Andrew Marvell – To His Coy Mistress, em 5 traduções

PARA SUA DAMA RECATADA
trad. Matheus “Mavericco”

Houvesse tempo e espaço e então de fato
Não seria um delito este recato.
Sentados, nós iríamos pensar
Em só pensar no outro, e assim passar.
Você, do lado indígena do Ganges,
Achando rubis, e eu, pois me confrange
A dor, junto ao Humber. Décadas antes
Do Dilúvio eu te juro amor, e, instantes
Depois, se quiser, negue os votos meus
Até que se convertam os judeus.
Meu amor vegetal cresce mais vasto,
Embora mais lento, que impérios; gasto
Séculos em louvor de tua face
E mais dois longos séculos em face
De teus seios e trinta mil se quero
O corpo inteiro. Uma era de esmero
Pra cada parte, até que a derradeira
Sirva pra revelar tua alma inteira.
Pois você, ó Senhora, é digna disto ―
E eu não sei amar por menos que isto.

Contudo, escuto sempre atrás de mim
O Tempo alado a toda pressa: e, assim,
Nós só podemos ver, mais adiante,
A vastidão deserta do incessante
E a graça que você tem hoje, extinta.
No teu fosso marmóreo é indistinta
Minha canção que ecoa; o verme tenta
Romper teu corpo virgem e fragmenta
Em pó a tua honra imensa, enquanto
Meu ardor queima em cinzas. Se o recanto
Da sepultura é íntimo, então, acho,
Ninguém lá deve dar algum abraço.

Mas agora, o vigor juvenil posto
Tal como o orvalho fresco no teu rosto,
Tua alma desejosa de que sue
Em cada poro o fogo que a imiscui,
Devoremos nós dois juntos, e agora,
Como um casal de abutres que se adora,
O tempo antes que o tempo venha a ser
O nosso algoz, voraz o seu poder.
Enovelemos rapidez e força
Num globo, para que depois se torça
E abata o nosso anseio em árdua lida
Diante dos portões de aço da vida:
Assim, se o sol não puder ser parado,
Ele será ao menos apressado.

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À SUA AMIGA ESQUIVA
trad. Nelson Ascher

Sobrassem mundo e tempo, não seria
tanta esquivez, senhora, uma heresia.
Sentar-nos-íamos pensando, a cada
longo dia de amor, uma jornada.
Enquanto junto ao Ganges encontrasses
rubis, eu molharia minhas faces
chorando ao Humber. Fosse minha parte
dez anos antes do Dilúvio amar-te,
seria a tua opor desinteresse
até que o povo hebreu se convertesse.
Meu amor vegetal, mais devagar
que impérios, cresceria sem parar.
Dedicaria cem anos, perante
teus olhos, a louvar o teu semblante;
A te adorar os seios, pelo menos
O dobro; ao resto, mais trinta milênios;
E, a tudo em ti, mil eras, de maneira
A abrir teu coração na derradeira.
Porque, senhora, vales tal quantia
E, para amar-te, eu não regatearia.

Mas ouço atrás de mim, correndo insanos
num carro alado, os dias, meses, anos.
E, frente a nós, se estende sem mais nada
A vasta eternidade desolada.
Tua beleza há de perder-se ao léu;
tampouco, em teu marmóreo mausoléu,
hão de ecoar meus versos quando, inerme,
entregues o hímen obstinado ao verme,
que em pó transformará tua honra vã
E em cinzas todo o ardor do meu afã.
O túmulo é discreto e acolhedor
mas lá ninguém que eu saiba faz amor.

Agora, então, que em tua pele pousa,
feito orvalho na folha, a cor viçosa,
E em cada poro de tua alma aflora
um fogo urgente ― amemos sem demora:
mais vale devorarmos, com o brio
das aves de rapina em pleno cio,
O tempo de uma vez do que, em poder
das lentas presas dele, enlanguescer.
Unindo numa esfera dois extremos
― nossa ternura e força ― arrebatemos
prazeres com porfia desabrida
através dos portões férreos da vida.
Não há como parar o sol, mas nós
podemos ― sim ― torná-lo mais veloz.

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PARA SUA AMADA ESQUIVA
trad. Alípio Correia Neto

Com um mundo nosso, dama, e vez,
Não fora um crime tua esquivez.
Íamos sentar, pra ver qual via
Trilhar, e amar por longo dia.
Acharias, com o Ganges aos pés,
Rubis; eu, o pranto, ante as marés
Do Humber. Te daria dez anos
De amor antediluvianos!
Dirias não, por caprichos teus,
Até à conversão dos judeus;
Meu amor vegetal, mais lento
Que impérios, vasto em crescimento,
Um século pra louvações
Aos olhos, pra admirar feições,
Teria; o dobro pra adorar-te
Os seios; trinta mil às mais partes;
A cada qual, uma era, e então
Uma última, a teu coração.
Pois, dama, vales os meus reinos;
E eu não iria te amar por menos.

Mas ouço, sempre, atrás de nós,
O Carro do Tempo, veloz,
E adiante jazem vastos ermos
Da eternidade. Não havemos
De achar tua beleza afora.
Nem, na tua cripta marmórea,
Soará meu canto. E um verme há de
Testar-te a longa virgindade,
Mudando em pó tua honra altiva
E em cinzas a minha lascívia.
A cova é bom e íntimo espaço,
Mas não, penso eu, para um abraço.

Enquanto há em ti cor juvenil
Na tez, como na flor, rocio,
E a alma que anseia deita fora um
Fogo urgente em cada poro,
Vamos folgar, e semelhantes
A amáveis aves rapinantes,
Tragar o nosso tempo, isentos
De enlanguescer num bico lento,
Então enrolar nosso desvelo
E forças em um só novelo,
Rasgar prazeres na investida
Contra os portões férreos da vida.
Assim, sem termos o que impeça
O sol, o instamos a ir depressa.

