Mario Benedetti – Angelus

Quem me diria que o destino era isso

Vejo a chuva através de letras invertidas
Uma parede com manchas que parecem homens
Os tetos dos ônibus brilhantes como peixes
E essa melancolia que impregna as buzinas

Aqui não há céu,
Aqui não há horizonte.

Há uma mesa grande para todos os braços
E uma cadeira que gira quando quero fugir.
Outro dia que se vai e o destino era isso.

É raro alguém ter tempo de se sentir triste:
Sempre surge uma ordem, um telefonema, uma campanhia
E claro, é proibido chorar sobre os livros
Porque não pega bem borrar a tinta.

Trad.: Nelson Santander

 

Mario Benedetti – Angelus

Quién me iba a decir que el destino era esto

Ver la lluvia a través de letras invertidas,
Un paredón con manchas que parecen prohombres,
El techo de los ómnibus brillantes como peces
Y esa melancolía que impregna las bocinas.

Aquí no hay cielo,
Aquí no hay horizonte.

Hay una mesa grande para todos los brazos
Y una silla que gira cuando quiero escaparme.
Otro día se acaba y el destino era esto.

Es raro que uno tenga tiempo de verse triste:
Siempre suena una orden, un teléfono, un timbre,
Y claro, está prohibido llorar sobre los libros
Porque no queda bien que la tinta se corra.

Miquel Martí i Pol – No ano que vem

No ano que vem já ninguém reparará em nós.
Agora somos recém-chegados e fitam-nos com desprezo
até mesmo os que andam por cá há quarenta anos
e já nada os muda.
Temos um ar aturdido e tenaz
que faz rir as mulheres
e quase nem nos atrevemos a mexer a cabeça
por temor a perder o equilíbrio.

Daqui a um ano, porém, já teremos mudado de pele,
envergaremos a roupa com mais desenvoltura,
perseguiremos as raparigas
e teremos aprendido a dizer palavras duras
sem que sintamos as pernas a tremer.
Chegará então o momento de esperar os outros,
os recém-chegados do turno de entrar no jogo
e faremos parte, já para sempre, do bando que odiávamos,
será o momento de ensaiar formas novas
de ganhar o fôlego de uma gargalhada
de estúpida cumplicidade
ou talvez uma ruidosa blasfémia de surpresa.

E envelheceremos depressa,
pois nada cansa tanto quanto conquistar
em só um ano tudo aquilo que almejávamos.

Trad.: Miguel Filipe Mochila

 

Miquel Martí i Pol – El año que viene ya nadie se fijará en nosotros…

El año que viene ya nadie se fijará en nosotros.
Ahora somos recién llegados y nos miran con desprecio
hasta los que llevan aquí cuarenta años
y nada les altera.
Tenemos un aire aturdido y tenaz
que hace reír a las mujeres
y apenas si nos atrevemos a girar la cabeza
por temor a perder el equilibrio.

De aquí en un año, sin embargo, habremos mudado la piel,
llevaremos la ropa con más desenvoltura,
perseguiremos a las chicas
y tendremos que decir palabras duras
sin sentir que nos tiemblan las piernas.
Será entonces el momento de esperar a los otros,
a los recién llegados con turno de entrar en el juego
formando parte ya para siempre del bando que odiábamos
el momento de intentar formas nuevas
de ganarse el halago con una risotada
en estúpida complicidad,
o tal vez una ruidosa blasfemia de sorpresa.

Y envejeceremos deprisa,
porque nada cansa tanto como lograr
en un solo año todo lo que anhelábamos.

César Cantoni – Uma Arte Invisível

O poeta caminha
nu pelas ruas,
mas ninguém o vê.

O poeta vai ao cinema,
desvia de putas,
anda de ônibus,
sempre nu,
mas as pessoas
olham para outro lado.

O poeta não tem meios
de chamar a atenção
porque a poesia
é uma arte invisível.

A poesia se escreve
sem palavras.

Trad.: Nelson Santander

 

César Cantoni – Un arte invisible

El poeta camina
desnudo por la calle,
pero la gente no lo ve.

El poeta va al cine,
sale de putas,
viaja en colectivo,
siempre desnudo,
pero la gente
mira para otro lado.

El poeta no tiene modo
de llamar la atención,
porque la poesía
es un arte invisible.

La poesía se escribe
sin palabras.

Amalia Bautista – O Anjo Perplexo

Nunca houve deus, nem virgens, nem santos,
nem ídolo que proteja, nem oração que console;
nunca houve milagres ou maravilhas, nem a salvação da alma, nem a vida eterna;
nem palavras mágicas, nenhum bálsamo eficaz
contra a dor que não desaparece nunca;
nem luz do outro lado das sombras,
nem saída do túnel, nem esperança.
Só nos acompanha nesta jornada
um anjo da guarda perplexo que suporta
a mesma vida de cão que todos levamos.

