Dorianne Laux – Os amantes

Ela está quase lá. Desta vez, eles
estão sentados, unidos abaixo dos ventres,
os pés em concha como macias mãos orando
na base da coluna vertebral um do outro.
E quando algo se eleva dentro dela
em direção a uma luz, ela está certa, uma vez mais,
de que não pode suportar, ela abre os olhos
e vê o rosto dele voltado para o lado,
um braço para trás, as mãos espalmadas
sobre o colchão, de modo a se segurar
para poder alavancar seus quadris, tocar
com a ponta brilhante o ponto mais profundo.
E ela descobre que não pode suportar —
não seu belo pescoço, esticado e enfeitado,
nem seus cabelos caídos de um lado como relva de praia,
ou a asa curva de sua orelha, levemente lavada
pela luz do dia, rosa profundo do corpo interno —
o que ela não suporta é não poder ver sua face,
não que ela pense precisamente isso — ela está se movendo
e ofegando — é mais o pensamento sobre o corpo dela,
abrindo-se, como está, em sua própria pura verdade.
Então, quando sua mão se ergue de sua própria violação
e o esbofeteia, duas vezes no peito,
naquela almofada de carne musculosa logo acima do mamilo,
duas vezes, rápido, como um lactente
tentando chamar a atenção da mãe,
ela se assusta com o som,
contudo, quando ele vira o rosto em direção ao dela —
que é o que o seu corpo quer, seus olhos
se abrem, como se ela tivesse mordido —
ela o alcança e o morde, no ombro,
não com força, mas com o poder que têm as crianças
sobre aqueles que os sustentam, ligados como são
ao corpo, e portanto, presos ao prazer,
à requintada dor deste mundo.
E quando ela levanta o rosto, ele vê
para onde ela foi e que não consegue falar,
está viajando em direção a algo essencial,
ao cerne de suas necessidades, então ele simplesmente
observa, detidamente, com uma calma animal
enquanto ela arqueia e grita, observa o rosto que,
se ela pudesse ver, jamais deixaria que ele o visse.

Trad.: Nelson Santander

The Lovers

She is about to come. This time,
they are sitting up, joined below the belly,
feet cupped like sleek hands praying
at the base of each other’s spines.
And when something lifts within her
toward a light she’s sure, once again,
she can’t bear, she opens her eyes
and sees his face is turned away,
one arm behind him, hands splayed
palm down on the mattress, to brace himself
so he can lever his hips, touch
with the bright tip the innermost spot.
And she finds she can’t bear it—
not his beautiful neck, stretched and corded,
not his hair fallen to one side like beach grass,
not the curved wing of his ear, washed thin
with daylight, deep pink of the inner body—
what she can’t bear is that she can’t see his face,
not that she thinks this exactly—she is rocking
and breathing—it’s more her body’s though,
opening, as it is, into its own sheer truth.
So that when her hand lifts of its own violation
and slaps him, twice on the chest,
on that pad of muscled flesh just above the nipple,
slaps him twice, fast, like a nursing child
trying to get a mother’s attention,
she’s startled by the sound,
though when he turns his face to hers—
which is what her body wants, his eyes
pulled open, as if she had bitten—
she does reach out and bite him, on the shoulder,
not hard, but with the power infants have
over those who have borne them, tied as they are
to the body, and so, tied to the pleasure,
the exquisite pain of this world.
And when she lifts her face he sees
where she’s gone, knows she can’t speak,
is traveling toward something essential,
toward the core of her need, so he simply
watches, steadily, with an animal calm
as she arches and screams, watches the face that,
if she could see it, she would never let him see.

Anne Sexton – Frágil Fio

Minha fé
é um grande peso
suspenso por um frágil fio,
como a aranha
suspende seu bebê em uma fina teia,
como a videira,
galhos finos e madeira,
sustenta as uvas
como globos oculares,
como muitos anjos
dançam na cabeça de um alfinete.

