Tess Gallagher – Vão

Entrei neste mundo sem querer
vir. Dele vou sair sem
querer partir. Todo esse tempo,
em que parecia haver duas portas,
apenas uma porta havia – esta
passagem.

Trad.: Nelson Santander

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Opening

I entered this world not wanting
to come. I’ll leave it not
wanting to go. All this while,
when it seemed there were two doors,
there was only one – this
passing through.

Tom Hirons – Enquanto isso

Enquanto isso, as flores ainda florescem.
A lua aparece, e o sol também.
Bebês sorriem e, em algum lugar,
Contra todas as probabilidades,
Duas pessoas se apaixonam.

Estranhos dividem cigarros e piadas.
A luz brinca na superfície da água.
A graça acontece em ruas improváveis,
E nos abraçamos com força
Contra a entropia, o fogo e as águas.

A vida se inclina para a vida
E, embora a morte, por fim, reclame tudo,
Houve tantos momentos preciosos no intervalo,
Em que tudo era radiante,
E amávamos outra vez este mundo.

Trad.: Nelson Santander

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In the meantime

Meanwhile, flowers still bloom.
The moon rises, and the sun.
Babies smile and somewhere,
Against all the odds,
Two people are falling in love.

Strangers share cigarettes and jokes.
Light plays on the surface of water.
Grace occurs on unlikely streets
And we hold each other fast
Against entropy, the fires and the flood.

Life leans towards living
And, while death claims all things at the end,
There were such precious times between,
In which everything was radiant
And we loved, again, this world.

C. K. Williams – A Corsa

Perto do crepúsculo, de uma trilha, de um arroio,
paramos, eu, inquieto e angustiado
pelo sofrimento de alguém que eu amava;
a corsa, sempre sobressaltada.

Apenas sua orelha ligeira se movia,
transpassada pelo sol avermelhado,
tingida de uma cor que eu só vira
na foto de uma criança no ventre.

Nada mais se movia, nem uma folha,
nem o ar, mas ela se assustou e disparou
para dentro da mata crepitante.

A fração de minha dor que às vezes
me liberta partiu com ela; o resto,
no rastro da luz tardia, ficou.

Trad.: Nelson Santander

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The Doe

Near dusk, near a path, near a brook,
we stopped, I in disquiet and dismay
for the suffering of someone I loved,
the doe in her always incipient alarm.

All that moved was her pivoting ear
the reddening sun shining through
transformed to a color I’d only seen
on a photo of a child in a womb.

Nothing else stirred, not a leaf,
not the air, but she startled and bolted
away from me into the crackling brush.

The part of my pain which sometimes
releases me from it fled with her, the rest,
in the rake of the late light, stayed.

Eavan Boland – Chegamos sempre tarde demais

A memória
tem duas partes.

Primeiro, a revisitação:

o modo como ainda posso ver
aqueles amantes à mesa do café. Ela chora.

Nova Inglaterra. Hora do café da manhã. Inverno. Atrás dela,
além da janela panorâmica,
um bosque de pinheiros brancos.

Neve nova cai, e a antiga,
perdendo o equilíbrio nos ramos,
se desprende em fragmentos,
acrescendo novas frações. Depois,

a reencenação. Sempre a mesma coisa.
Eu me levanto, afasto
o café. E sempre estou indo até ela.

O rubor e o ardor coram
sua fronte agora, e descem pelo pescoço.

Ergo uma das mãos. Aponto para
aquelas árvores, mostro a ela nossa necessidade dessas
belas superações do
que sofremos pelo
que sobrevive. E ela nunca sequer me vê.

Trad.: Nelson Santander

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We are always too late

Memory
is in two parts.

First, the revisiting:

the way even now I can see
those lovers at the café table. She is weeping.

It is New England, breakfast time, winter. Behind her,
outside the picture window, is
a stand of white pines.

New snow falls and the old,
losing its balance in the branches,
showers down,
adding fractions to it. Then

the reenactment. Always that.
I am getting up, pushing away
coffee. Always, I am going towards her.

The flush and scald is
to her forehead now, and back down to her neck.

I raise one hand. I am pointing to
those trees, I am showing her our needs for these
beautiful upstagings of
what we suffer by
what what survives. And she never even sees me.

