Salvatore Quasimodo – E de repente é noite

Cada um está só no coração da terra
traspassado por um raio de sol:
e de repente é noite.

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

REPUBLICAÇÃO. Poema publicado no blog originalmente em 17/02/2016.

Ed è subito sera

Ognuno sta solo sul cuor della terra
trafitto da un raggio di sole:
ed è subito sera

Eugenio Montale – Xenia I

1

Querido pequeno inseto
que chamavam de mosca, não sei por quê,
esta tarde quase ao escurecer
enquanto lia o Segundo Livro de Isaías
reapareceste ao meu lado,
mas não tinhas óculos,
não podias me ver
nem podia eu sem aquela centelha
reconhecer-te no escuro.

2

Sem óculos nem antenas
pobre inseto que asas
só tinhas na imaginação,
uma bíblia em frangalhos e ainda por cima tão pouco
confiável, o negro da noite,
um relâmpago, um trovão e depois
nem mesmo a tempestade. Quem sabe,
te foste cedo demais sem mesmo uma
palavra? Mas é ridículo
pensar que ainda tivesses lábios.

3

No Saint-James em Paris terei que pedir
um quarto “de solteiro”. (Não gostam
de hóspedes desacompanhados). E a mesma coisa também
na falsa Bizâncio de teu hotel
veneziano; para buscar logo depois
a cabine das telefonistas,
tuas amigas de sempre; e repartir,
gasta a corda,
o desejo de reaver-te, fosse
num gesto só ou em algo habitual.

4

Havíamos estudado para o além
um assobio, uma senha de reconhecimento.
Experimento reproduzi-lo na esperança
de já estarmos todos mortos sem saber.

5

Nunca cheguei a saber se eu era
o teu cão fiel e catarrento
ou tu o meu.
Para os outros, não, eras um inseto míope
perdido no blablablá
da grã-finagem. Eram ingênuos
aqueles espertos e não sabiam serem
eles o teu joguete:
mesmo no escuro vistos e desmascarados
por um teu senso infalível, por teu
radar de morcego.

6

Jamais pensaste em deixar traços
de ti em prosa ou verso. E este
foi o teu encanto – e mais tarde meu desgosto
[de mim mesmo.
Foi também o meu pavor: de vir a ser
relegado por ti ao limo coaxante
dos neoteroi.

7

Pena de si mesmo, angústia e pena infinita
de quem adora o aqui embaixo e espera e desespera
de um outro… (Quem ousa dizer um outro mundo?).
…………………………………………………………………………
“Estranha pena…” (Azucena, Segundo ato).

8

Tua palavra tão sofrida e desprotegida
resta a única que me sacia.
Mas mudou-se o acento, é outra sua cor.
Me habituarei a ouvir-te ou a decifrar-te
no tique-taque do telex,
na fumaça volúvel dos meus charutos
de Brissago.

9

Ouvir era tua única maneira de ver.
A conta do telefone se reduziu a bem pouco.

10

“Rezava?”. “Sim, pedia a Santo Antônio
que a fizesse encontrar
sombrinhas perdidas e outros objetos
do guarda-roupa de São Hermes”.
“Só por isso?”. “Também pelos Seus mortos
e por mim”.
“É o suficiente” disse o padre.

11

Recordar o teu choro (e o meu dobrado)
não chega a apagar o espocar de tuas risadas.
Eram como a antecipação de um Juízo Universal privado,
só teu, nunca ocorrido infelizmente.

12

A primavera desemboca com seu passo de toupeira.
Não mais te ouvirei falar de antibióticos
venenosos, da agarra de teu fêmur,
dos bens de fortuna de que um cobiçoso omisso
te depenou.

A primavera avança com suas névoas untuosas,
com suas longas luzes, suas horas insuportáveis.
Não mais te ouvirei lutar contra o regurgitar
do tempo, dos fantasmas, dos problemas logísticos
do Verão.

13

Teu irmão morreu cedo: tu eras
a menina despenteada que me olha
“fazendo pose” no oval de um retrato.
Ele escrevia músicas inéditas, inauditas,
hoje enterradas num baú ou quem sabe
trituradas. Talvez as reinvente
alguém sem se dar conta, se o que está escrito está escrito.
Eu o queria sem havê-lo conhecido.
Além de ti ninguém o recordava.
Não fiz pesquisas: agora é inútil.
Depois de ti tornei-me o único
para quem ele existiu. Mas é possível,
tu o sabes, amar uma sombra, sombras nós mesmos.

