De pé neste penhasco,
aceito a mentira da paisagem.
Tudo é inacessível:
o orvalho
– que é suor vegetal –
e o comboio que passa.
Uma cegonha voa a preto e branco.
Tem o seu ninho no cimo da igreja
que fica junto ao cemitério.
Estranho paradoxo,
a pedra testemunha a fugacidade,
a carne é apenas um leito para o tempo.
(Cada osso que tenho é uma lápide
pelos mortos que escondo no meu íntimo.)
Para quê contar o tempo que nos resta?
Viver é abraçar escuridões:
do que não sabemos ao que não sabemos,
de uma distância a outra distância.
Tudo é inacessível.
Quem vê um comboio passar compreende o resto.
Trad.: Manuel de Freitas