Eavan Boland – Âmbar

Nunca importou que houvesse outrora um vasto lamento:

árvores nas colinas, nos bosques, chorando —
um ouro fluido vertendo

até o chão através das estações e dos séculos —
até agora.

Nesta amena tarde de setembro, da qual você está ausente,
seguro, como se minha mão pudesse retê-lo,
um ornamento de âmbar

que um dia você me deu.

A razão diz:
Os mortos não podem ver os vivos.
Os vivos nunca verão os mortos novamente.

O ar límpido de que precisávamos para nos encontrar
se perdeu para sempre, e ainda assim

esta resina um dia
recolheu sementes, folhas, e até pequenas penas, enquanto caía
e caía.

Agora, sob a luz do sol, elas parecem tão vivas quanto
sempre foram,

como se o passado se tornasse o presente e a própria memória
um mel báltico —

um desgaste nas margens do visível, uma prova do quanto
pode ser preservado

dentro de uma imperfeita translucidez.

Trad.: Nelson Santander

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Amber

It never mattered that there was once a vast grieving:

trees on their hillsides, in their groves, weeping—
a plastic gold dropping

through seasons and centuries to the ground—
until now.

On this fine September afternoon from which you are absent
I am holding, as if my hand could store it,
an ornament of amber

you once gave me.

Reason says this:
The dead cannot see the living.
The living will never see the dead again.

The clear air we need to find each other in is
gone forever, yet

this resin once
collected seeds, leaves and even small feathers as it fell
and fell

which now in a sunny atmosphere seem as alive as
they ever were

as though the past could be present and memory itself
a Baltic honey—

a chafing at the edges of the seen, a showing off of just how much
can be kept safe

inside a flawed translucence.

Eavan Boland – Brasas

Em uma noite de inverno, quando uma geada cortante
fazia as trilhas entre os tojais estalarem sob os pés,
uma desventurada mulher, olhos arregalados, cabelos em desalinho,
chegou ao lugar onde os Fianna1 haviam montado acampamento.

Tua face é de sombra. Estás lendo.
Ainda há calor na fogueira. Estou lendo:

Ela pediu a cada um deles, por sua vez,
que a levasse para sua cama, que a abrigasse com seu corpo.
Cada um a olhou — ela era velha além dos anos.
Cada um a recusou, cada um a repeliu, exceto Diarmuid.

Quando ele acordou pela manhã, ela era jovem e bela.
E era dele, para sempre, mas com uma condição:
ele não poderia dizer que ela já fora velha e abatida.
Ele não poderia dizer que ela jamais tinha sido… aqui eu levanto o olhar.

Estás de costas. Não tens interesse nisso.

Fiz essa fogueira com a primeira turfa do inverno.
Olha-me sob a última luz polida dela.
Diz-me que ainda sentes o calor.
Diz-me que nunca falarás sobre as cinzas.

Trad.: Nelson Santander

  1. O poema faz referência a uma lenda do ciclo mitológico irlandês conhecido como Ciclo Feniano (ou Ciclo Ossiânico). Diarmuid Ua Duibhne era um guerreiro dos Fianna, um grupo de heróis liderados por Fionn mac Cumhaill na Irlanda antiga. A passagem alude ao encontro de Diarmuid com uma mulher idosa e miserável que pede abrigo aos guerreiros, sendo rejeitada por todos, exceto por ele. Em algumas interpretações, essa figura pode ser associada ao motivo mitológico da Soberania — uma personificação da terra da Irlanda, que testa os heróis aparecendo primeiro como uma velha horrenda (cailleach) antes de revelar sua verdadeira forma como uma jovem bela. Esse padrão narrativo, comum na mitologia celta, simboliza a aliança entre o herói digno e a terra/soberania. A condição imposta a Diarmuid — nunca mencionar sua aparência anterior — representa a lealdade e discrição exigidas em relações de confiança. No poema de Boland, essa história mítica serve como metáfora para relacionamentos contemporâneos, sugerindo as complexidades da memória, do envelhecimento e da intimidade. ↩︎

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Embers

One night in winter when a bitter frost
made the whin-paths crack underfoot,
a wretched woman, eyes staring, hair in disarray,
came to the place where the Fianna had pitched camp.