14

Dizem que a minha
é uma poesia de impertinência.
Mas se era tua pertencia a alguém:
a ti que não és mais forma e sim essência.
Dizem que no mais alto grau a poesia
exalta o Todo em fuga,
negam que a tartaruga
seja mais rápida que o raio.
Tu, apenas tu, sabias que o movimento
não difere da estase,
que o vazio é o pleno e o céu limpo
a mais difusa das nuvens.
Desta forma compreendo melhor tua longa viagem
prisioneira do gesso e das bandagens.
No entanto não me dá sossego
saber que sós ou juntos somos uma só coisa.

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Xenia I

1

Caro piccolo insetto
che chiamavano mosca non so perche,
stasera quasi al buio
mentre leggevo il Deuteroisaia
sei ricomparsa accanto a me,
ma non avevi occhiali,
non potevi vedermi
ne potevo io senza quel luccichio
riconoscere te nella foschia.

2

Senza occhiali, ne antenne,
povero insetto, che ali
avevi solo nella fantasia,
una bibbia sfasciata ed anche poco
attendibile, il nero della notte,
un lampo, un tuono e poi
neppure la tempesta. Forse che
te n’eri andata cosi presto senza
parlare? Ma e ridicolo
pensare che tu avessi ancora labbra

3

Аl Saint James di Parigi dovro chiedere
una camera ‘singola’ (non amano
i clienti spaiati). E cosi pure
nella falsa Bisanzio del tuo albergo
veneziano; per poi cercare subito
lo sgabuzzino delle telefoniste,
le tue amiche di sempre; e ripartire,
esaurita la carica meccanica,
il desiderio di riaverti, fosse
pure in un solo gesto o un’abitudine.

4

Аvevamo studiato per l’aldila
un fischio, un segno di riconoscimento.
Mi provo a modularlo nella speranza
che tutti siamo gia morti senza saperlo.

5

Non ho mai capito se io fossi
il tuo cane fedele e incimurrito
o tu lo fossi per me.
Per gli altri no, eri un insetto miope
smarrito nel blabla
dell’alta societa. Erano ingenui
quei furbi e non sapevano
di essere loro il tuo zimbello:
di esser visti anche al buio e smascherati
da un tuo senso infallibile, dal tuo
radar di pipistrello.

6

Non hai pensato mai di lasciar traccia
di te scrivendo prosa o versi. E fu
il tuo incanto – e dopo la mia nausea di me.
Fu pure il mio terrore: di esser poi
ricacciato da te nel gracidante
limo dei neoteroi.

7

Pieta di se, infinita pena e angoscia
di chi adora il quaggiu e spera e dispera
di un altro… (Chi osa dire un altro mondo?).
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
‘Strana pieta…’ (Azucena, atto secondo).

8

La tua parola cosi stenta e imprudente
resta la sola da cui mi appago.
Ma e mutato l’accento, altro il colore.
Mi abituero a sentirti o a decifrarti
nel ticchettio della telescrivente,
nel volubile fomo dei miei sigari
di Brissago.

9

Ascoltare era il solo tuo modo di vedere.
Il conto del’telefono s’e ridotto a ben poco

10

“Pregava?”. “Si, pregava Sant’Antonio
perche fa ritrovare
gli ombrelli smarriti e altri oggetti
del guardaroba di Sant’Ermete”.
“Per questo solo?”. “Anche per i suoi morti
e per me”.
“E sufficiente” disse il prete.

11

Ricordare il tuo pianto (il mio era doppio)
non vale a spegner lo scoppio delle tue risate,
Erano come l’anticipo di un tuo privato
Giudizio Universale, mai accaduto purtroppo.

12

La primavera sbuca col suo passo di talpa.
Non ti sentiro piu parlare di antibiotici
Velenosi, del chiodo del tuo femore,
dei beni di fortuna che t’ha un occhiuto omissis
spennacchiati.

