Joan Margarit – Pai e filha

Diante das janelas que se abrem para o pátio
ele adormeceu na poltrona,
ao lado do sofá onde ela descansava.
O jovem rosto
que a morfina havia endurecido,
tinha aos poucos deixado seu sorriso
no ontem que guardam os retratos.
À noite, ele a carregou para o quarto,
colocou-a para dormir e fechou as persianas.

E se deu conta, diante do sofá vazio,
de que não tinha,
de que nunca teria
lembranças suficientes para fingir a vida.

Trad.: Nelson Santander

PADRE E HIJA

Ante los ventanales que se abren al patio
él se dormía en la butaca,
junto al sofá donde ella descansaba.
El joven rostro
que la morfina había endurecido,
había ido dejando su sonrisa
en el ayer que guardan los retratos.
De noche la subía al dormitorio,
la acostaba y cerraba los postigos.

Se daba cuenta, ante el sofá sin nadie,
de que no le quedaban,
de que nunca le iban a quedar
suficientes recuerdos para fingir la vida.

Joan Margarit – Metrô Fontana

Começava a noite nas estreitas
ruas de Gràcia, todas com as luzes
de natal mesclando-se à multidão.
Dos bares repletos nos chegavam
as vozes altas e alegres dos rapazes e das moças.
Cercavam-nos sorridentes os casacos,
os faróis e flashes de luz do comércio,
os casais fugazes em suas motos
com os rostos ocultos pelo capacete.
Via Joana por toda parte:
surgia por toda parte o olhar
do corpo deformado
no qual aprendi o que era a beleza.
Espelhos da noite refletiam
o seu sorriso, o mesmo que se espalhou
por trinta anos em torno de nós.
E perguntei: O que fazes aqui, Joana?
E seu eco respondeu: afasto-me
para romper-vos outra vez a vida.

Trad.: Nelson Santander

METRO FONTANA

Comenzaba la noche en las estrechas
calles de Gracia, todas con las luces
de Navidad mezclándose al gentío.
De los bares repletos nos llegaban
altas y alegres voces de los chicos y chicas.
Nos cercaban sonrientes los abrigos,
farolas y destellos de luz de los comercios,
las fugaces parejas en las motos
con los rostros ocultos por el casco.
Veía en todas partes a Joana:
surgía en todas partes la mirada
del cuerpo contrahecho
donde aprendí qué era la belleza.
Espejos de la noche reflejaban
su sonrisa, la misma que extendió
treinta años en torno de nosotros.
Y pregunté: ¿Qué haces aquí, Joana?
Y su eco contestó: Me alejo
para romperos otra vez la vida.

Joan Margarit – Manhã de domingo com a música de Lluís Claret

Na hospitalidade do sol de inverno
de domingos passados,
estávamos muito tristes com o que desconhecias.
Já os aplausos — como gostavas,
tão séria, dos aplausos — cediam
à peça solene de Berlioz.
A viola — nunca o saberás — já era
a voz acolhedora da Morte.

Lluís subiu ao palco com
seu violoncelo. Não tarda o ouviremos
tocar a «Aria pastoral» de Bach
para dizer-te adeus no Montjuïc.
Para saber para onde vais,
seguiremos o rastro da música.

Trad.: Nelson Santander

MAÑANA DE DOMINGO CON MÚSICA DE LLUÍS CLARET

En la hospitalidad del sol de invierno
de domingos pasados,
estábamos muy tristes por lo que no sabías.
Ya los aplausos —cómo te gustaban,
tan seria, los aplausos— daban paso
a la solemne pieza de Berlioz.
La viola —nunca lo sabrás— ya era
la voz de bienvenida de la Muerte.

Ha salido Lluís al escenario
con el violoncelo. Le oiremos pronto
tocar el «Aria pastoral» de Bach
para decirte adiós en Montjuïc.
Para saber a dónde vas,
seguiremos el rastro de la música.

Joan Margarit – Às quatro da madrugada

Uiva o primeiro cão, e imediatamente
há um eco em um pátio, outros ressoam
ao mesmo tempo em um único latido,
acerbo, sem ritmo nenhum.
Ladram com seus focinhos levantados.
Oh, cães, de onde viestes?
Que manhã me evoca vossa noturna queixa?
Ouço como acossais o sonho de minha filha
de vosso catre, em meio aos excrementos
com os quais demarcastes um território
de becos, pátios, descampados.
Tal como venho fazendo
com meus poemas, de onde uivo
e demarco o território da morte.