Your face is made of shadow. You are reading.
There is heat from the fire still. I am reading:

She asked every one of them in turn
to take her to his bed, to shelter her with his body.
Each one looked at her — she was old beyond her years.
Each one refused her, each spurned her, except Diarmuid.

When he woke in the morning she was young and beautiful.
And she was his, forever, but on one condition.
He could not say that she had once been old and haggard.
He could not say that she had ever … here I look up.

You are turned away. You have no interest in this.

I made this fire from the first peat of winter.
Look at me in the last, burnished light of it.
Tell me that you feel the warmth still.
Tell me you will never speak about the ashes.

Lee Stockdale – O armazém geral do meu falecido pai no meio do deserto

Tem bombas de gasolina com o Pégaso vermelho1,
mas não é apenas um posto de gasolina, seu pai não é meu pai,
de pé sobre mim, com uma prancheta, conferindo as coisas feitas e por fazer.

Ele parece feliz nesta última parada antes da morte para os que vivem,
antes da vida para os que ainda não nasceram,
onde seu armazém geral negocia farinha, açúcar, cortes de carnes,
ou fígado, roxo-avermelhado, um coração que ele embrulha em papel pardo.

Ele corta meu cabelo sob a cobertura de zinco. Devo ter chegado aqui
de uma direção ou outra pela estrada que se estende de horizonte a horizonte,
o calor do deserto fazendo meus olhos tremular como poças.

Cheguei engatinhando,
e ele me entregou uma Nehi de laranja gelada.
É pura coincidência que esta loja seja do meu pai.
Pergunto-lhe de onde vem toda essa mercadoria, já que nenhum caminhão passa por essa estrada
para repor produtos que ninguém compra.
Ele não gosta de perguntas que desafiam sua existência.
Fico quieto, pois ele está cortando meu cabelo
e pode, consciente ou inconscientemente, me deixar com uma aparência ridícula.

Você está fazendo um ótimo trabalho aqui, digo, o que ele sabe que é besteira –
quantos pais, mesmo mortos, montam um armazém geral no deserto?
Insisto: Você mantém as prateleiras abastecidas, o chão varrido, o banheiro limpo.
Quanto mais falo, mais me encorajo a amá-lo pelo trabalho que teve
para fazer tudo isso parecer real, com latas de pregos de todos os tamanhos, feijão, arroz,
prateleiras de bebidas, balcão de frios com picles gigantes.

Começo a perceber que homem querido e doce ele é. Será porque está morto?
Queria que estivesse vivo outra vez.
Não acho que ele tenha se matado só para me magoar pessoalmente.
À noite, ele diz, coiotes uivantes descem das montanhas
e deixam recados, versículos bíblicos, ameaças, cartas de amor.
Tudo que um coiote precisa tirar do peito.
Pergunto se eles vêm todas as noites.
Sem falta, ele diz

Trad.: Nelson Santander

  1. Lee Stockdale venceu o National Poetry Competition com o poema My Dead Father’s General Store in the Middle of a Desert, escolhido entre mais de 17 mil inscrições de 103 países. O poema, elogiado por sua “beleza, inteligência e graça”, retrata um encontro entre pai e filho, refletindo sobre perda e reconciliação. A obra foi inspirada na trágica morte do pai do poeta, que tirou a própria vida dias após o assassinato de John F. Kennedy. (Fonte: The Guardian, 29/03/2023) ↩︎

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My Dead Father’s General Store in the Middle of a Desert

It has gas pumps with red horses and wings,
but is not merely a gas station, your father is not my father,
standing over me with a clipboard, checking off things done and left undone.

He seems happy at this last stop before death for those living,
before life for those not yet born,
where his general store deals in flour, sugar, pieces of hacked meat,
or liver, reddish purple, a heart he wraps in brown paper.

He cuts my hair beneath the tin awning. I must have gotten here
from one direction or other on the road that stretches horizon to horizon,
the desert heat shimmering my eyes into pools.

I crawled in on my hands and knees,
he handed me an ice-cold orange Nehi drink.
It’s pure coincidence that this store is my father’s.
I ask him where all this stuff comes from, as no trucks travel this road
to replenish merchandise no one buys.
He doesn’t like questions that challenge his existence.
I become quiet, he’s cutting my hair
and might consciously or unconsciously make me look bad.

