Manuel Vilas – O último Elvis

Respeita sempre a decadência das mulheres
e dos homens que amaram ou pelo menos tentaram amar
a vida e esta os chamuscou ou lhes quebrou os ossos da face,
as entranhas e as veias e o fígado e o nobre coração.
Respeita todos os sagrados e humildes naufrágios
dos seres humanos.

Respeita aqueles que se suicidaram.

Respeita aqueles que se lançaram aos oceanos.

Por favor, não fales mal deles, suplico-te de joelhos.

Ama toda essa gente, essa multidão, esse rio amarelo
da História de todos quantos foram derrotados tão injustamente,
ou tão justamente,
não importa.

Gente que acelerou em uma curva.

Gente que escondia garrafas pelos cantos de suas casas.

Gente que chorava nos parques dos subúrbios das cidades.

Gente que se envenenava com pílulas, com álcool,
com insônias aterrorizantes, com vinte horas de cama todos os
dias.

Eles tentaram, mas não conseguiram.

Gente a quem sobravam três quartos de suas pequenas
geladeiras.

Gente que não tinha com quem conversar por semanas.

Gente que não comia para não comer sozinha.

Eles são igualmente adoráveis, juro-te.

Um dia haverão de brilhar.

Nomeemos tudo o que
nos tornou seres humanos.

Para que não haja medo, nem inveja, nem maldade.

Amo, celebro e exalto todos os naufrágios
de todos os seres humanos que pisaram neste mundo.

Porque o fracasso jamais existiu,
porque o fracasso não é justo e ninguém merece fracassar,
absolutamente ninguém.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 10/02/2019

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El último Elvis

Respeta siempre la destrucción de las mujeres
y de los hombres que amaron o intentaron, al menos, amar
la vida y esta les quemó o les rompió los huesos de la cara,
las entrañas y las venas y el hígado y el buen corazón,
respeta todos los sagrados y los más humildes hundimientos
de los seres humanos.

Respeta a quienes se suicidaron.

Respeta a quienes se arrojaron a los océanos.

No hables mal de ellos, te lo ruego, te lo pido de rodillas.

Ama a toda esa gente, esa muchedumbre, ese río amarillo
de la Historia de todos cuantos perdieron tan injustamente,
o tan justamente,
da igual.

Gente que aceleró en una curva.

Gente que escondía botellas en los rincones de su casa.

Gente que lloraba en los parques de las afueras de las ciudades.

Gente que se envenenaba con pastillas, con alcohol,
con insomnios aterradores, con veinte horas de cama todos los días.

Lo intentaron, pero no lo consiguieron.

Gente a quien le sobraba tres cuartas partes de su pequeño frigorífico.

Gente que no tenía con quién hablar semanas enteras.

Gente que no comía por no comer sola.

Son hermosos igualmente, te lo juro.

Resplandecerán un día.

Nombremos todo aquello
que nos convirtió en seres humanos.

Para que no haya miedo, ni envidia, ni maldad.

Amo, celebro, y exalto todos los hundimientos
de todos los seres humanos que pisaron este mundo.

Porque el fracaso no existió jamás,
porque no es justo el fracaso y nadie merece fracasar,
absolutamente nadie.

José María Cumbreño – Identidade

Durante anos, a roupa que usei foi herdada de meu irmão mais velho.
Meu nome me foi dado em homenagem ao meu avô.
O primeiro carro que conduzi era de segunda mão.
A primeira mulher que me beijou já havia beijado outros.
A casa em que habito é alugada.
Tudo o que escrevo já foi escrito por alguém há muito tempo, e muito melhor.
O irmão de minha filha não é meu filho.
Seu pai age como se não o fosse, e quem não é o pai
esforça-se para aprender a sê-lo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 31/01/2019

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José María Cumbreño – Identidad

Durante años, la ropa que me he puesto la he heredado de mi hermano mayor.
Mi nombre me lo pusieron por mi abuelo.
El primer coche que conduje era de segunda mano.
La primera mujer que me besó ya había besado a otros.
La casa en la que vivo es de alquiler.
Todo lo que escriba ya lo habrá escrito alguien mucho antes y mucho mejor.
El hermano de mi hija no es hijo mío.
Su padre hace como si no lo fuera y quien no es su padre
se esfuerza por aprender a serlo.

