Dan Albergotti – Coisas para fazer no ventre da baleia

Meça as paredes. Conte as costelas. Registre os longos dias.
Olhe para o céu azul por entre os esguichos. Faça pequenas fogueiras
com os cascos partidos dos barcos de pesca. Pratique sinais de fumaça.
Ligue para os velhos amigos e escute os ecos de vozes distantes.
Organize sua agenda. Sonhe com a praia. Busque por toda jornada
pelo pálido brilho da luz. Trabalhe em seus relatórios. Recapitule
cada uma das dez milhões de escolhas de sua vida. Suporte os momentos
de autoaversão. Encontre as evidências dos que aqui estiveram antes de você.
Destrua-as. Tente ficar muito tranquilo e ouça o som das
engrenagens e da água em movimento. Ouça o som do seu coração.
Seja grato por estar aqui, engolido com todas as esperanças,
onde você pode descansar e esperar. Seja nostálgico. Pense em todas
as coisas que você fez e as que poderia ter feito. Lembre-se de
boiar pedalando no centro do tranquilo mar noturno, os dedos dos pés
apontando vezes sem conta para baixo, para as negras profundezas.

Things to Do in the Belly of the Whale

Measure the walls. Count the ribs. Notch the long days.
Look up for blue sky through the spout. Make small fires
with the broken hulls of fishing boats. Practice smoke signals.
Call old friends, and listen for echoes of distant voices.
Organize your calendar. Dream of the beach. Look each way
for the dim glow of light. Work on your reports. Review
each of your life’s ten million choices. Endure moments
of self-loathing. Find the evidence of those before you.
Destroy it. Try to be very quiet, and listen for the sound
of gears and moving water. Listen for the sound of your heart.
Be thankful that you are here, swallowed with all hope,
where you can rest and wait. Be nostalgic. Think of all
the things you did and could have done. Remember
treading water in the center of the still night sea, your toes
pointing again and again down, down into the black depths.

Dylan Thomas – E a Morte não terá nenhum Domínio

E a morte não terá nenhum domínio.
Nus, os mortos irão se confundir
Com o homem no vento e a lua no poente;
Quando seus alvos ossos descarnados se tornarem pó,
Haverão de brilhar as estrelas em seus pés e cotovelos;
Ainda que enlouqueçam, permanecerão lúcidos,
Ainda que submersos pelo mar, haverão de ressurgir;
Ainda que os amantes se percam, o amor persistirá;
E a morte não terá nenhum domínio.

E a morte não terá nenhum domínio.
Aqueles que há muito repousam sob as dobras do mar
Não morrerão com a chegada do vento;
Contorcendo-se em martírios quando romperem os tendões,
Acorrentados à roda da tortura, jamais se partirão;
Em suas mãos, a fé irá fender-se em duas,
E as maldades do unicórnio os atravessarão;
Espedaçados por completo, eles não se quebrarão.
E a morte não terá nenhum domínio.

E a morte não terá nenhum domínio.
Não mais irão gritar as gaivotas aos seus ouvidos
Nem se quebrar com fragor as ondas nas areias;
Onde uma flor desabrochou não poderá nenhuma outra
Erguer sua corola para as rajadas da chuva;
Ainda que estejam mortas e loucas, suas cabeças
Haverão de enterrar-se como pregos através das margaridas,
Irrompendo no sol até que o sol se ponha.
E a morte não terá nenhum domínio.

Trad.: Ivan Junqueira

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 11/12/2017

And death shall have no dominion

And death shall have no dominion.
Dead man naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan’t crack;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.

Judith Hemschemeyer — Naquele verão

Naquele verão
depois que você se enforcou
sem perguntar
a ninguém que o amava
se eles podiam suportar

dei por mim arrastando mangueiras
regando cada centímetro
desse imenso gramado
dia após dia
perfeito

obcecada
incapaz de deixar mais alguma coisa
uma única folha de grama
morrer.

Trad.: Nelson Santander

That Summer

That summer
after you hanged yourself
without asking
anyone who loved you
if they could bear it

I found myself dragging hoses
watering every inch
of this huge lawn
over and over
day after perfect day

obsessed
unable to let one more thing
one single blade of grass
die.