Trad.: Nelson Santander

LAS CUATRO DE LA MADRUGADA

Aúlla el primer perro, y enseguida
hay un eco en un patio, otros resuenan
a la vez en un único ladrido,
bronco, sin ritmo alguno.
Ladran con sus hocicos levantados.
Oh, perros, ¿desde dónde habéis venido?
¿Qué mañana me evoca vuestra nocturna queja?
Oigo cómo acosáis al sueño de mi hija
desde vuestro jergón, entre excrementos
con los que habéis marcado un territorio
de callejones, patios, descampados.
Tal como vengo haciendo
con mis poemas, desde donde aúllo
y marco el territorio de la muerte.

Joan Margarit – Luzes de natal em Sant Just

I
Lâmpadas tremeluzentes se iluminam
como as lágrimas de alguém nas ruas.
Encontro nosso pátio cinza e frio
sob este céu lilás do crepúsculo
onde se desenham, negro e fino estampado,
à contraluz, as folhas do loureiro.
E tua mãe me diz:
Tu e eu, algumas vezes, perdemos tudo.
Tremeluzentes, as luzes nas ruas:
todas se apagaram, de repente, por ti.

II
Hoje todas as cores das histórias
— como o verde dos juncos à beira do rio
e nuvens refletindo-se na água —
reluzem nos olhos de Joana.
Começou a chover:
pelo pátio se movem as figuras
do natal passado.
Vejo como Joana ri até que, de repente,
ela se volta para mim, me olha
e então eu percebo que é uma recordação,
que por isso a chuva a atravessa.

Trad.: Nelson Santander

LUCES DE NAVIDAD EN SANT JUST

I
Temblorosas bombillas se iluminan
como lágrimas de alguien en las calles.
Encuentro nuestro patio gris y frío
bajo este cielo lila del crepúsculo
en donde se dibujan, negro y fino estampado,
a contraluz, las hojas del laurel.
Y tu madre me dice:
Tú y yo, a veces, lo perdemos todo.
Temblorosas, las luces en las calles:
todas se han apagado, de repente, por ti.

II
Hoy todos los colores de los cuentos
—como un verde de cañas junto al río
y nubes reflejándose en el agua—
relucen en los ojos de Joana.
Ha empezado a llover:
por el patio se mueven las figuras
de la pasada Navidad.
Veo cómo Joana ríe hasta que, de pronto,
se vuelve hacia mí, me mira
y entonces puedo ver que es un recuerdo,
que por eso la lluvia la atraviesa.

Joan Margarit – Amanhecer em Cádiz

Em frente ao hotel, o mar enevoado.
As longas linhas da espuma cinza
desenham uma barreira de recife
diante da balaustrada da praia.
Ouvi teu nome pronunciado na língua
do mar. E ele diz que estás partindo.

Repetem-no as negras, solitárias cegonhas
que em silêncio planam sobre a água.
Nunca saberei o que sabes tu de mim,
ou em que verdade estivemos juntos,
ou se nela estaremos para sempre.
Não pode ser uma dor ruim
se é uma dor que vem de ti
por este mar turvo. Dezembro:
o último dezembro juntos.
Depois, buscar em mim tua voz perdida.

Trad.: Nelson Santander

EL ALBA EN CÁDIZ

Delante del hotel, el mar brumoso.
Las largas líneas de la espuma gris
dibujan una barra de arrecife
ante la balaustrada de la playa.
He oído tu nombre pronunciado
en la lengua del mar. Y dice que te vas.

Lo repiten las negras, solitarias cigüeñas
que en silencio planean sobre el agua.
Nunca sabré qué sabes tú de mí,
ni en qué verdad hemos estado juntos,
ni si en ella estaremos para siempre.
No puede ser un mal dolor
si es un dolor que viene desde ti
por este turbio mar. Diciembre:
el último diciembre juntos.
Después, buscar en mí tu voz perdida.

Joan Margarit – Riera Pahissa

RIERA PAHISSA

[…] why abandon a belief merely because it ceases to be true?
ROBERT FROST

Deixava-te na entrada da escola,
em frente ao estreito portão daquele muro
que, encerrando a horta de um convento,
seguia o leito seco de um riacho.
Por uma pequena ponte de ferro com tábuas
cruzava-se a ravina sobre o brilho
de algumas poucas poças como lágrimas.
Na rua de terra em frente à ponte
um marmorista tinha sua oficina:
recebia-nos, debaixo do pó cinza,
uma fileira de peças encostadas
na parede, como se fosse um pedestal.
Atravessavas, as muletas soando nas tábuas
e, já na porta, antes de cruzar o muro,
detinhas-te para sorrir para mim.