You’re doing a great job out here, I say, which he knows is bullshit –
how many fathers, even if they’re dead, set up a general store in a desert.
I persist, You keep the shelves stocked, floor broomed, bathroom clean.
The more I talk, the more I encourage myself to love him for the trouble he went to
making all this seem real, with cans of various sized nails, beans, rice,
shelves of liquor, deli section with giant pickles.

I begin to see what a dear, sweet man he is. Is this because he is dead?
I wish he were alive again.
I don’t think he killed himself to be mean to me personally.
At night, he says, howling coyotes come down from the mountains
and leave notes, Bible verses, threatening messages, love letters.
Everything a coyote wants to get off its chest.
I ask if they come every night.
He says, Without fail.

Carlos Drummond de Andrade – Versos à Boca da Noite

Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.

Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? Sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?

Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.

Mas se eu pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito, minha fome. Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.

Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.

As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,

E tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,

E fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)

Mas vêm o tempo e a ideia de passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.

E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sonho e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.

E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.

Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? Em ti?
Que palavra escutaste, e onde, quando?
Seria indiferente ou solidária?

Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-Riso e em tua ama preta.

Que confusão de coisas ao crepúsculo!
Que riqueza! Sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:

uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,

Mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo

comprada em sal, em rugas e cabelo.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 11/03/2016

Charles Simic — Shelley

Poeta das folhas mortas, varridas como fantasmas,
Arrebanhadas como multidões ceifadas pela peste1,
Eu o li pela primeira vez
Em uma noite chuvosa em Nova York,

Com meu atroz sotaque eslavo,
Recitando os versos melífluos
De um volume surrado e manchado
Que havia comprado mais cedo naquele dia
Em um sebo na Quarta Avenida,
Gerido por um iniciado nas artes ocultas.

Com o pouco dinheiro que me restava,
Caminhei pelas ruas com o nariz enfiado no livro.
Sentei-me em uma cafeteria suja,
Com as moscas mortas do verão passado sobre a mesa.
O dono era um ex-marinheiro
Que desenvolvera uma enorme corcunda
De tanto observar a chuva e a rua vazia.
Ficou feliz em me ver ali, absorto na leitura.
Reabastecia minha xícara com um líquido escuro como as
[águas do Estige.

Shelley falava de um rei louco, cego e moribundo;
De governantes que não veem, não sentem, não sabem;
De túmulos dos quais um Fantasma glorioso pode
Irromper para iluminar nosso dia tempestuoso.2

Eu também me sentia como um fantasma glorioso
A caminho do jantar
Em um restaurante chinês que conhecia tão bem.
Havia um garçom de três dedos
Que trazia minha sopa e arroz todas as noites
Sem jamais dizer uma palavra.

Nunca vi mais ninguém lá.
A cozinha era separada por uma cortina
De contas de vidro que tilintavam suavemente
Sempre que a porta da frente se abria.
Naquela noite, a porta da frente se abriu
Para deixar entrar uma menina pálida de óculos.

O poeta falava do imperecível universo
Das coisas… de vislumbres de um mundo remoto
Que visitam a alma durante o sono…
De um deserto povoado apenas por tormentas…3

As ruas estavam repletas de guarda-chuvas quebrados,
Pareciam pipas fúnebres
Que aquela pequena menina chinesa poderia ter feito.
Os bares da MacDougal Street esvaziavam.
Tinha havido uma briga.
Um homem se apoiava em um poste, braços estendidos como um crucificado,
A chuva lavando o sangue de sua face.

Em uma viela mal iluminada,
Onde a calçada brilhava como um espelho de salão de baile
Na hora de fechar —
Um homem bem vestido e descalço
Me pediu dinheiro.
Seus olhos brilhavam, ele parecia triunfante
Como um mestre de esgrima
Que acabara de desferir um golpe mortal.

Que estranho era tudo aquilo… A loteria do mundo
Naquela noite escura de outubro…
O volume amarelado de poesia
Com seus Esplendores e Sombras
Que eu estudava à luz das vitrines:
Farmácias e barbearias,
Temendo meu pequeno quarto sem janelas,
Frio como o túmulo de um imperador infante.

