Carmen Conde – [Declaro que morreu e que seu túmulo]

Declaro que morreu e que seu túmulo
está dentro de mim; sou seu sudário.
A ninguém se enterrou porque seu trânsito
no tempo foi de loucas esperanças.

Circundam o contorno desta cova
– quente é a vinha que escala as paredes –
os pâmpanos mais tenros e suculentos
que arrancam do silêncio seu tumulto.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 14/03/2019

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Declaro que se ha muerto y que su tumba

Declaro que se ha muerto y que su tumba
está dentro de mí; soy su mortaja.
A nadie se enteró porque su tránsito
descanso fue de locas esperanzas.

Rodean el contorno de esta fosa
— caliente está la vid que escala muros —
los pámpanos más tiernos y jugosos
que arrancan del silencio su tumulto.

Mario Benedetti – Currículo

A história é muito simples
você nasce
contempla aturdido
o vermelho-azul do céu
o pássaro que emigra
o desajeitado besouro
que seu sapato esmagará
destemido

você sofre
reclama por comida
e por hábito
por obrigação
chora isento de culpas
exausto
até que o sonho o desqualifique

você ama
se transfigura e ama
por uma eternidade tão efêmera
que até o orgulho se torna terno
e o coração profético
se converte em escombros

você aprende
e usa o que aprendeu
para tornar-se lentamente sábio
para compreender que, afinal, o mundo é isso
em seu melhor momento, uma nostalgia
em seu pior momento, um desamparo
e sempre sempre
uma confusão

então
você morre.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 13/03/2019

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Currículum

El cuento es muy sencillo
usted nace
contempla atribulado
el rojo azul del cielo
el pájaro que emigra
el torpe escarabajo
que su zapato aplastará
valiente

usted sufre
reclama por comida
y por costumbre
por obligación
llora limpio de culpas
extenuado
hasta que el sueño lo descalifica

usted ama
se transfigura y ama
por una eternidad tan provisoria
que hasta el orgullo se le vuelve tierno
y el corazón profético
se convierte en escombros

usted aprende
y usa lo aprendido
para volverse lentamente sabio
para saber que al fin el mundo es esto
en su mejor momento una nostalgia
en su peor momento un desamparo
y siempre siempre
un lío

entonces
usted muere.

Nicanor Parra – Esquecimento

Juro que não me lembro nem do seu nome,
Mas morrerei chamando-a de Maria,
Não por mero capricho de poeta,
Pela sua aura de praça de província.
Que tempos aqueles!, eu, um esquisitão,
Ela, jovem pálida e sombria.
Ao voltar certa tarde do Liceu
Soube de sua morte imerecida,
Notícia que me causou tal desalento
Que derramei uma lágrima ao ouvi-la.
Uma lágrima, sim, quem acreditaria!
E olha que sou pessoa de vigor.
Se devo dar crédito ao que disseram
Aqueles que trouxeram a notícia
Devo aceitar, sem qualquer hesitação,
Que morreu com meu nome nas pupilas.
Fato que me surpreende, pois nunca
Fora para mim mais do que uma amiga.
Nunca tive com ela mais que simples
Relações de estrita cortesia,
Nada além de palavras e palavras
E uma ou outra menção a andorinhas.
Conheci-a em meu vilarejo (de meu vilarejo
Resta agora um punhado de cinzas),
Mas jamais vi nela outro destino
Que o de uma jovem triste e pensativa.
Tanto é verdade que até cheguei a chamá-la
Pelo celestial nome de Maria,
Circunstância que claramente confirma
O ponto central de minha doutrina.
Pode ser que uma vez a tenha beijado,
Quem é que não beija suas amigas?
Mas tende em mente que o fiz
Sem perceber bem o que estava fazendo.
Não negarei, é claro, que apreciava
Sua imaterial e vaga companhia,
Que era como o espírito sereno
Que anima as flores domésticas.
Não posso ocultar de modo algum
A importância de seu sorriso
Nem desvirtuar o favorável influxo
Que até nas próprias pedras exercia.
Acresça-se, ainda, que à noite
Eram seus olhos fonte fidedigna.
Mas, apesar de tudo, é crucial
Que compreendam que eu não a amava
Senão com esse vago sentimento
Que a um parente enfermo se dispensa.
Entretanto, acontece, ainda assim,
O que até hoje me maravilha,
Esse inaudito e singular caso
De morrer com meu nome nas pupilas,
Ela, rosa múltipla e imaculada,
Ela que era um legítimo farol.
Têm razão, têm toda razão, as pessoas
Que passam o tempo todo se queixando
De que o mundo traiçoeiro em que vivemos
Vale menos que uma roda estacionada:
Muito mais honrado é um túmulo,
Vale mais uma folha mofada.
Nada é verdade, aqui nada perdura,
Nem a cor do cristal através do qual enxergamos.

