Maria Lúcia Alvim – Nosferatu

Não era bem isso que eu queria,
no entanto, ele veio.
Olho de vidro, dente de espada,
sopro de guerreiro afeito à noite.

– Por que tarda tanto
 o teu amanhecer sob a capa?
– Porque veio?
         perguntei.

E ele debruçava, derramava
sobre mim
      um jeito de morrer.

Luís Felipe Castro Mendes – Estóicos

Deixa-te ficar comigo à beira do rio.
Entardeceu. Não procures o vulgar brilho da beleza
nem a sedução da mocidade.
Se te falarem dos deuses, finge entender.
E se chamarem poeta ao dono do circo,
concorda gravemente.

Víctor Botas – “Collige, virgo, rosas”

Não falta quem suponha que em sessenta
bilhões de anos voltaremos a
ser como agora (aparentemente
o Espaço se dilata para logo,
elástico, encolher-se e novamente
outra vez dilatar-se), repetindo
tu, as profundidades desses olhos,
eu, este esperar a morte de tua
mão agônica nas minhas, aqui
mesmo, neste lugar. Mas, caso seja
tudo uma mentira e nunca mais
a história se repita e, como eu
suspeito, o tempo voe – eheu fugaces
para uma noite eterna, me parece
que o melhor que faríamos seria
(hoje dou uma lição a Horácio)
agarrar esse instante que se vai
com unhas e com dentes (fazes bem,
fazes bem em rir: isso é muito sério),
sem meta – nem astro – física que o valham.

Trad.: Nelson Santander

“Collige, virgo, rosas”

No falta quien supone que en sesenta
mil millones de años, volveremos
a estar igual que ahora (al parecer
el Espacio se estira para luego,
elástico, encogerse y nuevamente
otra vez dilatarse), repitiendo
tú, las profundidades de esos ojos,
yo, este esperar la muerte de tu mano
agónica en las mías, aquí mismo,
justo en ese lugar. Pero, por si
es todo una patraña y nunca más
se repite la historia y, como yo
sospecho, el tiempo vuela – eheu fugaces –
hacia una noche eterna, me parece
que lo mejor que haríamos sería
(hoy enseño el horacio cosa mala)
agarrar ese instante que se va
con uñas y con dientes (haces bien,
haces bien en reírte: esto es muy serio),
sin meta – ni astro – físicas que valgan.

Luis Alberto de Cuenca – “Collige, virgo, rosas”

Moça, colhe as rosas, não esperes a manhã.
Corta-as velozmente, desaforadamente,
sem parar para pensar se elas são más ou boas.
Que não sobre nenhuma. Poliniza os rosais
que encontrares em teu caminho e deixa os espinhos
para tuas colegas do colégio. Desfruta
da luz e do ouro enquanto podes e consagra
tua beleza a esse deus gordo e melancólico
que anda pelos jardins instilando veneno.
Goza lábios e línguas, acaba-te com gosto
com quem saíres e não permitas que o outono
apanhe-te com a pele seca e sem um homem
(pelo menos) comendo-te a essência da alma.
E que a negra morte prive-te do que viveste.

Trad.: Nelson Santander

“Collige, virgo, rosas”

Niña, arranca las rosas, no esperes a mañana.
Córtalas a destajo, desaforadamente,
sin pararte a pensar si son malas o buenas.
Que no quede ni una. Púlete los rosales
que encuentres a tu paso y deja las espinas
para tus compañeras de colegio. Disfruta
de la luz y del oro mientras puedas y rinde
tu belleza a ese dios rechoncho y melancólico
que va por los jardines instilando veneno.
Goza labios y lengua, machácate de gusto
con quien se deje y no permitas que el otoño
te pille con la piel reseca y sin un hombre
(por lo menos) comiéndote las hechuras del alma.
Y que la negra muerte te quite lo bailado.

Felipe Benitez Reyes – “Collige Rosas”

Consumir este dia
como se fosse o último.
             Queima-lo
como o último cigarro que restou ao insone.
Retarda-lo nos lábios
como a sílaba última de uma fórmula mágica.

Que dependa dele – como a moeda
que o suicida reticente lança ao ar –
o exato sentido da vida
               essa confusão
de quimeras que morrem nas mãos
como rosas pisadas,
ruborizadas de cor e aturdimento.

Trad.: Nelson Santander

Collige Rosas

Apurar este día
como si fuese el último.
             Quemarlo
como el último cigarrillo que le queda al insomne.
Demorarlo en los labios
como la sílaba última de una fórmula mágica.

Que dependa de él -como esa moneda
que el suicida dudoso lanza al aire-
el exacto sentido de la vida
               ese desorden
de quimeras que mueren en las manos
como rosas pisadas,
sangrantes de color y aturdimiento.

