William Butler Yeats – A Segunda Vinda

Girando em círculos sempre maiores
Já não ouve o falcão ao falcoeiro;
Tudo desaba; o próprio centro hesita;
Livre, a anarquia reina sobre o mundo,
Livre a maré sanguinolenta: em tudo
Se afogam os rituais da inocência;
Os melhores vacilam e os piores
À intensidade passional se entregam.

Na certa algo de novo se anuncia,
Eis que a Segunda Vinda se anuncia,
A Segunda Vinda! E eu nem bem falara
E enorme imagem do Spiritus Mundi
Perturbou-me a vista: em algum deserto
Uma forma entre homem e leão,
De olhar vazio e cruel como o sol
Move as coxas lentas, enquanto em torno
Vacilam as sombras de irados pássaros.
Retorna a escuridão; mas eu já sei
Que vinte séculos de sono pétreo
Ao pesadelo os embala este berço;
E que bicho rude, chegada a hora,
Rasteja até Belém para nascer?

Trad.: Jorge Wanderley

REPUBLICAÇÃO. Poema publicado originalmente no blog em 26/03/2016.

The second coming

Turning and turning in the widening gyre   
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere   
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst   
Are full of passionate intensity.

Surely some revelation is at hand;
Surely the Second Coming is at hand.   
The Second Coming! Hardly are those words out   
When a vast image out of Spiritus Mundi
Troubles my sight: somewhere in sands of the desert   
A shape with lion body and the head of a man,   
A gaze blank and pitiless as the sun,   
Is moving its slow thighs, while all about it   
Reel shadows of the indignant desert birds.   
The darkness drops again; but now I know   
That twenty centuries of stony sleep
Were vexed to nightmare by a rocking cradle,   
And what rough beast, its hour come round at last,   
Slouches towards Bethlehem to be born?

William Butler Yeats – “When you are old” em 4 traduções

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono – Trad.: José Agostinho Baptista

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

Quando fores velha e triste e cansada – Trad.: Adriano Nunes

Quando fores velha e triste e cansada,
E em ordem co’ o fogo, pega este livro
E lê lentamente, e lembra o olhar vivo
Que tinhas, e da sombra aprofundada.

Amaram-te dias de graça grácil,
E teu fulgor co’ amor falso ou sincero,
Mas amou-te um ser n’alma o destempero,
E as mágoas da tua face volátil.

E curvando-te à grade incandescente,
Murmura, amarga, como o amor fugiu
E seguiu monte acima, a subir sempre
E a face em grupos d’astros encobriu.

Quando velha e grisalha e exausta – Trad.: Paulo Vizioli

Quando velha e grisalha e exausta, ao fim do dia,
tu cabeceares junto ao fogo, vem folhear
lentamente este livro, e lembra o doce olhar
e as sombras densas que nos olhos teus havia.

Quantos, com falsidade ou devoção sincera,
amaram-te a beleza e graça de menina!
Um só, porém, amou tua alma peregrina,
e amou as dores desse rosto que se altera.

E junto às brasas, inclinando-se sobre elas,
murmura, um pouco triste, como o amor distante
passou por cima das montanhas adiante,
e escondeu sua face entre um milhão de estrelas.

Quando estiveres grisalha e com sono – Trad.: Jorge Wanderley

Quando estiveres grisalha e com sono,
Dormitando ante o fogo, lê meu livro
Bem lentamente e lembra o sensitivo
Olhar que tinhas de suave abandono.

Muitos amaram tuas alegrias,
Tua beleza; mas só num culmina
O amor por tua alma peregrina
E a mágoa que teu rosto pressentia.

Reclina-te ante as chamas; e ao vê-las
Lamentes, triste Amor – que te deixou
Pelos montes mais altos que encontrou
E o rosto disfarçou entre as estrelas.

When you are old

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

Wilfred Owen – Futilidade

Coloquem-no à luz do sol… Em casa
Seu toque gentil o acordava com a lembrança
De campos ainda por plantar…
O sol o acordou sempre, até na França,
Até chegarem a manhã de hoje e a neve que aí está.
Se alguma coisa pode acorda-lo agora,
Só o velho sol saberá.

Lembrem que também acorda sementes…
E que há muito acordou a argila de uma estrela fria…
Então os braços perfeitos e seu corpo
Tão rico em nervos (e ainda quente) rijos demais?
É este o fim que a argila em si encerra?
– Ah, por que, raio de sol insensato, você
Se esmerou tanto para um dia acordar a terra?

