será lido atentamente,
comentado e lembrado.

Na pior das hipóteses
somente lido.

Terceira possibilidade –
embora escrito,
logo jogado no lixo.

Você pode se valer ainda de uma quarta saída –
desaparecer não escrito
murmurando satisfeito algo para si mesmo.

Trad.: Regina Przybycien

Do własnego wiersza

W najlepszym razie
będziesz, mój wierszu, uważnie czytany,
komentowany i zapamiętany.

W gorszym przypadku
tylko przeczytany.

Trzecia możliwość –
wprawdzie napisany,
ale po chwili wrzucony do kosza.

Masz jeszcze czwarte wyjście do wykorzystania –
znikniesz nienapisany,
z zadowoleniem mrucząc coś do siebie.

Wislawa Szymborska – Metafísica

Foi-se, acabou-se.
Foi-se, então acabou-se.
Numa sequência sempre irreversível,
pois essa é a regra desse jogo perdido.
Conclusão banal, que já não vale escrever,
não fosse um fato incontestável,
um fato pelos séculos dos séculos,
por todo o cosmos, como é e será,
de que algo realmente foi,
até que se acabou,
menos isso
de você hoje ter comido arroz com feijão.

Trad.: Regina Przybycien

Metafizyka

Było, minęło.
Było, więc minęło.
W nieodwracalnej zawsze kolejności,
bo taka jest reguła tej przegranej gry.
Wniosek banalny, nie wart już pisania,
gdyby nie fakt bezsporny,
fakt na wieki wieków,
na cały kosmos, jaki jest i będzie,
że coś naprawdę było,
póki nie minęło,
nawet to,
że dziś jadłeś kluski ze skwarkami.