Juan Luis Panero – Mensagem de Antonio a Cleópatra

Mensagem de Antonio a Cleópatra

I

Elogiem outros
tua beleza adormecida,
a suavidade de tua pele em repouso,
a medida perfeição de teus membros.
Eu não vim por isso,
vim somente para te penetrar
pela frente e por trás
como um punhal que atravessa
a água límpida
e afunda e se perde
no poço sombrio.

Mensagem de Cleópatra a Antonio

II

Não louves minha beleza,
outros já o fizeram.
Penetra-me pela frente e por trás,
faz-me sentir a vida na cintura
e que, enlaçados, teu corpo e o meu
possam deter a fúria cruel do tempo.
Mas, se chegar um dia em que o tempo nos alcance,
não te lamentes, estúpido beberrão,
e lança-te corajosamente – Kaváfis já o escreveu –
nesse poço sombrio.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 20/01/2019

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Mensaje de Antonio a Cleopatra

I

Alaben otros
tu dormida belleza,
la suavidad de tu piel en reposo,
la medida perfección de tus miembros.
yo no he venido a eso,
he venido tan solo a penetrarte
por el pecho y por la espalda,
como un puñal atraviesa
el agua transparente
y se hunde y se pierde
en el pozo sombrío.

Mensaje de Cleopatra a Antonio

II

No alabes mi belleza,
otros ya lo han hecho.
penétrame por el pecho y la espalda,
hazme sentir la vida en la cintura
y que, enlazados, tu cuerpo y el mío
puedan detener la furia atroz del tiempo.
pero, si llega un día en que el tiempo nos alcance,
no te lamentes, estúpido borracho,
y cae con valor – Cavafis ya lo ha escrito-
a ese pozo sombrío.

José Asunción Silva – Obra Humana

No interior da floresta intocada
em que, uma noite, no início de maio,
tocou a velha ramagem folhada
da pálida lua o primeiro raio,

poucos meses depois a luz de gás
da aurora na estação iluminou
o curso da locomotiva audaz
que por trilhos duríssimos cruzou.

E onde fora certa vez um abrigo,
porto seguro de um alado enxame,
atravessou o espaço um escondido
telegrama de amor num fio de arame.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 19/01/2019

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José Asunción Silva – Obra humana

En lo profundo de la selva añosa
donde una noche, al comenzar de mayo,
tocó en la vieja enredadera hojosa
de la pálida luna el primer rayo,

pocos meses después la luz de aurora
del gas en la estación iluminaba
el paso de la audaz locomotora
que en el carril durísimo cruzaba.

Y en donde fuera en otro tiempo el nido,
albergue muelle del alado enjambre,
pasó por el espacio un escondido
telegrama de amor, por el alambre.

Berta Piñán – Duas Garças

Chegaram no sábado. Vimo-las
cedo porque nesse dia chegou
também o frio e passamos
a manhã falando do tempo.
São duas, e me pergunto que
destino imprevisto as trouxe
a esta árvore precisa, a este exato
lugar onde o tempo delas
cruza, como um enigma confuso,
nosso tempo.
À tarde, conversamos sobre elas:
“Esta espera delas, imóvel, paciente – dizes -,
não sei que imagem estranha e antiga ela traça
da vida”.
Depois ficamos em silêncio, observando,
espiando sua perfeita quietude
sobre as águas que fluem
no inverno, e assim,
por um momento, resumem
para nós a
contemplação
do mundo: este rio, estas árvores,
o céu de outono, o calor,
o frio.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 16/01/2019

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Berta Piñán – Dos Garzas

Llegaron el sábado. Las vimos
temprano porque ese día comenzó
también el frío y echamos
la mañana charlando del tiempo.
Son dos, y me pregunto qué
destino imprevisto las trae
a este árbol preciso, a este lugar
exacto en que su tiempo
atraviesa, como un signo confuso,
nuestro tiempo.
Por la tarde hablamos de ellas:
“Esta espera suya, inmóvil, terca – dices -,
no sé qué extraña, antigua imagen
traza de la vida”.
Después quedamos en silencio, mirando,
espiando su perfecta quietud
sobre las aguas que pasan
del invierno, y entonces,
por un momento, resumen
para nosotras la
contemplación
del mundo: este río, estos árboles,
el cielo de otoño, el calor,
el frío.

