Louise Glück – Crepúsculo de Setembro

Eu os reuni,
eu posso dispensa-los —

Estou farto de vocês, do caos
do mundo dos vivos —
Eu só posso me estender
por tanto tempo a algo vivo.

Convoquei-os à existência
ao abrir minha boca, ao erguer
meu dedo mínimo,

cintilando azuis de
aster selvagem, flor
de lírio, imensa,
com veias douradas —

Vocês vêm e vão; eventualmente
esqueço seus nomes.
Vocês vêm e vão, cada um de vocês
imperfeito de alguma forma,
comprometido de alguma forma: vocês valem
uma vida, não mais do que isso.

Eu os reuni;
eu posso apaga-los
como se fossem um rascunho a ser descartado,
um pequeno exercício

porque eu os terminei, visão
do luto mais profundo.

Trad.: Nelson Santander

September twilight

I gathered you together,
I can dispense with you —

I’m tired of you, chaos
of the living world —
I can only extend myself
for so long to a living thing.

I summoned you into existence
by opening my mouth, by lifting
my little finger, shimmering

blues of the wild
aster, blossom
of the lily, immense,
gold-veined —

you come and go; eventually
I forget your names.
You come and go, every one of you
flawed in some way,
in some way compromised: you are worth
one life, no more than that.

I gathered you together;
I can erase you
as though you were a draft to be thrown away,
an exercise

because I’ve finished you, vision
of deepest mourning.

Louise Glück – O lírio prateado

As noites esfriaram novamente, como as noites
do início da primavera, e estão silenciosas outra vez. Incomoda-o
conversarmos? Estamos
sozinhos agora; não há razão para o silêncio.

Você pode ver, sobre o jardim — a lua cheia nasce.
Eu não verei a próxima lua cheia.

Na primavera, quando a lua surgia, significava
que o tempo era infindo. Campainhas-brancas
abriam e fechavam, as sementes
de bordos agrupadas caíam em pálidas torrentes.
Branco sobre branco, a lua emergia sobre a bétula.
E na curva, onde a árvore se divide,
as folhas dos primeiros narcisos, à luz da lua,
em um suave verde-prateado.

Chegamos longe demais juntos, perto do fim agora,
para temer o fim. Nestas noites, eu nem mesmo tenho certeza
do que o fim significa. E você, que já esteve com um homem –

após os primeiros gritos,
a alegria, assim como o medo, não faz nenhum som?

Trad.: Nelson Santander

The silver lily

The nights have grown cool again, like the nights
of early spring, and quiet again. Will
speech disturb you? We’re
alone now; we have no reason for silence.

Can you see, over the garden — the full moon rises.
I won’t see the next full moon.

In spring, when the moon rose, it meant
time was endless. Snowdrops
opened and closed, the clustered
seeds of the maples fell in pale drifts.
White over white, the moon rose over the birch tree.
And in the crook, where the tree divides,
leaves of the first daffodils, in moonlight
soft greenish-silver.

We have come too far together toward the end now
to fear the end. These nights, I am no longer even certain
I know what the end means. And you, who’ve been with a man —

after the first cries,
doesn’t joy, like fear, make no sound?

Louise Glück – Acalanto

Hora de descansar agora; você
já teve emoção suficiente por ora.

Crepúsculo, depois início da noite. Vaga-lumes
no quarto, cintilando aqui e ali, aqui e ali,
e a profunda doçura do verão inundando através da janela aberta.

Não pense mais nessas coisas.
Escute minha respiração, sua própria respiração
como os vaga-lumes, cada pequena respiração
uma centelha na qual o mundo se revela.

Já cantei para você por tempo suficiente na noite de verão.
Vou conquista-lo no final; o mundo não pode lhe proporcionar
essa contínua visão.

Você precisa ser ensinado a me amar. Os seres humanos devem ser ensinados a amar
o silêncio e a escuridão.

Trad.: Nelson Santander

Lullaby

Time to rest now; you have had
enough excitement for the time being.

Twilight, then early evening. Fireflies
in the room, flickering here and there, here and there,
and summer’s deep sweetness filling the open window.

Don’t think of these things anymore.
Listen to my breathing, your own breathing
like the fireflies, each small breath
a flare in which the world appears.

I’ve sung to you long enough in the summer night.
I’ll win you over in the end; the world can’t give you
this sustained vision.

You must be taught to love me. Human beings must be taught to love
silence and darkness.

Louise Glück – Ocaso

Minha maior alegria
é o som que sua voz produz
me chamando mesmo no desespero; meu desgosto
é não poder responder
em uma fala que você reconheça como minha.

Você não tem fé em sua própria linguagem.
Por isso investe
a reputação em sinais
que não consegue ler com precisão.

E ainda assim sua voz sempre me alcança.
E eu respondo incessantemente,
minha raiva se dissipando
como o inverno se esvai. Minha ternura
deveria ser evidente para você
na brisa das noites de verão
e nas palavras que se tornam
suas próprias respostas.

Trad.: Nelson Santander

Sunset

My great happiness
is the sound your voice makes
calling to me even in despair; my sorrow
that I cannot answer you
in speech you accept as mine.

You have no faith in your own language.
So you invest
authority in signs
you cannot read with any accuracy.

And yet your voice reaches me always.
And I answer constantly,
my anger passing
as winter passes. My tenderness
should be apparent to you
in the breeze of the summer evening
and in the words that become
your own response.

