O Enigma decifrado
Despreza-se com pressa —
A Surpresa de Ontem
Já não nos interessa —
Trad.: Augusto de Campos
Poem 1.222
The Riddle we can guess
We speedily despise —
Not anything is stale so long
As Yesterday’s surprise —
Nelson Santander
O Enigma decifrado
Despreza-se com pressa —
A Surpresa de Ontem
Já não nos interessa —
Trad.: Augusto de Campos
Poem 1.222
The Riddle we can guess
We speedily despise —
Not anything is stale so long
As Yesterday’s surprise —
Da morte ele sabia quase nada:
que nos toma e nos cala de repente.
Como a amada não fora arrebatada,
antes se desprendera docemente
do seu olhar para a morada escura,
e como percebeu que à outra vida
como uma lua plena a formosura
da visitante fora concedida,
dos mortos se tornou tão familiar
que os viu como parentes através dela;
deixou os outros a falar,
sem neles crer; chamou esse lugar
bem-vindo, sempre doce, e pelos pés
da amada o começou a palmilhar.
Trad.: Augusto de Campos
Der Tod der Geliebten
Er wußte nur vom Tod was alle wissen:
daß er uns nimmt und in das Stumme stößt.
Als aber sie, nicht von ihm fortgerissen,
nein, leis aus seinen Augen ausgelöst,
hinüberglitt zu unbekannten Schatten,
und als er fühlte, daß sie drüben nun
wie einen Mond ihr Mädchenlächeln hatten
und ihre Weise wohlzutun:
da wurden ihm die Toten so bekannt,
als wäre er durch sie mit einem jeden
ganz nah verwandt; er ließ die andern reden
und glaubte nicht und nannte jenes Land
das gutgelegene, das immersüße—
Und tastete es ab für ihre Füße.
Praias de ossos. A onda estertora
Seus dobres, som a som, na areia.
Palude pálido. O luar devora
Grandes vermes – é a sua ceia.
Torpor de peste: somente a febre
Coze… O duende danado dorme.
A erva que fede vomita a lebre,
Bruxa medrosa que se some.
A lavadeira branca junta os
Trapos surrados dos defuntos,
Ao sol dos lobos… E os sapos. Ei-los,
Anões de vozes melancólicas,
Que envenenam com suas cólicas
Os cogumelos, seus escabelos.
Trad.: Augusto de Campos
Paysage mauvais
Sables de vieux os – Le flot râle
Des glas: crevant bruit sur bruit…
– Palud pâle, où la lune avale
De gros vers, pour passer la nuit.
– Calme de peste, où la fièvre
Cuit… Le follet damné languit.
– Herbe puante où le lièvre
Est un sorcier poltron qui fuit…
– La Lavandière blanche étale
Des trépassés le linge sale,
Au soleil des loups… – Les crapauds.
Petits chantres mélancoliques
Empoisonnent de leurs coliques,
Les champignons, leurs escabeaux.
O Espaço?
– A vida
Ida
Sem traço.
O amor?
– Seu preço:
Desprezo
E dor.
O sonho?
– Infindo,
É lindo
(Suponho).
Que vou
Fazer
Do ser
Que sou?
Isto,
Aquilo,
Aqui,
Ali.
Trad.: Augusto de Campos
Avant-dernier mot
L’Espace?
– Mon Coeur
Y meurt
Sans traces…
La Femme?
– J’en sors,
La mort
Dans l’âme…
Le Rêve?
– C’est bon
Quand on
L’achève…
Que faire
Alors
Du corps
Qu’on gère?
Ceci,
Cela,
Par-ci
Par-là…
Epitáfio
Salvo os amorosos principiantes ou findos que querem principiar pelo fim há tantas coisas que findam pelo princípio que o princípio principia a findar por estar no fim o fim disso é que os amorosos e outros findarão por principiar a reprincipiar por esse princípio que terá findo por não ser mais que o fim retornado o que principiará por ser igual à eternidade que não tem fim nem princípio e terá findo por ser também finalmente igual à rotação da terra onde se findará por não distinguir mais onde principia o fim de onde finda o princípio o que é todo fim de todo princípio igual a todo princípio final do infinito definido pelo indefinido. – Igual um epitáfio igual um prefácio e vice-versa.
SABEDORIA DAS NAÇÕES
Matou-se de paixão ou morreu de preguiça,
Se vive, é só de vício; e deixa apenas isso:
— Não ser a sua amante foi seu maior suplício —
Não nasceu por nenhum lado
E foi criado como mudo,
Tornou-se um arlequim-guisado,
Mistura adúltera de tudo.
Tinha um não-sei-que, — sem saber onde;
Ouro, — sem trocado para o bonde;
Nervos, — sem nervos; vigor sem “garra”;
Alma, — faltava uma guitarra;
Amor, — mas sem bastante fome.
— Muitos nomes para ter um nome. —
Idealista, — sem ideia. Rima
Rica, — sem matéria-prima;
De volta, — sem nunca ter ido;
Se achando sempre perdido.
Poeta, apesar do verso;
Artista sem arte, — ao inverso;
Filósofo — vide-verso.