Mario Cesariny – Os Pássaros de Londres

Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres

quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos

REPUBLICAÇÃO: publicado originalmente em 09/12/2017

Matthew Olzmann – Carta à pessoa que gravou suas iniciais no mais antigo pinheiro de folha longa da América do Norte

Southern Pines, Carolina do Norte

Diga-me como é viver sem
curiosidade, sem sentir admiração. Navegar
em águas cristalinas, desviando os olhos
dos recifes de algas que ondulam
abaixo de você, ignorando o cintilar
das escamas de sereias no nevoeiro,
olhando para o mundo e sentindo
apenas tédio. Estar
à beira do precipício de algum vale selvagem,
as águias circulando, um rebanho de caribus
trovejando lá embaixo, e bocejar
com indiferença. Descobrir
algo primordial e sagrado.
Sentir o cheiro da terra
acolhendo-o por toda parte.
Absorver tudo isso e, então,
empunhar sua faca.

Trad.: Nelson Santander

Letter to the Person Who Carved His Initials into the Oldest Living Longleaf Pine in North America

Southern Pines, NC

Tell me what it’s like to live without
curiosity, without awe. To sail
on clear water, rolling your eyes
at the kelp reefs swaying
beneath you, ignoring the flicker
of mermaid scales in the mist,
looking at the world and feeling
only boredom. To stand
on the precipice of some wild valley,
the eagles circling, a herd of caribou
booming below, and to yawn
with indifference. To discover
something primordial and holy.
To have the smell of the earth
welcome you to everywhere.
To take it all in, and then,
to reach for your knife.

Ruy Espinheira Filho – Canção de Depois de Tanto

                    a Roniwalter Jatobá 

Vamos beber qualquer coisa,
que a vida está um deserto
e o coração só me pulsa
sombras de Ido e do Incerto.

Vamos beber qualquer coisa,
que a lua avança no mar
e há salobros fantasmas
que não quero visitar.

Vamos beber qualquer coisa
amarga, rascante, rude,
brindando sobre o já frio
cadáver da juventude.

Vamos beber qualquer coisa.
O que for. Vamos beber.
Mesmo porque não há mais
o que se possa fazer.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado originalmente em 08/12/2017

Don Peterson – Compaixão

Ela podia ter meses de sua vida canina,
mas para ser o quê? Ela estava leve como um ninho,
o dia todo sob suas longas orelhas
ouvindo em seu próprio peito um rádio em desalinho.
Na bancada de aço, sabendo o que aconteceria,
ela tentou e tentou levantar-se, como se para
sinalizar que ainda servia, e que deveria
fugir de nossa seleção. Voltei então sua cara
para a minha e vendo ali só amor – que a pequena
loba que ela era conhecia tão bem quanto eu –
ela se deitou e deixou que a penetrasse a agulha.
E amor foi certamente o que seu olhar devolveu
enquanto ficava rígido, e uma brilhante antena
regressava ao centro, deixando de tracejar a folha.

Trad.: Nelson Santander

Mercies

She might have had months left of her dog-years,
but to be who? She’d grown light as a nest
and spent the whole day under her long ears
listening to the bad radio in her breast.
On the steel bench, knowing what was taking shape
she tried and tried to stand, as if to sign
that she was still of use, and should escape
our selection. So I turned her face to mine,
and seeing only love there – which, for all
the wolf in her, she knew as well as we did –
she lay back down and let the needle enter.
And love was surely what her eyes conceded
as her stare grew hard, and one bright aerial
quit making its report back to the centre.

Carlos Drummond de Andrade – Escada

Na curva desta escada nos amamos,
nesta curva barroca nos perdemos.
O caprichoso esquema
unia formas vivas, entre ramas.

Lembras-te carne? Um arrepio telepático
vibrou nos bens municipais, e dando volta
ao melhor de nós mesmos,
deixou-nos sós, a esmo,
espetacularmente sós e desarmados,
que a nos amarmos tanto eis-nos morridos.

E mortos, e proscritos
de toda comunhão no século (esta espira
é testemunha, e conta), que restava
das línguas infinitas
que falávamos ou surdas se lambiam
no céu da boca sempre azul e oco?