Hoje é um dia azul de primavera,
Creio que morrerei de poesia,
Daquela famosa jovem melancólica
Não recordo sequer o nome que tinha.
Só sei que passou por este mundo
Como uma pomba fugitiva:
Esqueci-a involuntariamente, aos poucos,
Como todas as coisas da vida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 12/3/2019

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Es olvido

Juro que no recuerdo ni su nombre,
Mas moriré llamándola María,
No por simple capricho de poeta:
Por su aspecto de plaza de provincia.
¡Tiempos aquellos!, yo un espantapájaros,
Ella una joven pálida y sombría.
Al volver una tarde del Liceo
Supe de la su muerte inmerecida,
Nueva que me causó tal desengaño
Que derramé una lágrima al oírla.
Una lágrima, sí, ¡quién lo creyera!
Y eso que soy persona de energía.
Si he de conceder crédito a lo dicho
Por la gente que trajo la noticia
Debo creer, sin vacilar un punto,
Que murió con mi nombre en las pupilas.
Hecho que me sorprende, porque nunca
Fue para mí otra cosa que una amiga.
Nunca tuve con ella más que simples
Relaciones de estricta cortesía,
Nada más que palabras y palabras
Y una que otra mención de golondrinas.
La conocí en mi pueblo (de mi pueblo
Sólo queda un puñado de cenizas),
Pero jamás vi en ella otro destino
Que el de una joven triste y pensativa
Tanto fue así que hasta llegué a tratarla
Con el celeste nombre de María,
Circunstancia que prueba claramente
La exactitud central de mi doctrina.
Puede ser que una vez la haya besado,
¡Quién es el que no besa a sus amigas!
Pero tened presente que lo hice
Sin darme cuenta bien de lo que hacía.
No negaré, eso sí, que me gustaba
Su inmaterial y vaga compañía
Que era como el espíritu sereno
Que a las flores domésticas anima.
Yo no puedo ocultar de ningún modo
La importancia que tuvo su sonrisa
Ni desvirtuar el favorable influjo
Que hasta en las mismas piedras ejercía.
Agreguemos, aún, que de la noche
Fueron sus ojos fuente fidedigna.
Mas, a pesar de todo, es necesario
Que comprendan que yo no la quería
Sino con ese vago sentimiento
Con que a un pariente enfermo se designa.
Sin embargo sucede, sin embargo,
Lo que a esta fecha aún me maravilla,
Ese inaudito y singular ejemplo
De morir con mi nombre en las pupilas,
Ella, múltiple rosa inmaculada,
Ella que era una lámpara legítima.
Tiene razón, mucha razón, la gente
Que se pasa quejando noche y día
De que el mundo traidor en que vivimos
Vale menos que rueda detenida:
Mucho más honorable es una tumba,
Vale más una hoja enmohecida.
Nada es verdad, aquí nada perdura,
Ni el color del cristal con que se mira.

Hoy es un día azul de primavera,
Creo que moriré de poesía,
De esa famosa joven melancólica
No recuerdo ni el nombre que tenía.
Sólo sé que pasó por este mundo
Como una paloma fugitiva:
La olvidé sin quererlo, lentamente,
Como todas las cosas de la vida.

Francisco Brines – A Piedade do Tempo

Em que escuro recanto do tempo que morreu
vivem ainda,
a arder, aquelas coxas?

Dão luz ainda
a estes olhos tão velhos e enganados,
que voltam agora a ser o milagre que foram:
desejo de uma carne, e a alegria
do que não se nega.

A vida é o naufrágio de uma obstinada imagem
que já nunca saberemos se existiu,
pois só pertence a um lugar extinto.

Trad.: José Bento

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 07/03/2019

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Francisco Brines – La piedad del tiempo

¿En qué oscuro rincón del tiempo que ya ha muerto
viven aún,
ardiendo, aquellos muslos?