Um sério cômico, — sem sal.
Ator: não soube seu papel;
Pintor: dó-ré-mi-fá-sol;
E músico: usava o pincel.
Uma cabeça! — sim, de vento:
Muito louco para ter tento;
Seu mal foi singular de mais.
— Seus pés quebrados, pés demais.
Avis rara — mas de rapina;
Macho… com manha feminina;
Capaz de tudo, — bom para nada;
Com certeza, — por certo errada.
Pródigo como o filho errante
Do Testamento, — herança vacante.
Rebelde, — e com receio do lugar
Comum não saía do lugar.
Colorista sem cavalete;
Incompreendido… — abriu o peito:
Chorou, cantou em falsete;
— E foi um defeito perfeito.
Não foi alguém, nem foi ninguém.
Seu natural era o ar bem
Posto, em pose para a posteridade;
Cínico, na maior ingenuidade;
Impostor, sem cobrar imposto.
— Seu gosto estava no desgosto.
Ninguém foi mais igual, mais gêmeo
Irmão siamês de si mesmo.
Viu-se a si próprio ao microscópio:
Micróbio de seu próprio ópio.
Viajante de rotas perdidas,
S.O.S. sem salva-vidas…
Muito cheio de si para aturar-se,
Cabeça “alta”, espírito ativo,
Findou, sem saber findar-se,
Ou vivo-morto ou morto-vivo.
Aqui jaz, coração sem cor, desacordado,
Um bem logrado malogrado.
Trad.: Augusto de Campos
Epitaphe
Sauf les amoureux commençans ou finis qui veulent commencer par la fin il y a tant de choses qui finissent par le commencement que le commencement commence à finir par être à la fin la fin en sera que les amoureux et autres finiront par commencer à recommencer par ce commencement qui aura fini par n’être que la fin retournée ce qui commencera par être égal à l’éternité qui n’a ni fin ni commencement et finira par être aussi finalement égal à la rotation de la terre où l’on aura fini par ne distinguer plus où commence la fin d’où finit le commencement ce qui est toute fin de tout commencement égale à tout commencement final de l’infini défini par l’indéfini. — Égale une épitaphe égale une préface et réciproquement.
SAGESSE DES NATIONS
Il se tua d’ardeur, ou mourut de paresse,
S’il vit, c’est par l´oubli; voici ce qu’il se laisse:
— Son seul regret fut de n’être pas sa maîtresse. —
Il ne naquit par aucun bout,
Fut toujours poussé vent-de-bout,
Et fut un arlequin-ragoût,
Mélange adultère du tout.
Du je-ne-sais-quoi. — mais ne sachant où;
De l’or, — mais avec pas le sou;
Des nerfs, — sans nerf; vigueur sans force;
De l’élan, — avec une entorse;
De l’âme, — et pas de violon;
De l’amour, — mais pire étalon.
— Trop de noms pour avoir un nom. —
Coureur d’idéal, — sans idée;
Rime riche, — et jamais rimée;
Sans avoir été, — revenu;
Se retrouvant partout perdu.
Poète, en dépit de ses vers;
Artiste sans art, — à l’envers;
Philosophe, — à tort à travers.
Un drôle sérieux, — pas drôle.
Acteur: il ne sut pas son rôle;
Peintre: il jouait de la musette;
Et musicien: de la palette.
Une tête! — mais pas de tête;
Trop fou pour savoir être bête;
Prenant pour un trait le mot très.
— Ses vers faux furent ses seuls vrais.
Oiseau rare — et de pacotille;
Très mâle… et quelquefois très fille;
Capable de tout, — bon à rien;
Gâchant bien le mal, mal le bien.
Prodigue comme était l’enfant
Du Testament, — sans testament.
Brave, et souvent, par peur du plat,
Mettant ses deux pieds dans le plat.
Coloriste enragé, — mais blême;
Incompris… — surtout de lui-même;
Il pleura, chanta juste faux;
— Et fut un défaut sans défauts.
Ne fut quelqu’un, ni quelque chose.
Son naturel était la pose.
Pas poseur, — posant pour l’unique;
Trop naïf, étant trop cynique;
Ne croyant à rien, croyant tout.
— Son goût était dans le dégoût.
Trop crû, — parce qu’il fut trop cuit,
Ressemblant à rien moins qu’à lui,
Il s’amusa de son ennui,
Jusqu’à s’en réveiller la nuit.
Flâneur au large, — à la dérive,
Épave qui jamais n’arrive…
Trop Soi pour se pouvoir souffrir,
L’esprit à sec et la tête ivre,
Fini, mais ne sachant finir,
Il mourut en s’attendant vivre
Et vécut, s’attendant mourir.
Ci-gît, — cœur sans cœur, mal planté,
Trop réussi — comme raté.
Irmãos humanos que ao redor viveis,
Não nos olheis com duro coração,
Pois se aos pobres de nós absolveis
Também a vós Deus vos dará perdão.
Aqui nos vedes presos, cinco, seis:
Quanto era cara viva que comia
Foi devorado e em pouco apodrecia.
