Nelson Ascher – Visita ao asilo

Subsistem devagar no
jardim da última infância
sorvendo desdentados
de vida (além de dentes)

o caldo-de-galinha
hospitalar dos dias.
Opacas as retinas
e os tímpanos à prova

de som, eles combinam
remorsos de placenta
densos de urina e restos
mortais que, amortalhados

folgadamente em pelo
acima do seu número,
apegam-se obsessivos
aos ossos descalci-

ficados como, à ideia
de podre, os urubus.
Sinapse piedosa
que, entre neurônios secos,

censura todo estímulo,
seu íntimo se ocupa
despreocupadamente
de trâmites de térmita.

Nelson Ascher – Saudade

Posto que nem é de bom-tom
falar sobre a tristeza insossa
cujo vaivém, quando se apossa
de mim, me embala como o som

sem fim das ondas do Leblon,
dispondo-me a curtir a fossa
a sós, pus na vitrola a bossa
nova de João, Vinícius, Tom,

menos pra ouvir o que ela tem,
porque talvez já nem me agrade
a ausência tanto faz de quem,

do que pra que, pouco à vontade,
meu coração se encha, se bem
que sob protesto, de saudade.