Amava aquele lugar desmitificado:
sua solidez fora, um dia, espiritual
e, talvez, aquela fosse a evangélica
porta estreita de um mundo
mais duro, mas mais esperançoso.
Sobre o chão de cimento, na grade
da rua de terra, alguém coberto
pelo pó de mármore da oficina
deixava pão molhado para os pardais.
Costumávamos parar para vê-los:
não se assustavam, sempre buliçosos
entre as migalhas na grade,
enquanto o primeiro sol estruturava o dia.
A palavra feliz vem à minha mente
por aquelas manhãs em que, no carro,
ficava esperando até que tu
me dizias adeus com uma mão,
enquanto a outra, com dificuldade,
agarrava as muletas.

Tua despedida, agora, é para sempre,
já não poderás nunca mais entrar nem sair.
Essa fé, hoje devo abandoná-la
só porque deixou de ser verdade?
Não posso estar contigo só porque não estás?
É inverno outra vez, começa o dia.
Por cima do muro do convento,
o sol coloriu de vermelho os mais altos
ramos desfolhados das bananeiras.

Lembro-me de um conto de fadas
no qual uma donzela era enclausurada
atrás de um muro sem portas, contra a qual
se chocou o desespero do cavaleiro.
Isso deve ser o que eu nunca consegui
encarar de frente, e só me salva
a suave inclinação de uma luz do passado.

Vi-te nascer: depois, viver radiante.
Talvez seja porque estou vendo-te morrer.
Ou talvez seja mais do que isso: o ar claro e frio
das manhãs à medida que envelheço
levanta um muro sem nenhuma porta.
Um muro que ilumina
o sol de teu sorriso já sem rosto.

Trad.: Nelson Santander

RIERA PAHISSA

[…] why abandon a belief merely because it ceases to be true?
ROBERT FROST

Te dejaba a la entrada de la escuela,
ante la estrecha puerta de aquel muro
que, encerrando la huerta de un convento,
seguía el cauce seco de la riera.
Por un pequeño puente de hierro con tablones
se cruzaba el barranco sobre el brillo
de algunos pocos charcos como lágrimas.
En la calle de tierra frente al puente
tenía su taller un marmolista:
nos recibía, bajo el polvo gris,
una hilera de piezas reclinadas
en la pared, como si fuese un zócalo.
Cruzabas, las muletas sonaban en las tablas
y, ya en la puerta, sin cruzar el muro,
te detenías para sonreírme.

Amaba aquel lugar desangelado:
su solidez fue, un día, espiritual
y, quizá, aquella era la evangélica
puerta estrecha de un mundo
más duro, pero más esperanzado.
Encima del cemento, en la baranda
de la calle de tierra, alguien cubierto
por el polvo de mármol del taller
dejaba pan mojado a los gorriones.
Nosotros nos parábamos a verlos:
no se asustaban, siempre bulliciosos
entre las migas sobre la baranda,
mientras el primer sol estructuraba el día.
La palabra feliz viene a mi mente
desde aquellas mañanas que, en el coche,
me quedaba aguardando hasta que tú
me decías adiós con una mano,
mientras la otra, con dificultad,
asía las muletas.

Tu despedida, ahora, es para siempre,
ya no podrás entrar ni salir nunca.
Aquella fe, ¿hoy debo abandonarla
sólo porque dejó de ser verdad?
¿No podré estar contigo sólo porque no estés?
Es invierno otra vez, comienza el día.
Por encima del muro del convento,
el sol ha enrojecido las más altas
de las ramas sin hojas de los plátanos.

Tengo presente un cuento de la infancia
en el que a una doncella la encerraban
tras un muro sin puertas, contra el que se estrelló
la desesperación del caballero.
Esto debe de ser lo que nunca he podido
mirar de frente, y me salva sólo
el suave sesgo de una luz pasada.

Te vi nacer: después, vivir radiante.
Quizá es porque te estoy viendo morir.
O quizá son más cosas: el aire claro y frío
de las mañanas mientras me hago viejo
levanta un muro sin ninguna puerta.
Un muro que ilumina
el sol de tu sonrisa ya sin rostro.

