Joan Margarit – A perda a inocência

Não escrevas tuas memórias.
Elas lançarão a teus pés aquele que foste,
como um cadáver inimigo.
Quando o passado se torna mentira
pouco resta para levar contigo:
uma convicção inútil e indigna,
alguma equivocada crueldade. Quase nada
sobre o que tenhas que voltar a falar.
A alegria de um velho é o silêncio.

Trad.: Nelson Santander

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La Pérdida de la Ignorancia

No escribas tus memorias.
Lanzarán a tus pies a aquel que fuiste,
como un cadáver enemigo.
Cuando el pasado empieza a ser mentira
queda muy poco ya para llevarse:
una inútil e indigna convicción,
alguna equivocada crueldad. Apenas algo
de lo que tengas que volver a hablar.
La alegría de un viejo es el silencio.

Karmelo C. Iribarren – A herança

Ultimamente,
quando me vejo no espelho,
é meu avô quem me encara,
mais que meu pai.

Cinquenta anos
para começar a entrar na posse
da única herança que ele me deixou,

e que acabará me matando.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 03/11/2019

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La herencia

Últimamente,
cuando me asomo al espejo,
es mi abuelo el que me mira,
más que mi padre.

Cincuenta años
para empezar a cobrar
la única herencia que me dejó,

y que acabará matándome.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – Dia dos Mortos

I

Novembro. Dia dos Mortos. Montamos
o nosso altar de papel. O deste ano
decora-se com mais fotografias
do panteão familiar que povoamos
com paciência, sem pausas. Sem chorarmos,
entre os círios e as flores das
tagetes, colocamos as caveiras,
onde cintila o açúcar dos nomes.
Há uma – sorridente – com o meu.

II

Dar a essa luz a sombra que falta,
e à sombra a música, as vozes
rituais do silêncio, e ao silêncio
a Árvore da vida e dos anos
e apagar outra vela até ardermos
de escuridão. Vamos pedir que nasça
já ferida de morte a manhã
para nunca esquecer que partiremos.

Trad.: Inês Dias

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 02/11/2019

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Joan Margarit – Inverno de 95

Esta carta a escrevo para alguém
que está em um barco pelo norte
de Tenerife, em cinquenta e sete.
Um rapaz que, da amurada,
mira o duro poente sobre o mar
e estuda arquitetura em Barcelona,
para onde retorna agora. Aviso-te
com um sinal de alerta: a alegria
que sentes ao deixar teu pai para trás
revela a solidão sob uma luz dourada.
Teu pai já te espera,
outra vez, no porto de chegada:
não te conhece e olha para nenhuma parte,
nada diz e tampouco te responde.
Lentamente, com o dorso da mão
roças-lhe a face enquanto lhe falas
como se tratasse de ti mesmo,
como se o amanhã fosse agora.
O ontem nos espera no amanhã,
vai sempre mais depressa que nós.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 29/10/2019

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Invierno del 95

Esta carta la escribo para alguien
que va en un barco por el norte
de Tenerife, en el cincuenta y siete.
Un muchacho que, desde la baranda,
mira el férreo poniente sobre el mar
y estudia arquitectura en Barcelona,
adonde vuelve ahora. Te aviso
con un gesto de alarma: la alegría
que sientes al dejar tu padre atrás
muestra la soledad bajo una luz dorada.
Tu padre ya te espera,
otra vez, en el puerto de llegada:
no te conoce y mira hacia ninguna parte,
nada dice y tampoco te contesta.
Despacio, con el dorso de la mano
le rozas la mejilla mientras le hablas
como si se tratase de ti mismo,
igual que si el mañana fuese ahora.
El ayer nos espera en el mañana,
va siempre más deprisa que nosotros.

Joan Margarit – Piscina

Não temia a água, mas a ti,
era teu medo o que eu temia,
e o lugar mais profundo,
em que não se veem os azulejos do fundo.
Arrastaste-me até lá, lembro ainda
a força de teus braços obrigando-me,
enquanto tentava abraçar-me a ti.
Não aprendi a nadar até muito tempo depois,
e esqueci tuas tentativas de ensinar-me.
Agora que já nunca voltarás a nadar
vejo, aos meus pés, a água azul, imóvel.
Compreendo que eras tu quem se abraçava
a mim para atravessar aqueles dias.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 16/10/2019

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Piscina

No le temía al agua, sino a ti,
era tu miedo lo que yo temía,
y el lugar más profundo,
en el que no se ven las baldosas del fondo.
Me arrastraste hacia allí, recuerdo aún
la fuerza de tus brazos obligándome,
mientras trataba de abrazarme a ti.
No aprendí a nadar hasta mucho después,
y olvidé tus intentos de enseñarme.
Ahora que ya nunca volverás a nadar
veo, a mis pies, el agua azul, inmóvil.
Comprendo que eras tú quien se abrazaba
a mí para cruzar aquellos días.

Roger Wolfe – O Copo

Senta-te
à mesa.
Bebe de um copo
d’água. Saboreia
cada trago.
E lembra
todo o tempo
que perdeste.
O tempo que estás perdendo.
O tempo
que ainda tens para perder.

Trad.: Nelson Santander

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El vaso

Siéntate
a la mesa.
Bebe un vaso
de agua. Saborea
cada trago.
Y piensa
en todo el tiempo
que has perdido.
El que estás perdiendo.
El tiempo
que te queda por perder.

