Wislawa Szymborska – Nada Duas Vezes

Nada acontece duas vezes
nem acontecerá. Eis nossa sina.
Nascemos sem prática
e morremos sem rotina.

Mesmo sendo os piores alunos
na escola deste mundão,
nunca vamos repetir
nenhum inverno nem verão.

Nem um dia se repete,
não há duas noites iguais,
dois beijos não são idênticos,
nem dois olhares tais quais.

Ontem quando alguém falou
o teu nome junto a mim
foi como se pela janela aberta
caísse uma rosa do jardim.

Hoje que estamos juntos,
o nosso caso não medra.
Rosa? Como é uma rosa?
É uma flor ou é uma pedra?

Por que você tem, má hora,
que trazer consigo a incerteza?
Você vem – mas vai passar.
Você passa – eis a beleza.

Sorridentes, abraçados
tentaremos viver sem mágoa,
mesmo sendo diferentes
como duas gotas d’água.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 09/03/2017

Tarde na Andaluzia, de Sahar Romani, lido por Sandra Daher

Sandra Daher, uma generosa seguidora do blog, publica em seu perfil no Facebook a leitura que faz de poemas que a inspiram.

Em sua postagem mais recente, ela surge lendo o belíssimo “Tarde na Andaluzia”, de Sahar Romani, traduzido por mim e publicado há algum tempo no blog.

Confiram o resultado clicando no link que segue e aproveitem para vê-la declamando outros grandes poemas.

“Tarde na Andaluzia”, de Sahar Romani, lido por Sandra Daher

Tarde na Andaluzia

E por que a geometria não seria igual à divindade

1000 + 1 + 1 + 1 O que é a fé

senão a confiança no uno & infinito Uma vez


em Granada observei um muro de polígonos

ou eram estrelas ou abelhas ou por um segundo um fulgor

de gladíolos em um campo até que pude ver


uma galáxia planetas girando raios de uma roda

relógios ou botões videiras florescendo um tornado

de um século futuro jardim de elipses


a córnea do meu amante acesa em cada manhã

Deus tão distante & bem na minha frente


Trad.: Nelson Santander

Afternoon in Andalusia


But why wouldn’t geometry equal divinity

1000 + 1 + 1 + 1 What is faith

but trust in one & infinity Once


in Granada I studied a wall of polygons

or was it stars or bees or for a second a flash

of gladiolas in a field until I could see


a galaxy planets spinning spokes on a wheel

clocks or buttons vines blooming a tornado

from a future century garden of ellipses


my lover’s cornea alight each morning

God so far away & right in front of me

Stephen Dunn – Ignorância

O sonho antigo de voar se tornou realidade
e eu olho para cima, sem espanto.
Por que não cai?
Uma pergunta de criança que eu não sei responder.
Eu visto minha ignorância naquilo que eu sei.
Uma vez houve pterodátilos, eu digo.
Uma vez o céu era presságios e pássaros.

Ele é imenso e diminuto e tão alto
que não emite nem um som.
Se fosse para lançar bombas, se por sorte
uns poucos de nós fôssemos salvos
e tivéssemos que começar de novo, eu não teria nada
para o sofrimento além de palavras.

Digo à minha filha
que estive lá em cima, no céu,
mas nós dois não ficamos impressionados.
Ela viu Star Wars. E eu já não
peço mais um lugar à janela.
Diante de um voo, eu penso na morte.
Não direi isso a ela

como não lhe direi que a casa
é a sua caverna e eu o homem peludo que retorna
toda noite, frequentemente atônito e confuso.

Trad.: Nelson Santander

Ignorance

The ancient dream of flying has come true
and I look up, unamazed.
Why doesn’t it fall?
A child’s question I can’t explain.
I dress my ignorance in what I know.
Once there were pterodactyls, I say.
Once the sky was guesswork and birds.

It’s immense and small, so high
it isn’t making a sound.
If it were to drop bombs, if by luck
a few of us were saved
and had to start again, I’d have nothing
for the pain but words.

I tell my daughter
I’ve been up there, in the sky,
but both of us are unimpressed.
She’s seen Star Wars. And I no longer
ask for a window seat.
Faced with flying, I think of death.
I will not tell her this

as I will not tell her the house
is her cave and I the hairy man who returns
each night, often speechless and confused.

Wislawa Szymborska – A Cada Cem Pessoas

A cada cem pessoas:

sabem de tudo e muito melhor do que os outros:
– cinquenta e duas.

ficam inseguras a cada passo:
– quase todas as outras.

estão prontas a ajudar
desde é claro que isso não lhes tome muito tempo:
– quarenta e nove, o que já não é mau.

são sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:
– quatro… vá lá, talvez cinco.

estão prontas a admirar sem inveja:
– dezoito.

são induzidas ao erro
por uma juventude que passa tão depressa:
– umas sessenta.

com quem não se pode brincar:
– quarenta e quatro.

vivem angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:
– setenta e sete.

são dotadíssimas para a felicidade:
– no máximo vinte e tal.

inofensivas quando sozinhas
mas selvagens quando em multidão:
– isso, o melhor é não tentar saber nem aproximadamente.

não pedem nada da vida exceto coisas:
– trinta, mas preferia estar enganada.

encurvadas, sofridas,
sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas:
– cedo ou tarde, oitenta e três.

justas:
– pelo menos trinta e cinco, e lamba os beiços.

mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
– três.

dignas de compaixão:
– noventa e nove.

mortais:
– cem entre cem,
número que, até momento, não é possível alterar.