Trad.: Nelson Santander

Amalia Bautista – El Ángel Perplejo

Nunca hubo dios, ni vírgenes, ni santos,
ni icono que proteja, ni oración que consuele;
nuca ha habido milagros o prodigios,
ni salvación del alma o vida eterna;
ni mágicas palabras, ni bálsamo efectivo
contra el dolor que no remite nunca;
ni luz al otro lado de las sombras,
ni salida del túnel, ni esperanza.
Sólo nos acompaña en esta travesía
un ángel de la guarda perplejo que soporta
la misma vida perra que nosotros.

Amalia Bautista – Agora

Agora que a estrada que devo percorrer
é um viaduto por sobre uma rodovia
do qual dá medo de olhar, porque o abismo
implacável me chama.
Agora que morreu a esperança
como um pássaro jogado de seu ninho
por irmãos mais fortes.
Agora que é noite todo dia,
inverno todo ano
e as semanas só têm segundas-feiras,
para onde olhar, para onde voltar os olhos,
que não encontrem os olhos da morte?

Trad.: Nelson Santander

Ahora

Ahora que el camino que debo recorrer
es un paso elevado sobre una carretera
que da miedo mirar, porque el abismo
implacable me llama.
Ahora que se ha muerto la esperanza
como un pájaro echado de su nido
por hermanos más fuertes.
Ahora que es de noche todo el día,
invierno todo el año
y las semanas sólo tienen lunes,
¿dónde mirar, dónde volver los ojos,
que no encuentre los ojos de la muerte?

Amalia Bautista – O que fazes aqui

Pensei que havia-te dito adeus,
um adeus definitivo, ao deitar-me
quando pude finalmente fechar meus olhos
e esquecer-me de ti e de tuas artimanhas
de tua insistência, de tua baba ruim,
da tua capacidade de anular-me.
Pensei que havia-te dito adeus
para todo o sempre, e eu acordo
e te encontro novamente junto a mim,
dentro de mim, me envolvendo, ao meu lado,
invadindo-me, sufocando-me, diante
dos meus olhos, na minha vida
à minha sombra, nas minhas entranhas,
em cada pulso do meu sangue, entrando
pelo meu nariz quando eu respiro, espiando
por minhas pupilas, ateando fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora, o que eu faço? Como poderia
banir-te de mim ou acostumar-me
a viver contigo? Comecemos
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.

Trad.: Nelson Santander

Amalia Bautista – Qué haces aquí

Crei que te había dicho adiós,
un adiós contundente, al acostarme
cuando pude por fin cerrar los ojos
y olvidarme de tí y de tus argucias
de tu insistencia, de tu mala baba,
de tu capacidad para anularme.
Creí que te había dicho adiós
del todo y para siempre, y me despierto
y te encuentro denuevo junto a mi,
dentro de mi, abarcándome, a mi vera,
invadiendome, ahogandome, delante
de mis ojos, enfrente en mi vida
debajo de mi sombra, en mis entrañas,
en cada pulso de mi sangre, entrando
por mi nariz cuando respiro, viendo
por mis pupilas, arrojando fuego
en las palabras que mi boca dice.
Y ahora ¿que hago yo? ¿como podría
desterrarte de mi o acostumbrarme
a convivir contigo? empezaremos
por demostrar modales impecables.
Buenos dias, tristeza.

Anne Sexton – Frágil Fio

Minha fé
é um grande peso
suspenso por um frágil fio,
como a aranha
suspende seu bebê em uma fina teia,
como a videira,
galhos finos e madeira,
sustenta as uvas
como globos oculares,
como muitos anjos
dançam na cabeça de um alfinete.

Deus não precisa
de muito fio para manter-Se lá,
apenas uma veia fina,
com o sangue pulsando,
e um pouco de amor.
Como já se disse:
O amor e a tosse
não podem ser disfarçados.
Nem mesmo uma pequena tosse.
Nem mesmo um pequeno amor.
Então, se você tiver apenas um fino fio,
Deus não se importa.
Ele penetrará em suas mãos
tão facilmente quanto dez centavos costumavam
pagar uma Coca.

Trad.: Nelson Santander

Anne Sexton – Small Wire

My faith
is a great weight
hung on a small wire,
as doth the spider
hang her baby on a thin web,
as doth the vine,
twiggy and wooden,
hold up grapes
like eyeballs,
as many angels
dance on the head of a pin.