Le dan luz todavía
a estos ojos tan viejos y engañados,
que ahora vuelven a ser el milagro que fueron:
deseo de una carne, y la alegría
de lo que no se niega.

La vida es el naufragio de una obstinada imagen
Que ya nunca sabremos si existió,
Pues sólo pertenece a un lugar extinguido.

Joan Margarit – Esboço para um Epílogo

Diante de ti sentes um rumor de passos
que vem do futuro, essa torre
demolida antes de ser construída.
Só existe a dúvida moral: ama,
não penses na camada de pó
a que tanto aludes, ostensivamente,
quando dizes: “minha vida”.
E, do prestígio das negações,
desconfia: a vida representa
não só a vitória dos anos
sobre nós. Também nos ensina
quão gloriosa foi
nossa vitória inicial sobre o tempo.

Trad.: Nelson Santander

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Esbozo para un epílogo

Ante ti sientes un rumor de pasos
que viene del futuro, esa torre
derribada antes de que la construyeran.
Sólo existe la duda moral: ama,
no pienses en la lámina de polvo
que tanto nombras, ostentosamente,
cuando dices: “mi vida”.
Y, del prestigio de las negaciones,
desconfía: la vida representa
no sólo la victoria de los años
sobre nosotros. También nos enseña
lo gloriosa que fue
nuestra inicial victoria sobre el tiempo.

Felipe Benítez Reyes – O desenho na água

Bem sabes que estes anos passarão,
que tudo terminará em literatura:
a imagem das noites, as lendas
da triunfante juventude e as cidades
vividas como corpos.

Que estes anos
passarão tu já sabes, pois são teus
como se possuísses a neve e a neblina,
como é do mar a bruma, ou do ar
a cor da tarde fugidia:
pertences de ninguém e do nada
surgidos, que para o nada vão:
nem o próprio mar, nem o ar, nem essa bruma,
nem um crepúsculo igual teus olhos verão.

A memória é um desenho na água,
e em suas ondas se expressa o cadáver do tempo.

Tu farás este desenho.

E de repente
terás a sombra morta
do tempo junto a ti.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 20/02/2019

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El dibujo en el agua

Bien sabes que estos años pasarán,
que todo acabará en literatura:
la imagen de las noches, la leyenda
de la triunfante juventud y las ciudades
vividas como cuerpos.

Que estos años
pasarán ya lo sabes, pues son tuyos
como una posesión de nieve y niebla,
como es del mar la bruma o es del aire
el color de la tarde fugitivo:
pertenencias de nadie y de la nada
surgidas, que hacia la nada van:
ni el mismo mar, ni el aire, ni esa bruma,
ni un crepúsculo igual verán tus ojos.

Un dibujo en el agua es la memoria,
y en sus ondas se expresa el cadáver del tiempo.

Tú harás ese dibujo.

Y de repente
tendrás la sombra muerta
del tiempo junto a ti.

Juan Luis Panero – Palavras e presságios

Voltar a alguns versos de Kaváfis, de Eliot,
como quem regressa a uma casa que foi nossa anos atrás.
Repetir as sílabas, iluminar os símbolos
como cerradas salas, janelas empoeiradas
que ocultam um jardim perdido, árvores da morte.
Melancolia do regresso e medo do vazio,
rangidos de madeira, agitar de sombras,
e, de repente, em um quarto, perdida
como um velho copo ou um espelho manchado,
encontrar a chave para a tua vida.
Palavras que te avisaram: “Um monótono dia
segue-se a outro igualmente monótono”,
ou te advertiram: “Nascer, copular, morrer.
Isso é tudo, isso é tudo, isso é tudo, isso é tudo”.
Palavras com que a velhice e a noite me presenteiam,
presságios que não entendi, anunciadas derrotas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 19/02/2019

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Palabras y Presagios

Volver a unos versos de Cavafis, de Eliot,
como quien regresa a una casa que hace años fue nuestra.
Repetir las sílabas, iluminar los símbolos
como cerradas habitaciones, ventanas polvorientas
que ocultan un jardín perdido, árboles de la muerte.
Melancolía del regreso y miedo del vacío,
crujidos de madera, aletazos de sombras
y, de pronto, en un cuarto, perdida
como una vieja copa o un espejo empañado,
encontrar la clave de tu vida.
Palabras que te avisaron: “Un monótono día
sigue a otro igualmente monótono”,
o te advertieron: “Nacer, copular, morir.
Eso es todo, eso es todo, eso es todo, eso es todo”.
Palabras que la velez y la noche me regalan,
presagios que no entendí, anunciadas derrotas.

