Ted Kooser – Fazenda Abandonada

Ele era um homem grande, diz o tamanho
dos seus sapatos sobre uma pilha de pratos quebrados junto à casa;
um homem alto também, diz o comprimento da cama
no quarto do andar de cima; e um homem bom e temente a Deus,
diz a Bíblia com a contracapa arruinada
no chão abaixo da janela, empoeirada de sol;
mas não um fazendeiro, dizem os campos
cobertos por pedregulhos e o celeiro com goteiras.

Uma mulher vivia com ele, dizem as paredes do quarto
forradas com lilases e as prateleiras da cozinha
cobertas com oleado, e eles tinham uma criança,
diz a caixa de areia feita de pneu de trator.
O dinheiro era escasso, dizem os frascos de geleia de ameixa
e de tomates em conserva lacrados no buraco do porão.
E os invernos, gelados, dizem os trapos nos caixilhos das janelas.
Era solitário aqui, diz a estreita estrada rural.

Algo deu errado, diz a casa desabitada
no quintal sufocado por ervas daninhas. Pedras nos campos
dizem que ele não era um fazendeiro; os frascos ainda fechados
no porão dizem que ela partiu precipitadamente.
E a criança? Os brinquedos dela estão espalhados pelo quintal
como ramos depois de uma tempestade — uma vaca de borracha,
um trator enferrujado com um arado quebrado,
um boneco de macacão. Algo deu errado, eles dizem.

Trad.: Nelson Santander

Abandoned Farmhouse

He was a big man, says the size of his shoes
on a pile of broken dishes by the house;
a tall man too, says the length of the bed
in an upstairs room; and a good, God-fearing man,
says the Bible with a broken back
on the floor below the window, dusty with sun;
but not a man for farming, say the fields
cluttered with boulders and the leaky barn.

A woman lived with him, says the bedroom wall
papered with lilacs and the kitchen shelves
covered with oilcloth, and they had a child,
says the sandbox made from a tractor tire.
Money was scarce, say the jars of plum preserves
and canned tomatoes sealed in the cellar hole.
And the winters cold, say the rags in the window frames.
It was lonely here, says the narrow country road.

Something went wrong, says the empty house
in the weed-choked yard. Stones in the fields
say he was not a farmer; the still-sealed jars
in the cellar say she left in a nervous haste.
And the child? Its toys are strewn in the yard
like branches after a storm—a rubber cow,
a rusty tractor with a broken plow,
a doll in overalls. Something went wrong, they say.

Ted Kooser – Luz das estrelas

A noite toda, essa chuva suave do passado distante.
Não admira que às vezes eu desperte como uma criança.

Trad.: Nelson Santander

Starlight

All night, this soft rain from the distant past.
No wonder I sometimes waken as a child.

Ted Kooser – Voo noturno

Sobre nós, estrelas. Sob nós, constelações.
A cinco bilhões de milhas de distância, uma galáxia morre
como um floco de neve desfazendo-se na água. Abaixo de nós,
algum fazendeiro, sentindo o calafrio dessa morte distante,
acende suas luzes de quintal, deslocando seu celeiro e galpão
de volta para o pequeno sistema sob seus cuidados.
Por toda a noite, as cidades, como novas cintilantes,
atraem com ruas luminosas luzes isoladas como as dele.

Trad.: Nelson Santander

Flying at Night

Above us, stars. Beneath us, constellations.
Five billion miles away, a galaxy dies
like a snowflake falling on water. Below us,
some farmer, feeling the chill of that distant death,
snaps on his yard light, drawing his sheds and barn
back into the little system of his care.
All night, the cities, like shimmering novas,
tug with bright streets at lonely lights like his.

Ted Kooser – Sobrevivente

Há dias em que o medo da morte
é tão onipresente quanto a luz. Ilumina
tudo. Sem ele, eu talvez não
tivesse notado esta pequena joaninha,
cintilante como uma gota de sangue
no peitoril branco da janela.
Sua cabeça não é maior do que um ponto,
seus olhos são como cabeças de alfinetes;
ela fez uma pausa para descansar,
joelhos travados, as carapaças ocultando
a delicada trama de suas asas.
À medida que dela se aproxima o medo da morte,
tão atenta a tudo o que vive,
as pequenas antenas param de se mover.

Trad.: Nelson Santander

Surviving

There are days when the fear of death
is as ubiquitous as light. It illuminates
everything. Without it, I might not
have noticed this ladybird beetle,
bright as a drop of blood
on the window’s white sill.
Her head no bigger than a period,
her eyes like needle points,
she has stopped for a moment to rest,
knees locked, wing covers hiding
the delicate lace of her wings.
As the fear of death, so attentive
to everything living, comes near her,
the tiny antennae stop moving.

Ted Kooser – Depois de anos

Hoje, de longe, eu a vi
se afastando, e, sem nenhum som,
a fronte brilhante de um glaciar
deslizou para o mar. Um antigo carvalho
tombou na Cumberlands, mantendo apenas
um punhado de folhas, e uma idosa
espalhando milho para suas galinhas olhou para cima
por um instante. No outro lado
da galáxia, uma estrela trinta e cinco vezes
maior do que o nosso próprio sol explodiu
e desapareceu, deixando um pequeno ponto verde
na retina do astrônomo
que estava na grande abóboda aberta
do meu coração sem ninguém a quem contar.

Trad.: Nelson Santander

After Years

Today, from a distance, I saw you
walking away, and without a sound
the glittering face of a glacier
slid into the sea. An ancient oak
fell in the Cumberlands, holding only
a handful of leaves, and an old woman
scattering corn to her chickens looked up
for an instant. At the other side
of the galaxy, a star thirty-five times
the size of our own sun exploded
and vanished, leaving a small green spot
on the astronomer’s retina
as he stood on the great open dome
of my heart with no one to tell.