Trad.: Nelson Santander

  1. Ao longo do poema, Simic faz várias referências a poemas de Shelley. Nesses versos, p.e., temos uma referência direta à “Ode to the West Wind” , onde Shelley descreve as folhas mortas sendo carregadas pelo vento do outono. ↩︎
  2. Referência ao famoso soneto “England in 1819“, em que Shelley critica o rei George III e a monarquia britânica. ↩︎
  3. Aqui, o poeta se refere ao poema “Mont Blanc: Lines Written in the Vale of Chamouni“, que começa com os versos “The everlasting universe of things / Flows through the mind”. ↩︎

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Shelley

Poet of the dead leaves driven like ghosts,
Driven like pestilence-stricken multitudes,
I read you first
One rainy evening in New York City,

In my atrocious Slavic accent,
Saying the mellifluous verses
From a battered, much-stained volume
I had bought earlier that day
In a second-hand bookstore on Fourth Avenue
Run by an initiate of the occult masters.

The little money I had being almost spent,
I walked the streets my nose in the book.
I sat in a dingy coffee shop
With last summer’s dead flies on the table.
The owner was an ex-sailor
Who had grown a huge hump on his back
While watching the rain, the empty street.
He was glad to have me sit and read.
He’d refill my cup with a liquid dark as river Styx.

Shelley spoke of a mad, blind, dying king;
Of rulers who neither see, nor feel, nor know;
Of graves from which a glorious Phantom may
Burst to illumine our tempestuous day.

I too felt like a glorious phantom
Going to have my dinner
In a Chinese restaurant I knew so well.
It had a three-fingered waiter
Who’d bring my soup and rice each night
Without ever saying a word.

I never saw anyone else there.
The kitchen was separated by a curtain
Of glass beads which clicked faintly
Whenever the front door opened.
The front door opened that evening
To admit a pale little girl with glasses.

The poet spoke of the everlasting universe
Of things … of gleams of a remoter world
Which visit the soul in sleep …
Of a desert peopled by storms alone …

The streets were strewn with broken umbrellas
Which looked like funereal kites
This little Chinese girl might have made.
The bars on MacDougal Street were emptying.
There had been a fist fight.
A man leaned against a lamp post arms extended as if crucified,
The rain washing the blood off his face.

In a dimly lit side street,
Where the sidewalk shone like a ballroom mirror
At closing time—
A well-dressed man without any shoes
Asked me for money.
His eyes shone, he looked triumphant
Like a fencing master
Who had just struck a mortal blow.

How strange it all was … The world’s raffle
That dark October night …
The yellowed volume of poetry
With its Splendors and Glooms
Which I studied by the light of storefronts:
Drugstores and barbershops,
Afraid of my small windowless room
Cold as a tomb of an infant emperor.

Giacomo Leopardi – O Infinito

Sempre me foi cara esta colina erma
E esta sebe, que de muitos lados
Exclui a visão do último horizonte.
Mas sentado, contemplando, infindáveis
Espaços além dela, e sobre-humanos
Silêncios, e a mais profunda calma
Eu no pensar imagino; e por pouco
Não se amedronta o coração. E o Vento
Ouvindo sussurrar entre essas plantas,
Aquele infinito silêncio a esta voz
Vou comparando: e lembra-me o eterno,
E as estações mortas, e a presente
Viva, e o seu som. Assim na imensidão
Se afoga o meu pensar:
E o naufragar me é doce neste mar

Trad.: Paulo Cesar Souza

REPUBLICAÇÃO. Poema publicado originalmente no blog em 03/03/2016.

L’infinito

Sempre caro mi fu quest’ermo colle,
e questa siepe, che da tanta parte
dell’ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
spazi di là da quella, e sovrumani
silenzi, e profondissima quïete
io nel pensier mi fingo, ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento
odo stormir tra queste piante, io quello
infinito silenzio a questa voce
vo comparando: e mi sovvien l’eterno,
e le morte stagioni, e la presente
e viva, e il suon di lei. Così tra questa
immensità s’annega il pensier mio:
e il naufragar m’è dolce in questo mare.