Francisco Brines – Aquele verão de minha juventude

E o que restou daquele distante verão
nas costas da Grécia?
O que resta em mim do único verão de minha vida?
Se pudesse escolher, de todos em que vivi,
algum lugar, e o tempo que o ata,
sua milagrosa companhia me arrasta até lá,
onde ser feliz era a razão natural de existir.

Perdura a experiência, como um quarto fechado da infância;
não resta mais a lembrança de dias sucessivos
nesta sucessão medíocre dos anos.
Hoje sinto essa carência,
e busco na ilusão algum resgate
que me permita ainda olhar para o mundo
com o amor necessário;
E assim saber-me digno do sonho da vida.

De tudo o que foi ventura, daquele lugar de alegria,
saqueio avaramente
sempre uma única imagem:
seus cabelos agitados pelo vento,
e o olhar fixo no mar.
Tão só esse momento indiferente.
Selada nele, a vida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 15/02/2019.

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Aquel verano de mi juventud

Y qué es lo que quedó de aquel viejo verano
en las costas de Grecia?
¿Qué resta en mí del único verano de mi vida?
Si pudiera elegir de todo lo vivido
algún lugar, y el tiempo que lo ata,
su milagrosa compañía me arrastra allí,
en donde ser feliz era la natural razón de estar con vida.

Perdura la experiencia, como un cuarto cerrado de la infancia;
no queda ya el recuerdo de días sucesivos
en esta sucesión mediocre de los años.
Hoy vivo esta carencia,
y apuro del engaño algún rescate
que me permita aún mirar el mundo
con amor necesario;
y así saberme digno del sueño de la vida.

De cuanto fue ventura, de aquel sitio de dicha,
saqueo avaramente
siempre una misma imagen:
sus cabellos movidos por el aire,
y la mirada fija dentro del mar.
Tan sólo ese momento indiferente.
Sellada en él, la vida.

Joan Margarit – Amor e tempo

Lembras quando ainda desconhecias
que a vida não teria piedade de ti?
Amor e tempo: o tempo nos habita
como a areia do rio que, lentamente,
vai moldando a forma da margem.
O amor, que refletiu em teu olhar
o esplendor da ilha do tesouro.
Sensual, solitária, cercada
pela sonora senectude do mar
e os gritos militares das gaivotas.
O sonho clandestino dos cinquenta anos.

Trad.: Nelson Santander

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Amor y tiempo

Recuerda cuando aún desconocías
que la vida no tendría piedad contigo.
Amor y tiempo: el tiempo nos habita
como arena del río que, despacio,
va cambiando la forma de la costa.
El amor, que ha copiado en tu mirada
la claridad de la isla del tesoro.
Sensual, solitaria, rodeada
por la sonora senectud del mar
y gritos militares de gaviotas.
El sueño clandestino de los cincuenta años.

Julia Hartwig – Assim será

Tudo retornará
E não será em forma de cinzas ou ruínas
tudo será como antes da extinção

à vista e em flor
Amizades não desfeitas
poços não envenenados
combates ainda repletos de esperança de êxito

Incontáveis estrelas
Uma lua desconhecida
Nós ainda ignorantes
do que pode ser realizado
e daquilo que para sempre
nos será arrebatado

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão em espanhol vertida do polonês por Antonio Benitez Burraco e Anna Sobieska – i: “Eso volverá”, 2007; Dualidad, Antología poética; Vaso Roto, 2013, pág. 107; Tr. Antonio Benitez Burraco y Anna Sobieska

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Así será

Eso volverá
No será en forma de rescoldos ni de ruinas
todo estará como antes del exterminio

a la luz y en flor
Amistades no desavenidas
pozos no envenenados
batallas repletas aún de esperanza en la victoria

Estrellas incontables
Una luna no reconocida
Nosotros ignorantes todavía
de lo que puede cumplirse
y de lo que para siempre
nos será arrebatado