La primavera avanza con le sue nebbie grasse,
Con le sue luci lunghe, le sue ore insopportabili.
Non ti sentiro piu lottare col rigurgito
del tempo, dei fantasmi, dei problemi logistici
dell’ Estate.

13

Tuo fratello mori giovane, tu eri
La bimba scarrufata che mi guarda
‘in posa’ nell’ovale di un ritratto.
Scrisse musiche inedite, inaudite,
Oggi sepolte in un baule o andate
Al macero. Forse le riinventa
Qualcuno inconsapevole, se cio ch’e scritto e scritto.
L’amavo senza averlo conosciuto.
Fuori di te nessuno lo ricordava.
Non ho fatto ricerche: ora e inutile.
Dopo di te sono rimasto il solo
per cui egli e esistito. Ma e possibile,
lo sai, amare un ombra, ombre noi stessi.

14

Dicono che la mia
sia una poesia d’innapartenenza.
Ma s’era tua, era di qualcuno,
di te, che non sei piu forma, ma essenza.
Dicono che la poesia al suo culmine
magnifica il Tutto in fuga
negano, che la testuggine
sia piu veloce di un fulmine.
Tu sola sapevi, che il moto
non e diverso dalla stasi,
che il vuoto e il pieno e il sereno
e la piu diffusa delle nubi.
Cosi meglio intendo il tuo lungo viaggio
Impriggionata tra le bende e le gessi.
Eppure non mi da riposo
sapere che in uno o in due noi siamo una sola cosa.

Eugenio Montale – A enguia

A enguia, a sereia
dos mares frios que deixa o Báltico
para alcançar os nossos mares,
nossos estuários, os rios
que sobe pelas profundezas, contra a enxurrada,
de braço em braço e depois
de veio em veio, cada vez mais delgados,
sempre mais dentro, sempre mais perto do coração
da rocha, filtrando-se
por regos de lama até que um dia
uma luz desfechada dos castanheiros
acende sua chispa num poço d`água parada,
nas valas que se despejam
dos flancos do Apenino, na Romagna;
a enguia, tocha, açoite,
flecha de Amor na terra
que só as nossas ravinas ou os ressecados
regatos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
a verde alma que procura
vida onde só
reina aridez e a desolação,
a centelha que diz:
tudo começa quando tudo parece
carbonizar-se, galho enterrado;
breve arco-íris, íris gêmea
daquela que teus cílios encastoam
e que fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, afundados no teu lamaçal, podes tu
não crê-la irmã?

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

L’anguilla

L’anguilla, la sirena
dei mari freddi che lascia il Baltico
per giungere ai nostri mari,
ai nostri estuari, ai fiumi
che risale in profondo, sotto la piena avversa,
di ramo in ramo e poi
di capello in capello, assottigliati,
sempre più addentro, sempre più nel cuore
del macigno, filtrando
tra gorielli di melma finché un giorno
una luce scoccata dai castagni
ne accende il guizzo in pozze d’acquamorta,
nei fossi che declinano
dai balzi d’Appennino alla Romagna;
l’anguilla, torcia, frusta,
freccia d’Amore in terra
che solo i nostri botri o i disseccati
ruscelli pirenaici riconducono
a paradisi di fecondazione;
l’anima verde che cerca
vita là dove solo
morde l’arsura e la desolazione,
la scintilla che dice
tutto comincia quando tutto pare
incarbonirsi, bronco seppellito;
l’iride breve, gemella
di quella che incastonano i tuoi cigli
e fai brillare intatta in mezzo ai figli
dell’uomo, immersi nel tuo fango, puoi tu
non crederla sorella?

Giuseppe Ungaretti – Sentimento do tempo

Sentimento do tempo
1931

E à luz mais própria,
Deixando apenas uma sombra violácea,
Sobre os cimos mais baixos,
A distância aberta ao alcance,
Cada batida, como usa o coração,
Agora escuto,
Apressa-te, tempo, a por-me sobre os lábios
Teu último beijo.

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

 

Giuseppe Ungaretti – Sentimento del tempo
1931

E per la luce giusta,
Cadendo solo un ombra viola
Sopra il giogo meno alto,
La lontananza aperta alla misura,
Ogni mio palpito, come usa il cuore,
Ma ora l’ascolto,
T’affretta, tempo, a pormi sulle labbra
Le tue labbra ultime.

