Luis Alberto de Cuenca – Abre todas as Portas

Abre todas as portas, a que conduz ao ouro,
a que leva ao poder, a que esconde o mistério
do amor; a que oculta o segredo insondável
da felicidade, a que a vida te oferta
para sempre no gozo de uma visão sublime.
Abre todas as portas, sem te mostrares curioso,
nem dar importância às manchas de sangue
que salpicam as paredes das salas
proibidas, nem às jóias que revestem os tetos,
nem aos lábios que na sombra buscam os teus,
nem à palavra sagrada que intimida dos umbrais.
Desesperadamente, civilizadamente,
contendo o riso, secando as lágrimas,
nas bordas do mundo, no final da jornada,
não hesites, meu irmão: abre todas as portas.
Embora nada haja dentro.

Trad.: Nelson Santander

Luis Alberto de Cuenca – Abre todas las puertas

Abre todas las puertas: la que conduce al oro,
la que lleva al poder, la que esconde el misterio
del amor; la que oculta el secreto insondable
de la felicidad, la que te da la vida
para siempre en el gozo de una visión sublime.
Abre todas las puertas sin mostrarte curioso
ni prestar importancia a las manchas de sangre
que salpican los muros de las habitaciones
prohibidas, ni a las joyas que revisten los techos,
ni a los labios que buscan los tuyos en la sombra,
ni a la palabra santa que acecha en los umbrales.
Desesperadamente, civilizadamente,
conteniendo la risa, secándote las lágrimas,
en el borde del mundo, al final del camino,
oyendo cómo cantan los ruiseñores,
no lo dudes, hermano: abre todas las puertas.
Aunque nada haya dentro.

Ángel González – Todos vocês parecem felizes…

… e sorriem, às vezes, quando falam.
E até dizem uns aos outros
palavras de amor. Mas
amam-se
de dois em dois
para
odiar de mil
em mil. E guardam
toneladas de asco
por cada
milímetro de felicidade.
E parecem – nada
mais que parecem – felizes,
e falam
com o fim de ocultar essa amargura
inevitável, e quantas
vezes não o conseguem, como
não posso ocultá-la
por mais tempo: esta
desesperante, estéril, longa,
cega desolação por qualquer coisa
que – não sei para onde – lentamente, me arrasta.

Trad.: José Bento

César Cantoni – O Tempo Irreparável

Quem, então, poderia imaginar?
O certo é que meu pai está morto
como se nunca houvesse estado vivo.
Um dia gelaram suas mãos e os pés,
e a casa se encheu de parentes,
e minha mãe chorou, de joelhos, junto ao leito.
Ainda lembro.

Meu pai está morto ou já não existe,
e não é suficiente agora saber que ele foi feliz.
Neste silencioso amanhecer de outono,
enquanto a água borbulha na chaleira,
e o rádio informa as últimas catástrofes,
e eu cumpro o rito habitual de me barbear,
só uma coisa é real: sua ausência, que não cessa.

Trad.: Nelson Santander

César Cantoni – El Tiempo Irreparable

Quién iba, entonces, a pensarlo.
Lo cierto es que mi padre está muerto
como si nunca hubiese estado vivo.
Un día se le helaron las manos y los pies,
y la casa se llenó de parientes,
y mi madre lloró, de rodillas, junto al lecho.
Todavía lo recuerdo.

Mi padre está muerto o ya no está,
y no es suficiente ahora saber que fue feliz.
En este callado amanecer de otoño,
mientras el agua burbujea en la pava,
y la radio reporta las últimas catástrofes,
y yo cumplo con el rito habitual de afeitarme,
sólo una cosa es real: su ausencia, que no cesa.

Isabel Bono – O Futuro Acabará Chegando

perdemos tempo
ordenando em um álbum as fotos do verão
para olhá-las algum dia com nostalgia

guardamos bolinhas de gude pedras
livros cartas poemas

adiamos assim a felicidade, a vida

ainda não sei por quê
ainda não sei para quando

Trad.: Nelson Santander

Isabel Bono – El Futuro Acabará por Llegar

malgastábamos el tiempo
ordenando en un álbum las fotos del verano
para mirarlas alguna vez con nostalgia

acumulábamos canicas piedras
libros cartas poemas

aplazábamos así la felicidad, la vida

todavía no sé por qué
todavía no sé para cuándo

Jorge Luis Borges – A Chuva

A tarde subitamente clareou
Porque já cai a chuva minuciosa.
Ou caiu. A chuva é coisa curiosa
Que acontece no tempo que passou.

Quem a ouve cair já recobrou
O tempo em que a fortuna venturosa
Revelou-lhe uma flor chamada rosa
E a encarnada cor com que se corou.

Que esta chuva que já cega a vidraça
Em afastados arrabaldes faça
Feliz a vide que há muito cresceu

Num pátio que já não há. A chuvosa
Tarde traz-me a voz, querida voz: a
Do meu pai que volta e que não morreu.

Trad.: Marcelo Tápia

Jorge Luis Borges – La Lluvia

Bruscamente la tarde se ha aclarado
Porque ya cae la lluvia minuciosa.
Cae o cayó. La lluvia es una cosa
Que sin duda sucede en el pasado.

Quien la oye caer ha recobrado
El tiempo en que la suerte venturosa
Le reveló uma flor llamada rosa
Y el curioso color del colorado.