Que restava de nós,
neste jardim ou nos arquivos, que restava
de nós, mas que restava, que restava?
Ai, nada mais restara,
que tudo mais, na alva,
se perdia, e contagiando o canto aos passarinhos,
vinha até nós, podrido e trêmulo, anunciando
que amor fizera um novo testamento,
e suas prendas jaziam sem herdeiros
num pátio branco e áureo de laranjas.

Aqui se esgota o orvalho,
e de lembrar não há lembrança. Entrelaçados,
insistíamos em ser; mas nosso espectro,
submarino, à flor do tempo ia apontando,
e já noturnos, rotos, desossados,
nosso abraço doía
para além da matéria esparsa em números.

Asa que ofereceste o pouso raro
e dançarino e rotativo, cálculo,
rosa grimpante e fina
que à terra nos prendias e furtavas,
enquanto a reta insigne
da torre ia lavrando
no campo desfolhado outras quimeras:
sem ti não somos mais o que antes éramos.

E se este lugar de exílio hoje passeia
faminta imaginação atada aos corvos
de sua própria ceva,
escada, ó assunção,
ao céu alças em vão o alvo pescoço,
que outros peitos em ti se beijariam
sem sombra, e fugitivos,
mas nosso beijo e baba se incorporam
de há muito ao teu cimento, num lamento.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 28/11/2017

Deborah Pope – Passando

Como um carro engatado,
uma galinha estúpida demais para perceber
que sua cabeça se foi,
ou aquele som que não cessa
mesmo depois do filme
ter caído da bobina,
um telefone
tocando e tocando
na casa de onde todos
se mudaram,
através de salas onde o pó
se aprofunda em camadas,
e o cadeado é desnecessário,
assim eu continuo te amando,
meu coração claudicando,
um músculo entornando
o que não é mais desejado,
e minhas palavras movendo-se,
como um trem em seus trilhos,
em direção a uma estação lacrada,
fechada por anos,
como o último falante
de um belo idioma que
ninguém mais pode ouvir.

Trad.: Nelson Santander

Aqui: Poetry, Fevereiro de 1995

Getting Through

Like a car stuck in gear,
a chicken too stupid to tell
its head is gone,
or sound ratcheting on
long after the film
has jumped the reel,
or a phone
ringing and ringing
in the house they have all
moved away from,
through rooms where dust
is deepening skin,
and the lock is unneeded,
so I go on loving you,
my heart blundering on,
a muscle spilling out
what is no longer wanted,
and my words hurtling past,
like a train of its track,
towards a boarded-up station,
closed for years,
like some last speaker
of a beautiful language
no one else can hear.

Petrarca – Soneto CXXXIII (“O Amor me Assinalou com sua Seta”)

O amor me assinalou com sua seta,
como a neve ao sol, como a cera ao fogo,
como névoa ao vento; e já estou rouco,
dama, de humilhar-me, feito um pateta.

De teus olhos o golpe mortal veio,
contra o qual tempo e espaço nada são;
Vêm de ti, e vês como diversão,
o sol, o fogo e o vento aos quais me atenho.

O pensar me flecha, me cresta o sol,
o desejo queima: com essas armas
o amor fere, me cega e me aniquila;

e sua voz e canto angelical,
e a doce alma com que me desarmas,
são o ar do qual minha vida se exila.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 18/11/2017

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Petrarca – Soneto CXXXIII

Amor m’à posto come segno a strale,
come al sol neve, come cera al foco,
et come nebbia al vento; et son già roco,
donna, mercé chiamando, et voi non cale.

Dagli occhi vostri uscío ‘l colpo mortale,
contra cui non mi val tempo né loco;
da voi sola procede, et parvi un gioco,
il sole e ‘l foco e ‘l vento ond’io son tale.

I pensier’ son saette, e ‘l viso un sole,
e ‘l desir foco: e ‘nseme con quest’arme
mi punge Amor, m’abbaglia et mi distrugge;

et l’angelico canto et le parole,
col dolce spirto ond’io non posso aitarme,
son l’aura inanzi a cui mia vita fugge.