Antonio Colinas – Envio

Lembras-te ainda do débil canto
do rouxinol perdido na ramagem?
Viste farfalhar comigo naquela noite
a copa do cipreste.
       Desfez-se
o céu em fios de luar sobre teu rosto.
Mas depois do pássaro e da lua
apagaram-se os astros.
       Vi passar
não sei que brisa estranha pelo teu corpo.
Lembras-te das nossas mãos na água?
Lembras-te do silêncio sobre o campo
e, como um deus exangue, do novo dia
incendiando as torres, as pombas?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 11/10/2019

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Envío

¿Recuerdas todavía el débil canto
del ruiseñor perdido en la enramada?
Viste temblar conmigo aquella noche
la copa del ciprés.
       Desmadejó
el cielo hilos de luna por tu rostro.
Pero después del pájaro y la luna
se apagaron los astros.
       Vi pasar
no sé qué brisa extraña por tu cuerpo.
¿Recuerdas nuestras manos en el agua?
¿Recuerdas el silencio sobre el campo
y, como un dios sangrante, el nuevo día
incendiando las torres, las palomas?

Meira Delmar – Hóspede sem sombra

Nada deixam meus passos sobre a terra.
No momento do último passeio
hei de levar o que ao nascer me veio:
o rosto em paz e o coração em guerra.

Nenhuma voz repetirá a minha
de saudoso ardor e fiel espanto.
A voz estremecida com que canto
o mar, a rosa, a melancolia.

Não ressuscitará minha visão
da noite para a vida sempre ilesa,
a beber como um vinho a beleza
da iluminada e mágica amplidão.

Este sangue ébrio por formosura
não se tributará a outras veias.
Não tomarão, en passant, mãos alheias
a viva luz que em minhas mãos perdura.

Nem face que meu sonho mutilado
recolha e realize, triunfante.
Une o meu existir tempo presente
sem futuro depois do seu passado.

Conclusão de mim mesma, me rodeio
com o anel ofuscante do canto.
Inútil maré de paixão e pranto
Em mim naufraga o quanto vejo e creio.

Não lego minha solidão. Comigo
ela torna à orla do medo, ignota.
Meço em silêncio a última derrota.
Estremeço de dia. Mas não digo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 10/10/2019

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Huésped sin sombra

Nada deja mi paso por la tierra.
En el momento del callado viaje
he de llevar lo que al nacer me traje:
el rostro en paz y el corazón en guerra.

Ninguna voz repetirá la mía
de nostálgico ardor y fiel asombro.
La voz estremecida con que nombro
el mar, la rosa, la melancolía.

No volverán mis ojos renacidos
de la noche a la vida siempre ilesa,
a beber como un vino la belleza
de los mágicos cielos encendidos.

Esta sangre sedienta de hermosura
por otras venas no será cobrada.
No habrá manos que tomen, de pasada,
la viva antorcha que en mis manos dura.

Ni frente que mi sueño mutilado
recoja y cumpla victoriosamente.
Conjuga mi existir tiempo presente
sin futuro después de su pasado.

Término de mí misma, me rodeo
con el anillo cegador del canto.
Vana marea de pasión y llanto
en mí naufraga cuanto miro y creo.

A nadie doy mi soledad. Conmigo
vuelve a la orilla del pavor, ignota.
Mido en silencio la final derrota.
Tiemblo del día. Pero no lo digo.

Javier Salvago – No verso de uma velha fotografia

Os Beatles ainda não tinham surgido, ninguém havia abatido Che Guevara.

Nat King Cole cantava ansiedad de tenerte en mis brazos ou solamente una vez se entrega el alma.

e no cinema talvez exibissem Sete noivas para sete irmãos.

O comandante Armstrong ainda não havia deixado sua profana pegada no rosto esburacado da lua.

Os velhos seguiam contando histórias da guerra ao calor da fogueira.

Estavam longe o Vietnã, os hippies, a Primavera, Maio e esta discreta liberdade… para fazer o quê?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 05/09/2019

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Al dorso de una vieja fotografía

Todavía no habían llegado los Beatles, ni habían acribillado a Che Guevara.

Nat King Cole cantaba por la radio ansiedad de tenerte en mis brazos o solamente una vez se entrega el alma.

y en el cine tal vez ponían Siete novias para siete hermanos.

Todavía el comandante Armstrong no había dejado su profana huella sobre el picado rostro de la luna.

Todavía los viejos seguían contando historias de la guerra al calor de la lumbre.

Quedaban lejos Vietnam, los hippies, la Primavera, el Mayo y esta discreta libertad… ¿para hacer qué?

Joan Margarit – No álbum

És tu antes de partir,
quando ainda vivias em casa.
O olhar brilhante que nos recompensava.
Teu nome foi ficando para trás,
na foto de onde ainda nos sorris
como se tudo fosse para sempre
e nada tivesse acontecido em outro lugar,
nem no sorriso que hoje desconhecemos,
longe do que teu rosto exibe neste álbum.
Este sorriso, agora, é só para nós:
convive com cartas, bonecas e desenhos,
suvenires que desvelam a manhã
que entra pela tua varanda. Às vezes pronunciamos
teu nome de um jeito mais jovial, como antes.
Talvez assim continues aqui
e teu nome preserve as memórias mais fiéis
para seguir contigo ao nosso lado.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 02/09/2019

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En El Álbum

Eres tú antes de irte,
cuando vivías todavía en casa.
La mirada brillante que nos recompensó.
Tu nombre se nos fue quedando atrás,
en la fotografía donde aún nos sonríes
como si todo fuese para siempre
y nada sucediera en otro sitio,
ni en la sonrisa que hoy desconocemos,
lejos de la que tiene tu cara en este álbum.
Esta sonrisa, ahora, sólo es para nosotros:
convive con las cartas, muñecas y dibujos,
recuerdos que desvela la mañana
que entra por tu balcón. A veces pronunciamos
tu nombre de una forma más joven, como antes.
Quizá de esta manera continúas aquí
y tu nombre protege los recuerdos más fieles
para vivir contigo a nuestro lado.