Deus não precisa
de muito fio para manter-Se lá,
apenas uma veia fina,
com o sangue pulsando,
e um pouco de amor.
Como já se disse:
O amor e a tosse
não podem ser disfarçados.
Nem mesmo uma pequena tosse.
Nem mesmo um pequeno amor.
Então, se você tiver apenas um fino fio,
Deus não se importa.
Ele entrará em suas mãos
tão facilmente quanto dez centavos costumavam
pagar uma Coca.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 25/12/2017

Anne Sexton – Small Wire

My faith
is a great weight
hung on a small wire,
as doth the spider
hang her baby on a thin web,
as doth the vine,
twiggy and wooden,
hold up grapes
like eyeballs,
as many angels
dance on the head of a pin.

God does not need
too much wire to keep Him there,
just a thin vein,
with blood pushing back and forth in it,
and some love.
As it has been said:
Love and a cough
cannot be concealed.
Even a small cough.
Even a small love.
So if you have only a thin wire,
God does not mind.
He will enter your hands
as easily as ten cents used to
bring forth a Coke.

Philip Larkin – A casa está tão triste

A casa está tão triste. Ficou como foi deixada,
Moldada para o conforto dos últimos saintes
Querendo reconquista-los. Ao invés, despojada
De alguém para agradar, ela definha assim, carente
De um coração para esquecer que foi roubada

E voltar novamente às origens – um retrato
Alegre de como as coisas deveriam ser –
Há muito perdidas. Veja como era de fato:
Observe as fotografias e o talher.
A partitura no assento do piano. Esse prato.

Trad.: Nelson Santander

Home is so Sad

Home is so sad. It stays as it was left,
Shaped to the comfort of the last to go
As if to win them back. Instead, bereft
Of anyone to please, it withers so,
Having no heart to put aside the theft

And turn again to what it started as,
A joyous shot at how things ought to be,
Long fallen wide. You can see how it was:
Look at the pictures and the cutlery.
The music in the piano stool. That vase.

José Saramago – É tão fundo o silêncio…

É tão fundo o silêncio entre as estrelas.
Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.
Mas lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 15/12/2017

Jennifer Chang – O mito de ontem

Quando Ícaro caiu do céu,

eu levava meus filhos para o rio.
Mamãe, o que é aquilo?
                                       Um pássaro, eu disse,

porque não podia dizer tragédia.
Jovens demais para entender
o terror

de confiar nos pais,
meus filhos notaram asas
como pés chutando o solo
das nuvens.
                          Isso foi ontem. Aproximávamos-nos

do Anacostia, correndo por
um filete de estrada —
                          criatura,
                          filho caído, a engenhosidade
é o erro
ou você é?

                    Penso no meu pai
e no experimento que foi
sua vida. Ele tinha fé na fortuna
que florescia com a idade,
seu divino desatino, e cantava

o incessante brilho do sol. Mesmo hoje
estou cheia de amor por ele,
e com uma terrível vergonha.
                                                   É muito fácil

não ver Ícaro atingir a água,
mergulhar fundo, abatido pelo
ritmo implacável do rio, morto,
na melhor das hipóteses,
                     enquanto todo pai

de alguma forma continua voando,
mesmo o meu. É muito fácil
esconder-me na elegia, fingindo que sei

o que lamentar, como se a arte não fosse
um acidente, como se meus filhos
não estivessem berrando
por sanduíches no banco de trás,

cada qual um raio de caos
que o amor renomeia como intenso
e natural. O pássaro
                               esquecido; o pai

e seu relutante acólito,
ambos desgastados pela glória,
estão de uma vez por todas separados —
                                                             a quem estou protegendo?

Quando eu caí do céu,
finalmente estava livre.

Trad.: Nelson Santander

Yesterday’s Myth.

When Icarus fell out of the sky,

I was driving my sons to the river.
Mama, what’s that?
                                Bird, I said,

because I couldn’t say tragedy.
Too young to understand
the terror

of trusting a parent,
my sons noted wings
like feet kicking at the earth
from the clouds.
                              This was yesterday. We were nearing

the Anacostia, racing along
a ribbon of highway—
                                 creature,
                                 falling child, is ingenuity
the mistake,
or are you?

                      I think of my father
and the experiment
of his life. He had a faith in fate
that bloomed with age,
his godlike folly, and sang

the ceaseless blaze of the sun. Even now
I swell with love for him,
and with terrible shame.
                                         It is too easy

to not see Icarus hit the water,
fathoms deep, culled into
the river’s unrelenting rhythms, dead
at best,
                      while every father

somehow keeps flying,
even mine. It is too easy
to hide in elegy, pretending I know

what to mourn, as if art were
no accident, as if my sons
weren’t screaming
for snacks in the backseat,

each a radius of chaos
that love renames exquisite
and nature. The bird
                                forgotten; the father

and his reluctant acolyte,
both worn out by glory,
are once and for all apart—
                                          who am I protecting?