Esta lluvia que ciega los cristales
Alegrará en perdidos arrabales
Las negras uvas de una parra en cierto

Patio que ya no existe. La mojada
Tarde me trae la voz, la voz deseada,
De mi padre que vuelve y que no ha muerto.

César Cantoni – Álbum de Família

Morreu meu pai, morreram meus avós,
morreram meus tios de sangue e por afinidade.
Uma família inteira de ferreiros,
marceneiros, curtidores, pedreiros,
jaz agora sem forças embaixo da terra.

E eu, o mais inútil de todos,
o que não sabe fazer nada com as mãos,
logrei sobreviver impunemente
para chorar diante de uma foto
o melhor do meu sangue.

Trad.: Nelson Santander

 

César Cantoni – Album de Familia

Murió mi padre, murieron mis abuelos,
murieron mis tíos carnales y políticos.
Una familia entera de herreros,
ebanistas, curtidores, albañiles,
yace ahora sin fuerzas bajo tierra.

Y yo, el más inútil de todos,
el que no sabe hacer nada con las manos,
he logrado sobrevivir impunemente
para llorar delante de una foto
lo mejor de mi sangre.

Octavio Paz – Antes do Começo

Ruídos confusos, claridade incerta.
Outro dia começa.
Um quarto em penumbra
e dois corpos estendidos.
Em minha fronte me perco
numa planície vazia.
E as horas afiam suas navalhas.
Mas a meu lado tu respiras;
íntima e longínqua
fluis e não te moves.
Inacessível se te penso,
com os olhos te apalpo,
te vejo com as mãos.
Os sonhos nos separam
e o sangue nos reúne:
Somos um rio que pulsa.
Sob tuas pálpebras amadurece
a semente do sol.
O mundo
No entanto, não é real,
o tempo duvida:
Só uma coisa é certa,
o calor da tua pele.
Em tua respiração escuto
as marés do ser,
a sílaba esquecida do Começo.

Trad.: Antônio Moura

 

Octavio Paz – Antes del Comienzo

Ruidos confusos, claridad incierta
Otro día comienza.
Es un cuarto en penumbra
y dos cuerpos tendidos.
En mi frente me pierdo
por un llano sin nadie.
Ya las horas afilan sus navajas.
Pero a mi lado tú respiras;
entrañable y remota
fluyes y no te mueves.
Inaccesible si te pienso,
con los ojos te palpo,
te miro con las manos.
Los sueños nos separan
y la sangre nos junta:
somos un río de latidos.
Bajo tus párpados madura
la semilla del sol.
El mundo
no es real todavía,
el tiempo duda:
sólo es cierto
el calor de tu piel.
En tu respiración escucho
la marea del ser,
la sílaba olvidada del Comienzo.

Carlos Edmundo de Ory – Dá-me

dá-me algo mais que silêncio ou doçura
algo que tenhas e não saibas
não quero dádivas raras
dá-me uma pedra

não fiques imóvel fitando-me
como se quisesses dizer
que há muitas coisas mudas
ocultas no que se diz

dá-me algo lento e fino
como uma faca nas costas
e se nada tens para dar-me
dá-me tudo o que te falta!

Trad.: Helberto Helder

 

Carlos Edmundo de Ory – Dame

Dame algo más que silencio o dulzura
Algo que tengas y no sepas
No quiero regalos exquisitos
Dame una piedra

No te quedes quieto mirándome
como si quisieras decirme
que hay demasiadas cosas mudas
debajo de lo que se dice

Dame algo lento y delgado
como un cuchillo por la espalda
Y si no tienes nada que darme
¡dame todo lo que te falta!

César Cantoni – O mais digno em nós

Eu sempre pensei que os ossos, com seu brilho mineral
de pedra polida pela chuva, são o que há de mais digno em nós:
sobrevivem largamente à putrefação indecorosa da carne
e não têm a malícia nem a maldade da alma.

Trad.: Nelson Santander

 

César Cantoni – Lo más digno de nosotros

Siempre pensé que los huesos, con su destello mineral
de piedra pulida por la lluvia, son lo más digno de nosotros:
sobreviven largamente a la putrefacción indecorosa de la carne
y no tienen la astucia ni la maldad del alma.

Mario Benedetti – Angelus

Quem me diria que o destino era isso

Vejo a chuva através de letras invertidas
Uma parede com manchas que parecem homens
Os tetos dos ônibus brilhantes como peixes
E essa melancolia que impregna as buzinas

Aqui não há céu,
Aqui não há horizonte.

Há uma mesa grande para todos os braços
E uma cadeira que gira quando quero fugir.
Outro dia que se vai e o destino era isso.

É raro alguém ter tempo de se sentir triste:
Sempre surge uma ordem, um telefonema, uma campanhia
E claro, é proibido chorar sobre os livros
Porque não pega bem borrar a tinta.

Trad.: Nelson Santander

 

Mario Benedetti – Angelus

Quién me iba a decir que el destino era esto

Ver la lluvia a través de letras invertidas,
Un paredón con manchas que parecen prohombres,
El techo de los ómnibus brillantes como peces
Y esa melancolía que impregna las bocinas.

Aquí no hay cielo,
Aquí no hay horizonte.

Hay una mesa grande para todos los brazos
Y una silla que gira cuando quiero escaparme.
Otro día se acaba y el destino era esto.

Es raro que uno tenga tiempo de verse triste:
Siempre suena una orden, un teléfono, un timbre,
Y claro, está prohibido llorar sobre los libros
Porque no queda bien que la tinta se corra.