Giuseppe Ungaretti – Céu claro

  Bosque de Courton, julho de 1918

Depois de tanta
névoa
uma
a uma
se desvelam
as estrelas

Respiro
o frescor
que me deixa
a cor do céu

Me reconheço
imagem
passageira

Presa de um ciclo
imortal

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Giuseppe Ungaretti – Sereno

  Bosco di Courton luglio 1918

Dopo tanta
nebbia
a una
a una
si svelano
le stelle

Respiro
il fresco
che mi lascia
il colore del cielo

Mi riconosco
immagine
passeggera

Presa in un giro
Immortale.

Giuseppe Ungaretti – Sou uma criatura

Valloncello di Cima Quattro, 5 de agosto de 1916

Como esta pedra
de S. Michele
tão fria
tão dura
tão seca
tão indiferente
tão completamente
sem ânimo

Como esta pedra
é meu pranto
que não se vê

A morte
se expia
vivendo

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Giuseppe Ungaretti – Sono una creatura

Valloncello di Cima Quattro il 5 agosto 1916

Come questa pietra
del S. Michele
così fredda
così dura
così prosciugata
così refrattaria
così totalmente
disanimata

Come questa pietra
è il mio pianto
che non si vede

La morte
si sconta
vivendo

Giuseppe Ungaretti – Silêncio

  Mariano, 27 de junho de 1916

Conheço uma cidade
que cada dia se enche de sol
e tudo é arrebatado nessa hora

Dela parti uma tarde

No coração perdurava o limar
das cigarras

Do navio
laqueado de branco
vi
minha cidade sumir
deixando
por um instante
no ar toldado um abraço de luzes
suspensas

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Giuseppe Ungaretti – Silenzio

  Mariano, il 27 giugno 1916

Conosco una città
che ogni giorno s’empie di sole
e tutto è rapito in quel momento

Me ne sono andato una sera

Nel cuore durava il limio
delle cicale

Dal bastimento
verniciato di bianco
ho visto
la mia città sparire
lasciando
un poco
un abbraccio di lumi nell’aria torbida
sospesi

Giuseppe Ungaretti – In Memoriam

  Locvizza, 30 de setembro de 1916

Chamava-se
Moammed Sceab

Descendente
de emires de nômades
suicida
porque não tinha mais
Pátria

Amou a França
e mudou de nome

Foi Marcel
mas não era francês
e já não sabia
viver
na tenda dos seus
onde se escuta a cantilena
do Alcorão
saboreando um café

E não sabia
desatar
o canto
do seu abandono

Acompanhei-o
junto com a dona da pensão
onde vivíamos
em Paris
do número 5 da rue des Carmes
esquálido beco em declive

Descansa
no cemitério de Ivry
subúrbio que parece
sempre
em dia
de
decomposta feira

E talvez apenas eu
ainda saiba
que viveu

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Giuseppe Ungaretti – In Memoria

  Locvizza il 30 settembre 1916.

Si chiamava
Moammed Sceab

Discendente
di emiri di nomadi
suicida
perché non aveva più
Patria
Amò la Francia
e mutò nome

Fu Marcel
ma non era Francese
e non sapeva più
vivere
nella tenda dei suoi
dove si ascolta la cantilena
del Corano
gustando un caffè

E non sapeva
sciogliere
il canto
del suo abbandono

L’ho accompagnato
insieme alla padrona dell’albergo
dove abitavamo
a Parigi
dal numero 5 della rue des Carmes
appassito vicolo in discesa.

Riposa
nel camposanto d’Ivry
sobborgo che pare
sempre
in una giornata
di una
decomposta fiera

E forse io solo
so ancora
che visse

Giuseppe Ungaretti – Vaidade

De repente
se eleva
sobre os escombros
a límpida
maravilha
da imensidão.

E o homem
curvado
sobre a água
surpreendida
pelo sol
se descobre
uma sombra

Embalada
pouco a pouco
desfeita

Trad : Geraldo Holanda Cavalcanti

Vanità

D’improvviso
è alto
sulle macerie
il limpido
stupore
dell’immensità

E l’uomo
curvato
sull’acqua
sorpresa
dal sole
si rinviene
un’ombra

Cullata e
piano
franta