Francisco Brines – Os Verões

A Carmen Marí

Foram longos e ardentes os verões!
Ficamos nus juntos ao mar,
e o mar ainda mais nu. Com os olhos,
e em corpos ágeis, praticávamos
a mais prazerosa posse do mundo.

Éramos tocados por vozes banhadas de lua,
e era a vida vulcânica e violenta,
ingratos com o sonho, fluíamos.
O ritmo sombrio das ondas
nos abrasava eternamente, e éramos apenas tempo.
As estrelas se apagavam ao amanhecer
e, com a luz que fria retornava,
furioso e delicado se iniciava o amor.

Hoje parece um engano que fôssemos felizes
ao modo imerecido dos deuses.
Que estranha e breve foi a juventude!

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 03/01/2019

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Los Veranos

¡Fueron largos y ardientes los veranos!
Estábamos desnudos junto al mar,
y el mar aún más desnudo. Con los ojos,
y en unos cuerpos ágiles, hacíamos
la más dichosa posesión del mundo.

Nos sonaban las voces encendidas de luna,
y era la vida cálida y violenta,
ingratos con el sueño transcurríamos.
El ritmo tan oscuro de las olas
nos abrasaba eternos, y éramos solo tiempo.
Se borraban los astros en el amanecer
y, con la luz que fría regresaba,
furioso y delicado se iniciaba el amor.

Hoy parece un engaño que fuésemos felices
al modo inmerecido de los dioses.
¡Qué extraña y breve fue la juventud!

Francisco X. Alarcón – Prece

Quero um deus
cúmplice
que passe a noite toda
em espeluncas
de má reputação
e acorde tarde
aos sábados

um deus
que assobie
pelas ruas
e estremeça
diante dos lábios
do seu amor

um deus
que espere na fila
da entrada
dos cinemas
e tome café
com leite

um deus
que cuspa
sangue de
tuberculoso
e não tenha grana
nem para o ônibus

um deus
que desmaie
com um cassetete
da polícia
em uma manifestação
de protesto

um deus
que se urine
de medo diante
do clarão
dos eletrodos
de tortura

um deus
que o perfure
até o último
osso
e morda o ar
de dor

um deus desempregado
um deus em greve
um deus faminto
um deus fugitivo
um deus no exílio
um deus furioso

um deus
que anseie
da prisão
por uma mudança
na ordem
das coisas

quero
um deus
mais deus

Trad.: Nelson Santander

Oracion

Quiero un dios
de cómplice
que se trasnoche
en tugurios
de mala fama
y los sábados
se levante tarde

un dios
que chifle
por las calles
y tiemble
ante los labios
de su amor

un dios
que haga cola
a la entrada
de los cines
y tome café
con leche

un dios
que escupa
sangre de
tuberculoso
y no tenga
ni para el camión

un dios
que se desmaya
de un macanazo
de policía
de un mitín
de protesta

un dios
que se orine
de miedo ante
el resplandor
de los electrodos
de tortura

un dios
que le punce
hasta el último
hueso
y muerde el aire
de dolor

un dios desempleado
un dios en huelga
un dios hambriento
un dios fugitivo
un dios en exilio
un dios encabronado

un dios
que anhele
desde la cárcel
un cambio
en el orden
de las cosas

quiero
un dios
más dios

Joan Margarit – Cemitério de Montjuïc

Algo resta das almas,
como a brisa que surge
depois de alguém passar,
e que faz estremecer
uma fina cortina na janela.
Pela trilha de pedras ásperas que não esquecem
mas calam, severas, o que sabem,
o vento deixa um silêncio de lágrimas
por vidas como a nossa, perdidas.
“Jazigo perpétuo”, a terra
sempre dura, fileiras de ciprestes:
provinciano teatro da morte.
Nosso amor é como o que eles perderam.
Já é noite. Olha, do topo
da colina dos mortos, sob o céu negro,
as luzes da cidade:
um navio ancorado no firmamento
que nos espera para zarpar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 24/12/2018

