Jaime Gil de Biedma – Não Voltarei a ser Jovem

Que é certo a vida passa
só se começa a compreender mais tarde
— como todos os jovens, decidi
levar a minha vida por diante.

Deixar marca eu queria
e partir entre aplausos
— envelhecer, morrer, eram somente
as dimensões do teatro.

Porém, passou o tempo
e a verdade mais amarga assoma:
envelhecer, morrer,
é o argumento único da obra.

Trad.: José Bento

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 13/07/2016

No volveré a ser joven

Que la vida iba en serio
uno lo empieza a comprender más tarde
— como todos los jóvenes, yo vine
a llevarme la vida por delante.

Dejar huella quería
y marcharme entre aplausos
envejecer, morir, eran tan sólo
las dimensiones del teatro.

Pero ha pasado el tiempo
y la verdad desagradable asoma:
envejecer, morir,
es el único argumento de la obra.

Francisco Brines – A Piedade do Tempo

Em que escuro recanto do tempo que morreu
vivem ainda,
a arder, aqueles coxas?

Dão luz ainda
a estes olhos tão velhos e enganados,
que voltam agora a ser o milagre que foram:
desejo de uma carne, e a alegria
do que não se nega.

A vida é o naufrágio de uma obstinada imagem
que já nunca saberemos se existiu,
pois só pertence a um lugar extinto.

Trad.: José Bento

Francisco Brines – La piedad del tiempo

¿En qué oscuro rincón del tiempo que ya ha muerto
viven aún,
ardiendo, aquellos muslos?

Le dan luz todavía
a estos ojos tan viejos y engañados,
que ahora vuelven a ser el milagro que fueron:
deseo de una carne, y la alegría
de lo que no se niega.

La vida es el naufragio de una obstinada imagen
Que ya nunca sabremos si existió,
Pues sólo pertenece a un lugar extinguido.

Francisco Brines – Os Prazeres Inferiores

Não desdenhes as paixões vulgares
Tens os anos necessários para saber
que elas se correspondem exatamente com a vida.
Não reduzas sua ação,
pois se do breve tempo em que consistes
as retiras,
é ainda o existir mais imperfeito.
Descobre sua verdade por trás da aparência,
e assim não haverá falsidade,
não poderás fingir que foi razão de vida o que foi só passagem.
Mas elas evitaram-te o fiel tédio das horas.

Exigem lucidez, não em sua experiência,
mas em seu escasso ser;
dá-lhes seu exato valor,
para o que tens de saber o que a vida vale
e essa sabedoria há muito que é tua.
Se cometes um erro quando as medes,
hás-de fazê-lo atendendo à degradação.
Nunca melhores o que vale pouco.
E que não tenham nome, nem tempo demorado,
e fiquem confundidas em sua promiscuidade.
Sabes que tua memória é débil e te ajuda.
São todas uma só,
como é única a vida.
E as outras paixões que merecem um nome
e o abrigo de um tempo,
salva-as longe delas,
e sempre te recordem o que a vida não é.
E agradece tais erros à vida.

Trad.: José Bento

Los Placeres Inferiores

No desdeñes las pasiones vulgares.
Tienes los años necesarios para saber
que ellas se corresponden exactamente con la vida.
No reduzcas su acción,
pues si del breve tiempo en que consistes
las sustraes,
es todavía el existir más deficiente.
Descubre su verdad tras la apariencia,
y así no habrá falsía,
y no podrás mentir que fue razón de vida lo que sólo fue tránsito.
Mas ellas te evitaron el fiel aburrimiento de las horas.
Exigen lucidez, no en su experiencia,
sino en su escaso ser;
valóralas exactas,
para lo cual has de saber lo que la vida vale,
y esa sabiduría hace tiempo que es tuya.
Si cometes error cuando las midas,
hazlo siempre en tendencia de la degradación.
Nunca mejores lo que vale poco.
Y que no tengan nombre, ni tiempo detenido,
y queden confundidas en su promiscuidad.
Sabes que tu memoria es débil, y te ayuda.
Todas son una sola,
como es una la vida.
Y las otras pasiones, que merecen un nombre
y el cobijo de un tiempo,
sálvalas lejos de ellas,
y siempre te recuerden lo que la vida no es.
Y agradece a la vida esos errores.

Ángel González – Todos vocês parecem felizes…

… e sorriem, às vezes, quando falam.
E até dizem uns aos outros
palavras de amor. Mas
amam-se
de dois em dois
para
odiar de mil
em mil. E guardam
toneladas de asco
por cada
milímetro de felicidade.
E parecem – nada
mais que parecem – felizes,
e falam
com o fim de ocultar essa amargura
inevitável, e quantas
vezes não o conseguem, como
não posso ocultá-la
por mais tempo: esta
desesperante, estéril, longa,
cega desolação por qualquer coisa
que – não sei para onde – lentamente, me arrasta.

Trad.: José Bento

Jaime Gil de Biedma – Recorda

Formosa vida que passou e parece
não passar mais…
Desde agora, aprofundo
sonhos na memória: e estremece
a eternidade do tempo lá no fundo.
E de repente um remoinho cresce:
sorve-me, arrasta-me, até que me afundo
numa gruta aonde vai, precipitado,
para sempre, sumindo-se, o passado.

Trad.: José Bento