Trad.: Elzbieta Milewska e Sérgio Neves

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 08/03/2017

Linda Pastan – Por trás do

        "Busco pelo que está por trás das palavras que são ditas..."
– William Stafford

Por trás do “Eu te amo”
reside um “adeus”.
Por trás do
“adeus”
mora um “foi maravilhoso
ali no gramado, encharcados
de tanto verde,
juntos”.
Palavras que esperam
são escuras como sombras
nos quartos dos fundos
dos espelhos:
quando você levanta
sua mão direita
em saudação,
elas levantam a esquerda
em despedida.

Trad.: Nelson Santander

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In back of

          "I'm looking for things back of remarks that are said..."
– William Stafford

In back of “I love you”
stands “goodbye.”
In back of
“goodbye”
stands “it was lovely
there in the grass, drenched
in so much green
together.”
Words that wait
are dark as shadows
in the back rooms
of mirrors:
when you raise
your right hand
in greeting,
they raise their left
in farewell.

Gary Snyder – Dezembro em Yase

Naquele Outubro
em que escolheu ser livre
na grama alta e seca junto ao pomar
você disse “quem sabe um dia, talvez daqui a dez anos”.

Terminada a universidade te vi
só mais uma vez. Você estava estranha.
E eu obcecado com um projeto.

Agora se passaram os tais dez anos
e até mais um pouco: eu sempre soube
onde você estava –

Devia ter ido te ver
movido pela esperança de recuperar seu amor.
Você continua solteira.
Mas não fiz nada disso.

Só em sonhos, como esta madrugada,
a intensidade terrível
de nosso amor de garotos
me ocupa de novo a mente, a carne.

Tivemos aquilo que todos
se esforçam tanto para ter;
e abandonamos tudo para trás aos dezenove anos.

Me sinto com mil anos, como se tivesse
vivido muitas vidas.

E talvez nunca descubra
se sou um idiota
ou fiz o que exigia
o meu karma.

Trad.: ?

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 20/02/2017

December at Yase

You said, that October,
In the tall dry grass by the orchard
When you chose to be free,
“Again someday, maybe ten years.”

After college I saw you
One time. You were strange,
And I was obsessed with a plan.

Now ten years and more have
Gone by: I’ve always known
where you were—
I might have gone to you
Hoping to win your love back.
You still are single.

I didn’t.
I thought I must make it alone. I
Have done that.

Only in dream, like this dawn,
Does the grave, awed intensity
Of our young love
Return to my mind, to my flesh.

We had what the others
All crave and seek for;
We left it behind at nineteen.

I feel ancient, as though I had
Lived many lives.

And may never now know
If I am a fool
Or have done what my
karma demands.

Pat Boran – Desde que você se foi…

Desde que você se foi…

os dias aprenderam um novo idioma,
as noites falam em línguas –

as vozes da chuva na janela do quarto,
do vento sussurrando na rua varrida pela chuva,

os canos da casa chamando,
tina após tina de água.

A perda descobre novas canções
em antigos instrumentos.

Trad.: Nelson Santander

Since You Left…

the days have learnt a new language,
evenings speak in tongues –

the voices of rain at the bedroom window,
of wind whispering in the rain-swept street,

the house pipes calling,
bowl to water bowl.

Loss discovers new songs
in ancient instruments.

Yehuda Amichai – O Corpo é a Causa do Amor

Primeiro o corpo é a causa do amor
depois a fortaleza que o protege
por fim seu cárcere.
E quando o corpo morre, o amor jorra
caudalosamente
como de um caça-níqueis clandestino quebrado
jorram de súbito
com estrondo
todas as moedas de gerações
e gerações entregues à própria sorte.

Trad.: ?

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 19/02/2017

Joseph Hillman – Para capturar a mim mesmo

Para capturar a mim mesmo
eu devo cavar um buraco

Perfurar a película que
separa a vida da morte
Com pá, pá de corte
ou mãos afiadas

Fazer a terra desabrochar
Em uma floração de
preto e ocre

Permitir que os muros se ergam
ao meu redor como
desmoronados
cortinados
engolindo-
me inteiro
enquanto
vou mais
fundo

Mais fundo
naquele buraco

Tão fundo que
não posso sair
novamente
e tenho que
viver o
resto de
meus dias
esperando
que o meu
captor
me liber-
te

Trad.: Nelson Santander

To capture myself

To capture myself
I must dig a hole

Puncture the film that
separates life and death
With spade or shovel
or sharpened hand

Make the earth unfold
Into a blossom of
black and ochre

Let the walls rise
around me like
crumbling
curtains
swallowing
me whole
as I make
my way
deeper

Deeper into
that hole

So deep that
I cannot get
out again
and must
live the
rest of
my days
waiting
for my
captor
to free
me.

Wislawa Szymborska – Retornos

Voltou. Não disse nada.
Mas estava claro que teve algum desgosto.
Deitou-se vestido.
Cobriu a cabeça com o cobertor.
Encolheu as pernas.
Tem uns quarenta anos, mas não agora.
Existe – mas só como na barriga da mãe
na escuridão protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica metagaláctica.
Por ora dorme, todo enrodilhado.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 10/02/2017