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Joan Margarit – Cementerio de Montjuïc

Algo queda de las ánimas,
como la brisa que surge
después de que alguien ha pasado,
y que hace estremecer
una leve cortina en la ventana.
Por la senda de piedras ásperas que no olvidan
pero callan, severas, lo que saben,
el viento deja un silencio de lágrimas
por vidas como la nuestra, perdidas.
«Concesión perpetua», la tierra
siempre dura, hileras de cipreses:
provinciano teatro de la muerte.
Nuestro amor es como el que ellos perdieron.
Ya es de noche. Mira, desde la cumbre
de la colina de los muertos, bajo el cielo negro,
las luces de la ciudad:
un navío anclado en el firmamento
que está esperándonos para zarpar.

Luis Alberto de Cuenca – Quando Penso nos Velhos Amigos

Quando penso nos velhos amigos que saíram
de minha vida, cedendo a mulheres cruéis
que nutrem seu medo e os cobrem com filhos
para mantê-los por perto, controlados e impotentes.

Quando penso nos velhos amigos que partiram
para o país da morte, sem bilhete de volta,
apenas por terem buscado o deleite nos corpos
e o olvido nas drogas que aliviam a tristeza.

Quando penso nos velhos amigos que, nas profundezas
do mar da memória, um dia me brindaram
com a estranha sensação de não estar só,
e a cumplicidade de um sorriso franco…

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 20/12/2018

Cuando pienso en los viejos amigos

Cuando pienso en los viejos amigos que se han ido
de mi vida, pactando con terribles mujeres
que alimentan su miedo y los cubren de hijos
para tenerlos cerca, controlados e inermes.

Cuando pienso en los viejos amigos que se fueron
al país de la muerte, sin billete de vuelta,
sólo porque buscaron el placer en los cuerpos
y el olvido en las drogas que alivian la tristeza.

Cuando pienso en los viejos amigos que, en el fondo
del mar de la memoria, me ofrecieron un día
la extraña sensación de no sentirme solo
y la complicidad de una franca sonrisa…

Julio Cortázar – O futuro

E sei muito bem que não estarás.
Não estarás na rua, no sussurro que brota de noite
dos postes, nem no gesto
de escolher o cardápio, nem no sorriso
que alivia as lotações dos metrôs,
nem nos livros emprestados nem no até amanhã.

Não estarás nos meus sonhos,
no destino original de minhas palavras,
nem em um número de telefone estarás,
ou na cor de um par de luvas ou uma blusa.
Me irritarei, meu amor, sem que seja por ti,
e comprarei bombons, mas não para ti,
esperarei na esquina a qual não virás,
e direi as palavras que se dizem
e comerei as coisas que se comem
e sonharei as coisas que se sonham
e sei muito bem que não estarás,
nem aqui dentro, a prisão onde ainda te prendo,
nem lá fora, este rio de ruas e de pontes.
Não estarás para nada, não serás nem lembrança,
e quando pensar em ti, pensarei um pensamento
que vagamente trata de lembrar-se de ti.

Trad.: Leopoldo Cavalcante

El futuro

Y sé muy bien que no estarás.
No estarás en la calle, en el murmullo que brota de noche
de los postes de alumbrado, ni en el gesto
de elegir el menú, ni en la sonrisa
que alivia los completos en los subtes,
ni en los libros prestados ni en el hasta mañana.

No estarás en mis sueños,
en el destino original de mis palabras,
ni en una cifra telefónica estarás
o en el color de un par de guantes o una blusa.
Me enojaré, amor mío, sin que sea por ti,
y compraré bombones pero no para ti,
me pararé en la esquina a la que no vendrás,
y diré las palabras que se dicen
y comeré las cosas que se comen
y soñaré los sueños que se sueñan
y sé muy bien que no estarás,
ni aquí adentro, la cárcel donde aún te retengo,
ni allí fuera, este río de calles y de puentes.
No estarás para nada, no serás ni recuerdo,
y cuando piense en ti pensaré un pensamiento
que oscuramente trata de acordarse de ti.