God does not need
too much wire to keep Him there,
just a thin vein,
with blood pushing back and forth in it,
and some love.
As it has been said:
Love and a cough
cannot be concealed.
Even a small cough.
Even a small love.
So if you have only a thin wire,
God does not mind.
He will enter your hands
as easily as ten cents used to
bring forth a Coke.

Petrarca – Soneto CXXXIII (“O Amor me Assinalou com sua Seta”)

O amor me assinalou com sua seta,
como a neve ao sol, como a cera ao fogo,
como névoa ao vento; e já estou rouco,
dama, de humilhar-me, feito um pateta.

De teus olhos o golpe mortal veio,
contra o qual tempo e espaço nada são;
Vêm de ti, e vês como diversão,
o sol, o fogo e o vento aos quais me atenho.

O pensar me flecha, me cresta o sol,
o desejo queima: com essas armas
o amor fere, me cega e me aniquila;

e sua voz e canto angelical,
e a doce alma com que me desarmas,
são o ar do qual minha vida se exila.

Trad.: Nelson Santander

Petrarca – Soneto CXXXIII

Amor m’à posto come segno a strale,
come al sol neve, come cera al foco,
et come nebbia al vento; et son già roco,
donna, mercé chiamando, et voi non cale.

Dagli occhi vostri uscío ‘l colpo mortale,
contra cui non mi val tempo né loco;
da voi sola procede, et parvi un gioco,
il sole e ‘l foco e ‘l vento ond’io son tale.

I pensier’ son saette, e ‘l viso un sole,
e ‘l desir foco: e ‘nseme con quest’arme
mi punge Amor, m’abbaglia et mi distrugge;

et l’angelico canto et le parole,
col dolce spirto ond’io non posso aitarme,
son l’aura inanzi a cui mia vita fugge.

Pedro Salinas – de “Presságios”

41

Estas frases de amor que se repetem tanto
não são nunca as mesmas.
Todas tem idêntico som,
mas uma vida anima cada uma,
virgem e só, se é que a percebes.
E não te canses nunca
de repetir as palavras iguais:
sentirás a emoção que sente a alma
ao ver nascer a estrela primeira
e ao ver que ela se multiplica, conforme a noite avança,
em outras estrelinhas
de brilho diverso e de alma única.
E assim, ao repetires esta
simples frase de amor, vão-se fixando
infinitas estrelas em teu peito:
um mesmo sol empresta luz a todas,
o sol distante que virá amanhã
quando cessarem as estrelas e as palavras.

Trad.: Nelson Santander

Pedro Salinas – “Presagios”

41

Estas frases de amor que se repiten tanto
no son nunca las mismas.
idéntico sonido tienen todas,
pero una vida anima a cada una,
virgen y sola, si es que la percibes.
Y no te canses nunca
de repetir las palabras iguales:
sentirás la emoción que siente el alma
al ver nacer a la estrella primera
y al mirar que se copia, según la noche avanza,
en otras estrellitas
de distinto brillar y de alma única.
Y así al repetir esta
simple frase de amor se van prendiendo
infinitas estrellas en el pecho:
un mismo sol les presta luz a todas,
el sol lejano que vendrá mañana
cuando cesen estrellas y palabras.

Nicanor Parra – Perguntas e Respostas

então, tu achas que vale
a pena assassinar deus
se o mundo puder ser salvo?

– é claro que vale a pena

e vale a pena arriscar
a vida por uma ideia
que pode resultar falsa?

– é claro que vale a pena

pergunto se valerá
a pena comer siri
se vale a pena criar
filhos que se voltarão
contra os seus progenitores?

– é evidente que sim
que não

e que vale a pena

– pergunto se valerá
a pena tocar um disco
a pena ler uma árvore
a pena plantar um livro
se tudo desaparece
se nada perdurará

– talvez não valha a pena
– não chores

– estou sorrindo

– não nasça

– estou morrendo

Trad.: Nelson Santander

 

 

Nicanor Parra – Preguntas y Respuestas

¿qué te parece valdrá
la pena matar a dios
a ver si se arregla el mundo?

-claro que vale la pena

-¿valdrá la pena jugarse
la vida por una idea
que puede resultar falsa?

-claro que vale la pena

-¿pregunto yo si valdrá
la pena comer centolla
valdrá la pena criar
hijos que se volverán
en contra de sus mayores?

-es evidente que sí
que nó

que vale la pena

-Pregunto yo si valdrá
la pena poner un disco
la pena leer un árbol
la pena plantar un libro
si todo se desvanece
si nada perdurará

-tal vez no valga la pena

-no llores

-estoy riendo

-no nazcas

-estoy muriendo