Francisco Brines – “Collige, virgo, rosas”

Estás já com quem queres. Ri e goza. Ama.
E anima-te na noite que agora começa,
e entre tantos amigos (e comigo)
abre os grandes olhos para a vida
com a avidez preciosa de tua idade.
A noite, longa, há de acabar ao amanhecer,
e virão esquadrões de espiões com a luz,
apagar-se-ão as estrelas, e também a memória,
e a alegria acabará em seu nada.
Mas, mesmo que isso aconteça, anima-te na noite,
pois por trás do esquecimento pode ser que ela renasça,
e a recobres pura, e aumentada em beleza,
se nela, por acaso, que será uma escolha,
cerrares a vida com o melhor que tinhas,
quando a noite humana se acabar de vez,
e vier esta outra luz, rancorosa e estranha,
que antes que tu conheças, eu já terei conhecido.

Trad.: Nelson Santander

“Collige, virgo, rosas”

Estás ya con quien quieres. Ríete y goza. Ama.
Y enciéndete en la noche que ahora empieza,
y entre tantos amigos (y conmigo)
abre los grandes ojos a la vida
con la avidez preciosa de tus años.
La noche, larga, ha de acabar al alba,
y vendrán escuadrones de espías con la luz,
se borrarán los astros, y también el recuerdo,
y la alegría acabará en su nada.
Mas, aunque así suceda, enciéndete en la noche,
pues detrás del olvido puede que ella renazca,
y la recobres pura, y aumentada en belleza,
si en ella, por azar, que ya será elección,
sellas la vida en lo mejor que tuvo,
cuando la noche humana se acabe ya del todo,
y venga esa otra luz, rencorosa y extraña,
que antes que tú conozcas, yo ya habré conocido.

Garcilaso de la Vega – Soneto XXIII

Enquanto que de rosa e de açucena
se mostra toda a cor neste teu rosto,
enquanto o teu olhar ardente, honesto,
acende o coração e o serena;

e enquanto o teu cabelo, que das franjas
do ouro se escolheu, com voo presto,
sobre o formoso colo branco, ereto,
o vento move, espalha e desarranja:

colhe de tua alegre primavera
o doce fruto, antes que o tempo airado
recubra de neve o formoso cume;

murchará a rosa o vento gelado.
Mudará tudo o tempo que não espera,
tão só por não mudares teu costume.

Trad.: Nelson Santander

Soneto XXIII

En tanto que de rosa y azucena
se muestra la color en vuestro gesto,
y que vuestro mirar ardiente, honesto,
enciende al corazón y lo refrena;

y en tanto que el cabello, que en la vena
del oro se escogió, con vuelo presto,
por el hermoso cuello blanco, enhiesto,
el viento mueve, esparce y desordena:

coged de vuestra alegre primavera
el dulce fruto, antes que el tiempo airado
cubra de nieve la hermosa cumbre;

marchitará la rosa el viento helado.
Todo lo mudará la edad ligera
por no hacer mudanza en su costumbre.

Jorge Luis Borges – Cristo na Cruz

Cristo na cruz. Os pés tocam a terra.
Os três madeiros são de igual altura.
Cristo não é o do meio. É o terceiro.
A negra barba pende sobre o peito.
O rosto não é este das gravuras.
É áspero e judeu. Mas não o vejo
E vou buscá-lo sempre até o dia
De meu último passo sobre a terra.
O homem alquebrado sofre e cala.
A coroa de espinhos o castiga.
A chacota da plebe não o alcança
Já tantas vezes viu sua agonia.
A sua ou a desse outro. Dá no mesmo.
Cristo na cruz. Desordenadamente
Pensa no reino que talvez o espera,
Pensa numa mulher que não foi sua.
Não lhe foi dado ver a teologia,
A Trindade indecifrável, os gnósticos,
As catedrais, a navalha de Occam,
Nem a púrpura, a mitra, a liturgia,
A conversão de Guthum pela espada,
A Inquisição, o sangue de seus mártires,
As atrozes Cruzadas, Joana d´Arc,
O Vaticano que bendiz exércitos.
Sabe que não é deus e que é um homem.
Ele morre com o dia. Não lhe importa.
Importa o duro ferro desses cravos.
Não é romano. Não é grego. Geme.
A nós deixou esplêndidas metáforas
E uma doutrina de perdão que pode
Anular o passado. (Esta sentença
Escreveu-a um irlandês no cárcere.)
Sua alma busca o fim, impaciente.
Escureceu um pouco. Já está morto.
Anda uma mosca pela carne quieta.
De que vale saber que tenha esse homem
Por mim sofrido, se eu sofro agora?