Joan Margarit – Não há milagres

Chovia preguiçosamente.
Dezenove de outubro, nove da noite.
Joana foi assustada para a sala de cirurgia
em nossa companhia.
Quando entrou, ficamos esperando
na sala mal iluminada ao lado dos elevadores.
Contam que, em uma tentativa
de se salvar, ela disse um eu te amo ao cirurgião.
Acreditávamos que uma fada poderia nos devolver
Joana, calma, como sempre,
com seus confiantes olhos cintilantes.
Às onze, observamos
as gotas de chuva na vidraça
como se escorressem pela noite.
A noite era a lâmina de uma foice.

Trad.: Nelson Santander

NO HAY MILAGROS

Llovía con desidia.
Diecinueve de octubre, las nueve de la noche.
Joana iba asustada hacia el quirófano
en nuestra compañía.
Cuando entró nos quedamos a esperar
en la salita mal iluminada junto a los ascensores.
Cuentan que en un intento
de salvarse le dijo te quiero al cirujano.
Creíamos que un hada podría devolvernos
a Joana, tranquila, la de siempre,
con sus confiados ojos centelleantes.
A las once, mirábamos
las gotas de la lluvia en el cristal
como si resbalaran por la noche.
La noche era una hoja de guadaña.

Joan Margarit – Enquanto tu dormes

Na praça tomada pela chuva
observo a alta janela iluminada
que não quero perder: não hei de render-me
à condenação da vida.
Este lugar não mais pertence à cidade:
uma praça vazia com a luz
do hospital refletindo nas poças.
As portas automáticas
se abrem de vez em quando e dão lugar
a uma obscura figura corriqueira.
Muletas cruzam, invisíveis, a rua
e se aproximam de um carro, o nosso,
o que nos levará sob a chuva
até o silêncio da dor futura.
Teu calor efêmero.
Triste felicidade a desta paz
enquanto me lembro que tu e eu tivemos
manhãs que retinham nossos olhos.
Apavorava-me tanto
deixar-te sozinha um dia.
Por mais fraca e pequena que seja
a janela iluminada na noite,
esta é a minha consolação:
não haverá maior desamparo do que o meu.

Trad.: Nelson Santander

MIENTRAS TÚ DUERMES

En la plaza tomada por la lluvia
miro la alta ventana iluminada
que no quiero perder: no he de rendirme
a la condena de la vida.
Este lugar ya no es de la ciudad:
una plaza sin nadie con la luz
de hospital reflejándose en los charcos.
Las puertas automáticas
se abren de vez en cuando y dejan paso
a una oscura figura rutinaria.
Unas muletas cruzan, invisibles, la calle
y se acercan a uno de los coches, el nuestro,
el que nos llevará bajo la lluvia
hacia el silencio del dolor futuro.
Tu calidez efímera.
Triste felicidad la de esta paz
mientras recuerdo que tú y yo teníamos
mañanas que guardaban nuestros ojos.
Me daba tanto miedo
dejarte sola un día.
Por débil y pequeña que en la noche
llegue a ser la ventana iluminada,
éste es mi consuelo:
no habrá más desamparo ya que el mío.

Pere Rovira – Oração para J. M. R.

Música do amor, que te escondes
em lugares escuros, doces, como rosas do jazz,
ilumina o dia azul, espalha-te sob os pinheiros
e faz brilhar as flores, as paredes e a terra.
Sê aquela água secreta que esperávamos,
e, por um momento, devolve-nos
a eterna criança que hoje abandonamos
em poços invisíveis.
Um pouco de um instante, para que nos ajude
a não chorar de medo e de vergonha
sentindo seu mistério de bondade.
Dá-nos, música de ouro, lágrimas tão puras
quanto a vida que enterraremos hoje.
Música sagrada, faz-lhe companhia,
tu que vens do outro mundo para o nosso,
tu que já sabes como é o seu silêncio.

Pere Rovira (5 de junio de 2001)

ORACIÓN PARA J. M. R.

Música del amor, que te escondías
en sitios negros, dulces, como rosas del jazz,
enciende el día azul, extiéndete debajo de los pinos
y haz que brillen las flores, los muros y la tierra.
Sé aquella agua secreta que esperaba,
y, un instante, devuélvenos
la niña eterna que hoy abandonamos
en pozos invisibles.
Un poco de un instante, para que nos ayude
a no llorar de miedo y de vergüenza
sintiendo su misterio de bondad.
Danos, música de oro, unas lágrimas limpias
como la vida que hoy enterraremos.
Música santa, hazle compañía,
tú que vienes del otro mundo al nuestro,
tú que ya sabes cómo es su silencio.

Pere Rovira (5 de junio de 2001)