Trad.: Jorge Wanderley

Wilfred Owen – Futility

Move him into the sun—
Gently its touch awoke him once,
At home, whispering of fields half-sown.
Always it woke him, even in France,
Until this morning and this snow.
If anything might rouse him now
The kind old sun will know.

Think how it wakes the seeds—
Woke once the clays of a cold star.
Are limbs, so dear-achieved, are sides
Full-nerved, still warm, too hard to stir?
Was it for this the clay grew tall?
—O what made fatuous sunbeams toil
To break earth’s sleep at all?

Walter de la Mare – Os que ouviam

“Está aí alguém?”, disse o Viajante
  Batendo à porta de luar;
A relva, chão de fetos da floresta,
  Pôs-se o cavalo a devorar.
Sobre a cabeça do Viajante, um pássaro
  Voou da torre para além.
E ele feriu a porta uma outra vez,
  Dizendo: “Está aí alguém?”
Do peitoril da janela, ninguém
  Desceu até o Viajante;
Ninguém lhe fitou os olhos cinzentos:
  E ele imóvel, em seu espanto.
Mas uma hoste de ouvintes fantasmas
  Que a casa deserta habitava,
Deixou-se ouvindo, à calma do luar,
  O que a voz, humana bradava;
Deixou-se conjugando o luar na escada
  Que dá ao vestíbulo vazio;
À escuta, num ar trêmulo e agitado
  Pelo chamado que se ouviu.
No coração ele sentiu que estranha
  Era a calma que respondia;
Enquanto o cavalo ceifava a relva
  E o céu de estrela e folha se incendia.
E então bateu mais uma vez à porta
  E ergueu muito alta a cabeça:
“Digam que vim e não me responderam;
  E que eu cumpri minha promessa.”
Os que escutavam nada se moveram
  Embora as palavras por certo
Na casa caíssem, reverberassem,
  A partir do homem desperto.
O pé no estribo, o ferro contra a pedra,
  Ah, que bem estavam ouvindo!
E ao silêncio nascendo para trás e o
  Chapinhar dos cascos partindo.

Trad.: Jorge Wanderley

PS.: confira também a tradução que fiz do mesmo poema:

https://nsantand.wordpress.com/2017/02/02/walter-de-la-mare-os-que-ouviam/

Walter de la Mare – The Listeners

‘Is there anybody there?’ said the Traveller,
  Knocking on the moonlit door;
And his horse in the silence champed the grasses
  Of the forest’s ferny floor:
And a bird flew up out of the turret,
  Above the Traveller’s head:
And he smote upon the door again a second time;
  ‘Is there anybody there?’ he said.
But no one descended to the Traveller;
  No head from the leaf-fringed sill
Leaned over and looked into his grey eyes,
  Where he stood perplexed and still.
But only a host of phantom listeners
  That dwelt in the lone house then
Stood listening in the quiet of the moonlight
  To that voice from the world of men:
Stood thronging the faint moonbeams on the dark stair,
  That goes down to the empty hall,
Hearkening in an air stirred and shaken
  By the lonely Traveller’s call.
And he felt in his heart their strangeness,
  Their stillness answering his cry,
While his horse moved, cropping the dark turf,
  ’Neath the starred and leafy sky;
For he suddenly smote on the door, even
  Louder, and lifted his head:—
‘Tell them I came, and no one answered,
  That I kept my word,’ he said.
Never the least stir made the listeners,
  Though every word he spake
Fell echoing through the shadowiness of the still house
  From the one man left awake:
Ay, they heard his foot upon the stirrup,
  And the sound of iron on stone,
And how the silence surged softly backward,
  When the plunging hoofs were gone.

Charles Bukowski – Um poema de amor

todas as mulheres
todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem.
suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.
principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.
há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.
sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.
mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só um
aprendiz.
sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.
algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.
todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.
essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.

Trad.: Jorge Wanderley

A Love Poem

all the women
all their kisses the
different ways they love and
talk and need.
they ears, they all have
ears and
throats and dresses
and shoes and
automobiles and ex
husbands.
mostly
the women are very
warm they remind me of
buttered toast with the butter
melted
in.
there is a look in the
eye: they have been
taken they have been
fooled. I don’t quite know what to
do for
them.
I am
a fair cook a good
listener
but I never learned to
dance – I was busy
then with larger things.
but I’ve enjoyed their different
beds
smoking cigarettes
staring at the
ceilings. I was neither vicious nor
unfair. only
a student.
I know they all have these
feet and barefoot they go across the floor as
I watch their bashful buttocks in the
dark. I know that they like me, some even
love me
but I love very
few.
some give orange and vitamin pils;
others talk very quietly of
childhood and fathers and
landscapes; some are almost
crazy but none of them are without
meaning; some love
well, others not
so; the best at sex are not always the
best in order
ways; each has limits as I have
limits and we learn
each other quickly.
all the women all the
women all the
bedrooms
the rugs the
photos the
curtains, it’s
something like a church only
at times there’s
laughter.
those ears those
arms those
elbows those eyes
looking, the fondness and
the wanting I have been
held have been
held.