Louise Glück – Vésperas (10)

Fim de agosto. Calor
como em uma estufa sobre a
horta do John. E algumas coisas
têm a coragem de começar,
cachos de tomates, talhões
de lírios tardios – otimismo
das grandes hastes – ouro
e prata imperiais: mas por que
iniciar algo
tão perto do fim?
Tomates que nunca amadurecerão, lírios
que o inverno matará, que não
retornarão na primavera. Ou
você acha que
eu passo tempo demais
pensando no futuro, como
uma velha vestindo
suéteres no verão?
Você está dizendo que eu posso
florescer, sem nenhuma esperança
de perdurar? Esplendor de vermelhas faces, glória
de gargantas abertas, brancas,
manchadas de carmesim.

Trad.: Nelson Santander

Vespers (10)

End of August. Heat
like a tent over
John’s garden. And some things
have the nerve to be getting started,
clusters of tomatoes, stands
of late lilies — optimism
of the great stalks — imperial
gold and silver: but why
start anything
so close to the end?
Tomatoes that will never ripen, lilies
winter will kill, that won’t
come back in spring. Or
are you thinking
I spend too much time
looking ahead, like
an old woman wearing
sweaters in summer;
are you saying I can
flourish, having
no hope
of enduring? Blaze of the red cheek, glory
of the open throat, white,
spotted with crimson.

Rebecca Elson – Antídotos para o medo da morte

Às vezes, como um antídoto
Para o medo da morte,
Eu como as estrelas.

Nessas noites, deitada de costas,
Eu as sorvo da escuridão que se dissipa
Até que estejam todas, todas elas dentro de mim,
Fortes e picantes.

Às vezes, ao invés disso, eu me entrego
A um universo ainda jovem,
Ainda quente como o sangue:

Nenhum espaço sideral, apenas o espaço,
A luz de todas as estrelas ainda não
Flutuando como uma névoa brilhante,
E todos nós, e tudo
o que já existe,
Mas não limitado pela forma.

E às vezes é o suficiente apenas
Deitar aqui na terra
Junto de nossos longos ossos ancestrais:

Caminhar pelos campos pavimentados
Com nossos crânios descartados,
Cada um como um tesouro, como uma crisálida,
Pensando: o que quer que tenha deixado estas carcaças
Voou para longe em asas brilhantes.

Trad.: Nelson Santander

Antidotes to fear of death

Sometimes as an antidote
To fear of death,
I eat the stars.

Those nights, lying on my back,
I suck them from the quenching dark
Til they are all, all inside me,
Pepper hot and sharp.

Sometimes, instead, I stir myself
Into a universe still young,
Still warm as blood:

No outer space, just space,
The light of all the not yet stars
Drifting like a bright mist,
And all of us, and everything
Already there
But unconstrained by form.

And sometime it’s enough
To lie down here on earth
Beside our long ancestral bones:

To walk across the cobble fields
Of our discarded skulls,
Each like a treasure, like a chrysalis,
Thinking: whatever left these husks
Flew off on bright wings.

https://www.theguardian.com/books/booksblog/2020/mar/23/poem-of-the-week-antidotes-to-fear-of-death-by-rebecca-elson

Louise Glück – Vésperas (9)

Sua voz se foi agora; mal consigo ouvi-la.
Sua voz estrelada é apenas sombra agora
e a terra está escura novamente
com suas grandes transformações.

E de dia a grama fica parda em alguns pontos
sob as amplas sombras dos carvalhos.
Agora, por toda parte, sou assunto para o silêncio,

então está claro que não tenho acesso a você;
Não existo para você, você traçou
uma linha sobre meu nome.

Com que desprezo você nos detém,
para crer que apenas a perda pode imprimir
seu poder sobre nós,

as primeiras chuvas de outono agitando os lírios brancos –

Quando você parte, parte absolutamente,
subtraindo a vida visível de todas as coisas,

Mas não toda a vida,
para que não nos afastemos de você.

Trad.: Nelson Santander

Vespers

Your voice is gone now; I hardly hear you.
Your starry voice all shadow now
and the earth dark again
with your great changes of heart.

And by day the grass going brown in places
under the broad shadows of the maple trees.
Now, everywhere I am talked to by silence

so it is clear I have no access to you;
I do not exist for you, you have drawn
a line through my name.

In what contempt do you hold us
to believe only loss can impress
your power on us,

the first rain of autumn shaking the white lilies –

When you go, you go absolutely,
deducting visible life from all things

but not all life,
lest we turn from you.

Louise Glück – Vésperas: Parousia

Amor da minha vida, você
Está perdido e eu sou
Jovem novamente.

Alguns anos se passaram.
O ar se enche
Com música de meninas;
No jardim da frente
A macieira
Se cobre de flores.

Eu tento reconquista-lo.
É esse o propósito
Da escrita.
Mas você se foi para sempre.
Como nos romances russos, dizendo
Algumas palavras das quais não me lembro –

Quão exuberante é o mundo,
Quão cheio de coisas que não me pertencem –

Eu assisto as flores se despetalarem,
Já não são cor-de-rosa,
Mas velhas, velhas, de um branco amarelado –
As pétalas parecem
Flutuar na relva brilhante,
Tremulando ligeiramente.

Que nada você foi,
Para se transmudar tão rapidamente
Em uma imagem, um odor –
Você está em toda parte, fonte
De sabedoria e angústia.

Trad.: Nelson Santander

Vespers: Parousia

Love of my life, you
Are lost and I am
Young again.

A few years pass.
The air fills
With girlish music;
In the front yard
The apple tree is
Studded with blossoms.

I try to win you back,
That is the point
Of the writing.
But you are gone forever,
As in Russian novels, saying
A few words I don’t remember –

How lush the world is,
How full of things that don’t belong to me-

I watch the blossoms shatter,
No longer pink,
But old, old, a yellowish white-
The petals seem
To float on the bright grass,
Fluttering slightly.

What a nothing you were,
To be changed so quickly
Into an image, an odor-
You are everywhere, source
Of wisdom and anguish.