Ficamos, cinza e pó, os ossos, sós.
Que de nossa aflição ninguém se ria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.
Se dizemos irmãos, vós não deveis
Sentir desprezo, embora condenados
Tenhamos sido em vida. Bem sabeis:
Nem todos têm os sentidos sentados.
Desculpai-nos, que já estamos gelados,
Perante o filho da Virgem Maria.
Que seu favor não nos falte um só dia
Para livrar-nos do inimigo atroz.
Estamos mortos: que ninguém sorria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.
A chuva nos lavou e nos desfez
E o sol nos fez negros e ressecados,
Corvos furaram nossos olhos e eis-
Nos de pelos e cílios despojados,
Paralíticos, nunca mais parados,
Pra cá, pra lá, como o vento varia,
Ao seu talante, sem cessar, levados,
Mais bicados do que um dedal. A vós
Não ofertamos nossa confraria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.
Meu príncipe Jesus, que a tudo vês,
Não nos entregues à soberania
Do Inferno, que só ouvimos tua voz.
Homens, aqui não cabe zombaria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.
Trad.: Augusto de Campos
Ballade des pendus
Frères humains, qui après nous vivez,
N’ayez les coeurs contre nous endurcis,
Car, si pitié de nous pauvres avez,
Dieu en aura plus tôt de vous mercis.
Vous nous voyez ci attachés, cinq, six :
Quant à la chair, que trop avons nourrie,
Elle est piéça dévorée et pourrie,
Et nous, les os, devenons cendre et poudre.
De notre mal personne ne s’en rie ;
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre !
Se frères vous clamons, pas n’en devez
Avoir dédain, quoique fûmes occis
Par justice. Toutefois, vous savez
Que tous hommes n’ont pas bon sens rassis.
Excusez-nous, puisque sommes transis,
Envers le fils de la Vierge Marie,
Que sa grâce ne soit pour nous tarie,
Nous préservant de l’infernale foudre.
Nous sommes morts, âme ne nous harie,
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre !
La pluie nous a débués et lavés,
Et le soleil desséchés et noircis.
Pies, corbeaux nous ont les yeux cavés,
Et arraché la barbe et les sourcils.
Jamais nul temps nous ne sommes assis
Puis çà, puis là, comme le vent varie,
A son plaisir sans cesser nous charrie,
Plus becquetés d’oiseaux que dés à coudre.
Ne soyez donc de notre confrérie ;
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre !
Prince Jésus, qui sur tous a maistrie,
Garde qu’Enfer n’ait de nous seigneurie :
A lui n’ayons que faire ne que soudre.
Hommes, ici n’a point de moquerie ;
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre !
27
Poetas mártires — não clamam —
A Dor em sílabas transmudam —
Falam por eles seus poemas —
Quando já estejam mudos.
Pintores mártires — Não falam —
Com sua Obra eles almejam
Que quando já não sejam mais —
Alguns busquem na Arte — a Paz —
Trad.: Augusto de Campos
The Martyr Poets — did not tell —
But wrought their Pang in syllable —
That when their mortal name be numb —
Their mortal fate — encourage Some —
The Martyr Painters — never spoke —
Bequeathing — rather — to their Work —
That when their conscious fingers cease —
Some seek in Art — the Art of Peace —
I
Foi despojado do diverso mundo,
Dos rostos, que ainda são o que eram antes,
Das ruas próximas, hoje distantes,
E do côncavo azul, ontem profundo.
Dos livros lhe restou só o que deixa
A memória, essa fórmula do olvido
Que o formato retém, não o sentido,
E que apenas os títulos enfeixa.
O desnível espreita. Cada passo
Pode levar à queda. Sou o lento
Prisioneiro de um tempo sonolento
Que não registra aurora nem ocaso.
É noite. Não há outros. Com o verso
Lavro este meu insípido universo.
Trad.: Augusto de Campos
El ciego
I
Lo han despojado del diverso mundo,
De los rostros, que son lo que eran antes.
De las cercanas calles, hoy distantes,
Y del cóncavo azul, ayer profundo.
De los libros le queda lo que deja
La memoria, esa forma del olvido
Que retiene el formato, no el sentido,
Y que los meros títulos refleja.
El desnivel acecha. Cada paso
Puede ser la caída. Soy el lento
Prisionero de un tiempo soñoliento
Que no marca su aurora ni su ocaso.
Es de noche. No hay otros. Con el verso
Debo labrar mi insípido universo.
A visão destas faces dentre a turba:
Pétalas num ramo úmido, escuro.
Trad.: Augusto de Campos
In a station of the metro
The apparition of these faces in the crowd;
petals on a wet, black bough.
Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?
Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.
Trad.: Augusto de Campos
Der Dichter
Du entfernst dich von mir, du Stunde,
Wunden schlägt mir dein Flügelschlag.
Allein: was soll ich mit meinem Munde?
mit meiner Nacht? mit meinem Tag?
Ich habe keine Geliebte, kein Haus,
keine Stelle, auf der ich lebe,
Alle Dinge, an die ich mich gebe,
werden reich und geben mich aus.