When I fell from the sky,
I was finally free.

Carlos Drummond de Andrade – O Retrato Malsim

O inimigo maduro a cada manhã se vai formando
no espelho de onde deserta a mocidade.
Onde estava ele, talvez escondido em castelos escoceses,
em cacheados cabelos de primeira comunhão?
Onde, que lentamente grava sua presença
por cima de outra, hoje desintegrada?

Ah, sim: estava na rigidez das horas de tenência orgulhosa,
no morrer em pensamento quando a vida queria viver.
Estava primo do outro, dentro,
era o outro que não se sabia liquidado,
verdugo expectante, convidando a sofrer;
cruz de carvão, ainda sem braços.

Afinal irrompe dono completo.
Instalou-se, a mesa é sua,
cada vinco e reflexão madura ele é quem porta,
e esparrama na toalha sua matalotagem:
todas as flagelações, o riso mau,
o desejo de terra destinada
e o estar ausente em qualquer terra.
3 em 1, 1 em 3:
ironia, passionaridade morbidez.

No espelho ele se faz a barba amarga.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 04/12/2017

Eavan Boland – Atlântida – Um soneto perdido

Como diabos aconteceu, eu costumava me perguntar,
de uma cidade inteira – arcos, pilares, colunatas,
isso sem falar nos veículos e animais – ter-se,
um belo dia, afundado?

Ou melhor, eu disse a mim mesma, o mundo era pequeno então.
É sem dúvida que uma grande cidade possa ter-se perdido?
Sinto falta de nossa velha cidade –

pimenta branca, pudim branco, você e eu nos reunindo
sob os vitrais em arco e o céu baixo para voltar para casa. Talvez
o que realmente aconteceu foi

o seguinte: os velhos fabricantes de fábulas procuraram arduamente por uma palavra
que transmitisse que o que se foi se foi para sempre, e
nunca a encontraram. E assim, nas melhores tradições de

onde viemos, eles deram um nome à sua dor e a afogaram.

Atlantis – A Lost Sonnet

How on earth did it happen, I used to wonder
that a whole city – arches, pillars, colonnades,
not to mention vehicles and animals – had all
one fine day gone under?

I mean, I said to myself, the world was small then.
Surely a great city must have been missed?
I miss our old city –

white pepper, white pudding, you and I meeting
under fanlights and low skies to go home in it. Maybe
what really happened is

this: the old fable-makers searched hard for a word
to convey that what is gone is gone forever and
never found it. And so, in the best traditions of

where we come from, they gave their sorrow a name and drowned it.

Sophia de Mello Breyner Andresen – Fundo do Mar

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 02/12/2017

Czesław Miłosz – Encontro

Ao amanhecer, cruzávamos os campos congelados em uma carroça.
Uma asa vermelha se ergueu da escuridão.

E subitamente uma lebre atravessou a estrada.
Um de nós apontou para ela com a mão.

Isso foi há muito tempo. Hoje, nenhum deles vive,
Nem a lebre, nem o homem que fez o gesto.

Oh, meu amor, onde estão, para onde vão?
O clarão daquela mão, vestígio de movimento, rumorejar de cascalhos.
Pergunto não por tristeza, mas com admiração.

Wilno, 1936

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: poema originalmente escrito em polonês e traduzido para o inglês pelo próprio autor e Lillian Vallee.

Encounter

We were riding through frozen fields in a wagon at dawn.
A red wing rose in the darkness.

And suddenly a hare ran across the road.
One of us pointed to it with his hand.

That was long ago. Today neither of them is alive,
Not the hare, nor the man who made the gesture.

O my love, where are they, where are they going?
The flash of a hand, streak of movement, rustle of pebbles.
I ask not out of sorrow, but in wonder.

Wilno, 1936

José Paulo Paes – Epitáfio para um banqueiro

José Paulo Paes – Epitáfio para um baqueiro

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 01/12/2017