Dan Fante – [Agora que eu já escrevi]

Agora que eu já escrevi
dez anos de livros e peças
e abandonei álcool e cigarros
e a gloriosa pornografia suja
e minhas roupas não fedem por passar a noite dormindo no velho Pontiac
e meu cabelo está caindo e estou dez quilos mais gordo
Aos meus cinquenta anos com ligações a retornar e responsabilidades
e as discussões que tenho com policiais não são mais sobre fiança
ou inadimplência
ou onde escondi minha arma
Agora eu me sinto capaz de comprovar que o tempo não muda nada
que esta coisa que toda minha vida vem pulsando e se contorcendo dentro de mim
– este buraco vazio
Esta necessidade de gritar e mudar coisas e nunca estar satisfeito –
Esta voz que sobreviveu a psiquiatras e prisões e 3 divórcios
e suicídio e falência e cursos de auto-ajuda aos finais de semana
Esta raiva
ainda guia minha visão
e exige que eu vá de cabeça contra minha vida
como um tolo
em
busca
de
uma
chama
pura e branca

Trad.: Edivaldo Ferreira

Dan Fante – [Eu conheci o mais faminto]

Eu conheci o mais faminto
e desprezível dos gatos
enquanto sentava com um livro
e meio maço de cigarros
num banco
em Venice Beach

Ele me viu e apareceu
branco
sujo
com um olho verde e outro amarelo
e um corte recente em sua orelha desfigurada

Furioso como um lobo ferido
ele estabeleceu uma distância
e seu olhar dizia, me alimente ou dê o fora
o banco em que você está é meu território

O que ele não sabia é que eu também conheço o desespero
e a loucura
e o que o vazio e a solidão e a raiva podem fazer a você quando não há nada além de dor em seus bolsos e sua casa é um Pontiac 1978 fodido estacionado em um beco a Oeste de L.A. e as vozes na sua cabeça estão te esculpindo e matando cada vez mais a cada dia e você acorda e bebe mais vinho barato para se manter longe de uma súbita loucura e Deus torna-se um cara saindo do supermercado te entregando uns trocados para outra maldita garrafa e medo é o seu sentimento mais digno e amor é morte e todo momento é morte e até os seus olhos fedem e suas tripas estão inchadas com as vozes esganiçadas daqueles que você odeia e a única sanidade que existe só pode ser encontrada no pequeno milagre de virar o copo e beber mais um gole

Esse maldito gato branco não sabe que
eu fui cortado também

pelo mesmo fio

A única diferença entre nós
são dez anos e uma máquina de escrever

Trad.: Edivaldo Ferreira

I met the meanest
bastard starving cat
while sitting with a book
on a bench
smoking half pack of Luckies
at Venice beach

He saw me and came up
white
filthy
with one green eye
and one yellow eye
and a fresh slash on his scarred ear

Angry as a wounded wolf
he kept his distance
and his look said, feed me or fuck off
that bench you´re on is my territory

What he didn´t know is that I know desperate too
and crazy
and what emptiness and aloneness and rage can do to you when you´ve got nothing but your own pain in your pockets and your home is a busted-out 1978 Pontiac stalled in a alley in West L.A and the voice in your mind is carving you up and killing more of you off each day and you wake up and drink more rat-piss wine to keep you from instant madness and god becomes a guy coming out of the 7-11 handing you chump change toward another fucking jug and fear is your finest feeling and love is dead and all time is dead an even your eyes stink and your gut is bloated with the screaming voices of those you hate and the only real sanity there is can be found in the small miracle of sucking back one more drink

That mean white cat didn´t know that I´ve been cut too
from the same cloth the only difference between us
is ten years and a typewriter