Trad.: Ivo Barroso

 

Conheça outros livros de Jorge Luis Borges clicando aqui

Cristo en la cruz

Cristo en la cruz. Los pies tocan la tierra.
Los tres maderos son de igual altura.
Cristo no está en el medio. Es el tercero.
La negra barba pende sobre el pecho.
El rostro no es el rostro de las láminas.
Es áspero y judío. No lo veo
y seguiré buscándolo hasta el día
último de mis pasos por la tierra.
El hombre quebrantado sufre y calla.
La corona de espinas lo lastima.
No lo alcanza la befa de la plebe
que ha visto su agonía tantas veces.
La suya o la de otro. Da lo mismo.
Cristo en la cruz. Desordenadamente
piensa en el reino que tal vez lo espera,
piensa en una mujer que no fue suya.
No le está dado ver la teología,
la indescifrable Trinidad, los gnósticos,
las catedrales, la navaja de Occam,
la púrpura, la mitra, la liturgia,
la conversión de Guthrum por la espada,
la inquisición, la sangre de los mártires,
las atroces Cruzadas, Juana de Arco,
el Vaticano que bendice ejércitos.
Sabe que no es un dios y que es un hombre
que muere con el día. No le importa.
Le importa el duro hierro con los clavos.
No es un romano. No es un griego. Gime.
Nos ha dejado espléndidas metáforas
y una doctrina del perdón que puede
anular el pasado. (Esa sentencia
la escribió un irlandés en una cárcel.)
El alma busca el fin, apresurada.
Ha oscurecido un poco. Ya se ha muerto.
Anda una mosca por la carne quieta.
¿De qué puede servirme que aquel hombre
haya sufrido, si yo sufro ahora?

Francisco Brines – Os Prazeres Inferiores

Não desdenhes as paixões vulgares
Tens os anos necessários para saber
que elas se correspondem exatamente com a vida.
Não reduzas sua ação,
pois se do breve tempo em que consistes
as retiras,
é ainda o existir mais imperfeito.
Descobre sua verdade por trás da aparência,
e assim não haverá falsidade,
não poderás fingir que foi razão de vida o que foi só passagem.
Mas elas evitaram-te o fiel tédio das horas.

Exigem lucidez, não em sua experiência,
mas em seu escasso ser;
dá-lhes seu exato valor,
para o que tens de saber o que a vida vale
e essa sabedoria há muito que é tua.
Se cometes um erro quando as medes,
hás-de fazê-lo atendendo à degradação.
Nunca melhores o que vale pouco.
E que não tenham nome, nem tempo demorado,
e fiquem confundidas em sua promiscuidade.
Sabes que tua memória é débil e te ajuda.
São todas uma só,
como é única a vida.
E as outras paixões que merecem um nome
e o abrigo de um tempo,
salva-as longe delas,
e sempre te recordem o que a vida não é.
E agradece tais erros à vida.

Trad.: José Bento

Los Placeres Inferiores

No desdeñes las pasiones vulgares.
Tienes los años necesarios para saber
que ellas se corresponden exactamente con la vida.
No reduzcas su acción,
pues si del breve tiempo en que consistes
las sustraes,
es todavía el existir más deficiente.
Descubre su verdad tras la apariencia,
y así no habrá falsía,
y no podrás mentir que fue razón de vida lo que sólo fue tránsito.
Mas ellas te evitaron el fiel aburrimiento de las horas.
Exigen lucidez, no en su experiencia,
sino en su escaso ser;
valóralas exactas,
para lo cual has de saber lo que la vida vale,
y esa sabiduría hace tiempo que es tuya.
Si cometes error cuando las midas,
hazlo siempre en tendencia de la degradación.
Nunca mejores lo que vale poco.
Y que no tengan nombre, ni tiempo detenido,
y queden confundidas en su promiscuidad.
Sabes que tu memoria es débil, y te ayuda.
Todas son una sola,
como es una la vida.
Y las otras pasiones, que merecen un nombre
y el cobijo de un tiempo,
sálvalas lejos de ellas,
y siempre te recuerden lo que la vida no es.
Y agradece a la vida esos errores.

Amalia Bautista – Os Teus Olhos

Quando já se esgotaram os caminhos
que a razão poderia aconselhar-nos
abrem-se os teus olhos: com eles tudo
volta a inundar-se da luz escura
que dá sentido ao mundo e à minha vida.

Trad.: Inês Dias

Tus Ojos

Cuando se han agotado los caminos
que la razón podría aconsejarnos
se abren tus ojos, y con ellos todo
vuelve a inundarse de la luz oscura
que da sentido al mundo y a mi vida.