Charles Bukowski – Poema nos meus 43 anos

terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida —
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.

Trad.: Jorge Wanderley

Jorge Wanderley – Acerto de Contas

quando a geração de meu pai
batia na minha
a minha achava que era normal
que a geração de cima
só podia educar a de baixo
batendo 

quando a minha geração batia na de vocês
ainda não sabia que estava errado
mas a geração de vocês já sabia
e cresceu odiando a geração de cima 

aí chegou esta hora
em que todas as gerações já sabem de tudo
e é péssimo
ter pertencido à geração do meio 

tendo errado quando apanhou da de cima
e errado quando bateu na de baixo 

e sabendo que apesar de amaldiçoados
éramos todos inocentes.

Algernon Charles Swinburne – Uma Despedida

Vamos, canções, ela não ouviria
Sigamos sem temor por nossa via.
Silêncio, o tempo de cantar passou,
Passou já tudo o que se quis um dia.
Ela não quer o amor que nos marcou.
Fôssemos a voz de um anjo em melodia
E ela não ouviria.
Vamos partir. Ela não saberia.
Vamos ao mar, como é da ventania,
Soprando areia, espuma, que fazer?
Nada a fazer, que a vida é mesmo fria,
E o mundo é lágrimas e é padecer.
Mostrássemos a dor que em nós havia
E ela não saberia.
Para casa! Ela não sofreria.
Demos de amor, sonhos demais, e dias
E flores mortas, frutos condenados,
Dizendo:”Ceifa, como `a fantasia”
E nada resta: foi tudo ceifado.
Visse em nós, que plantamos, a agonia,
E ela não sofreria.
Ao descanso! Ela não nos amaria
Nem vai ouvir a nossa litania
Nem ver que amar caminha em dor, no mundo.
Vamos daqui, cessemos a porfia.
O amor é mar amargo, hostil, profundo;
Pudesse o céu dar flores- sim, daria,
E ela não amaria.
Desistamos! Ela nem cuidaria.
Dourasse a estrela os mares que alumia,
Dourasse o mar a vaga que estremece
E a flor da lua a flor da espuma espia,
E as ondas todas sobre nós trouxesse,
Lábios cerrasse, a mão deixasse fria,
E ela nem cuidaria
Vamos canções, ela não nos veria.
Uma vez mais, cantemos, todavia.
Talvez ela relembre o que dissemos
E queira ainda ouvir nossa elegia,
Mas nós, nós já partimos. Nem viemos!
Quem vê sabe da dor que me agonia,
Mas ela não veria.
         Trad.: Jorge Wanderley

William Butler Yeats – Quando Estiveres Grisalha e com Sono…

Quando estiveres grisalha e com sono,
Dormitando ante o fogo, lê meu livro
Bem lentamente e lembra o sensitivo
Olhar que tinhas de suave abandono.

Muitos amaram tuas alegrias,
Tua beleza; mas só num culmina
O amor por tua alma peregrina
E a mágoa que teu rosto pressentia.

Reclina-te ante as chamas; e ao vê-las
Lamentes, triste Amor – que te deixou
Pelos montes mais altos que encontrou
E o rosto disfarçou entre as estrelas.

Trad. Jorge Wanderley

William Butler Yeats – A Segunda Vinda

Girando em círculos sempre maiores
Já não ouve o falcão ao falcoeiro;
Tudo desaba; o próprio centro hesita;
Livre, a anarquia reina sobre o mundo,
Livre a maré sanguinolenta: em tudo
Se afogam os rituais da inocência;
Os melhores vacilam e os piores
À intensidade passional se entregam.

Na certa algo de novo se anuncia,
Eis que a Segunda Vinda se anuncia,
A Segunda Vinda! E eu nem bem falara
E enorme imagem do Spiritus Mundi
Perturbou-me a vista: em algum deserto
Uma forma entre homem e leão,
De olhar vazio e cruel como o sol
Move as coxas lentas, enquanto em torno
Vacilam as sombras de irados pássaros.
Retorna a escuridão; mas eu já sei
Que vinte séculos de sono pétreo
Ao pesadelo os embala este berço;
E que bicho rude, chegada a hora,
Rasteja até Belém para nascer?

Trad.: Jorge Wanderley