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PARA SUA TÍMIDA SENHORA
trad. Rodrigo Garcia Lopes

Com mundo e tempo de sobra, acredite-me,
Senhora, essa tua timidez não seria crime.
Sentados, pensaríamos no modo melhor
De gozar nosso longo dia de amor.
Tu pelas margens do Ganges
Acharia rubis, eu, no estuário langue
Do Humber, reclamaria de tudo.
Te amaria dez anos antes do Dilúvio,
E tu, se quisesses, recusarias meu eu
Até a conversão dos Judeus.
Meu amor vegetal iria assim crescendo
Mais vasto que impérios, e mais lento;
Cem anos gastos para elogiar
Teus olhos, e tua testa contemplar;
Duzentos para adorar cada seio,
Mas trinta mil para seu recheio;
Uma era ao menos para cada seção,
E a última exibiria enfim seu coração.
Senhora, bem mereces tal status.
Recusaria te amar por mais barato.

Mas ouço às nossas costas de repente
O carro alado do tempo, rente;
E além de nós ardem na tarde
Desertos de vasta eternidade.
Tua beleza, hoje, amanhã não será,
Nem na lápide marmórea há de soar
O eco dessa canção; só vermes sem piedade
A devorar tão protegida virgindade,
E tua honra antiquada virando pó,
E cinzas todo meu desejo, a sós:
A cova é discreta e confortável alcova,
Mas que amantes ali se abracem, não há prova.

Agora, enquanto a cor em suas maçãs
Pousa em tua pele como rocio da manhã,
E enquanto tua alma transpire de desejo
E em seus poros fogos sutis revejo,
Vamos nos acabar enquanto é de matina,
E já, como amorosas aves de rapina,
De uma vez devorar o nosso tempo
Em vez de enlanguescer em seu relento.
Enrolemos nossa força, sem espera,
Nossa ternura toda numa só esfera,
E rasguemos prazeres com luta ríspida,
Ao passar pelos portões de ferro da vida;
Pois, se não podemos o sol deter
Podemos ao menos fazê-lo correr.

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À SUA TÍMIDA AMANTE
trad. Renato Suttana

Houvesse, dama, tempo e mundo à farta,
E tal reserva não seria crime.
Sentados, a escolher nosso caminho,
Do amor o longo dia passaríamos.
Buscarias rubis junto das margens
Do indiano Ganges: e eu entoaria
Junto às ondas do Humber que te amara
Por mais dez anos, até a inundação.
Eis que o recusarias, caprichosa,
Do judeu a esperar a conversão.
Meu amor, como planta, medraria
Mais vasto que os impérios e mais lento:
E cem anos passara eu a louvar
Os teus olhos, mirando a tua fronte,
E a adorar cada seio mais duzentos,
Mais trinta mil para o restante – uma era
Enfim inteira para cada parte:
E o coração revelarias na última.
Pois que és digna, senhora, de tal corte –
E a menor preço eu não quisera amar.

Mas ouço às minhas costas, sempre, a alada
Carruagem do tempo se apressando;
E à minha frente em tudo vejo abrir-se
Só desertos de vasta eternidade.
Tua graça não mais existirá,
Nem meu canto soará sob a marmórea
Abóbada; só os vermes provarão
Essa há tanto guardada virgindade:
E a tua inútil honra será pó,
E todo o meu desejo apenas cinza:
Que a sepultura é cômodo e privado
Lugar, mas às carícias – creio – impróprio.

Por isso, enquanto a cor da juventude
Como o orvalho da aurora em tua pele
Repousa e cada poro da anelante
Alma um fogo incessante ainda transpira:
Vamos gozar, enquanto nos é dado,
E devorar como aves de rapina
De uma só vez nosso tempo, sem sermos
Em suas lentas garras abatidos.
Rolemos nossa força e toda a nossa
Doçura para dentro de um só globo –
E o gozo em luta rude laceremos
Contra os portões de ferro da existência:
Pois, se este sol não podemos parar,
Que o façamos então acelerar.

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TO HIS COY MISTRESS

Had we but world enough and time,
This coyness, lady, were no crime.
We would sit down, and think which way
To walk, and pass our long love’s day.
Thou by the Indian Ganges’ side
Shouldst rubies find; I by the tide
Of Humber would complain. I would
Love you ten years before the flood,
And you should, if you please, refuse
Till the conversion of the Jews.
My vegetable love should grow
Vaster than empires and more slow;
An hundred years should go to praise
Thine eyes, and on thy forehead gaze;
Two hundred to adore each breast,
But thirty thousand to the rest;
An age at least to every part,
And the last age should show your heart.
For, lady, you deserve this state,
Nor would I love at lower rate.

But at my back I always hear
Time’s wingèd chariot hurrying near;
And yonder all before us lie
Deserts of vast eternity.
Thy beauty shall no more be found;
Nor, in thy marble vault, shall sound
My echoing song; then worms shall try
That long-preserved virginity,
And your quaint honour turn to dust,
And into ashes all my lust;
The grave’s a fine and private place,
But none, I think, do there embrace.

Now therefore, while the youthful hue
Sits on thy skin like morning dew,
And while thy willing soul transpires
At every pore with instant fires,
Now let us sport us while we may,
And now, like amorous birds of prey,
Rather at once our time devour
Than languish in his slow-chapped power.
Let us roll all our strength and all
Our sweetness up into one ball,
And tear our pleasures with rough strife
Thorough the iron gates of life:
Thus, though we cannot make our sun
Stand still, yet we will make him run.

in https://escamandro.wordpress.com/2015/01/07/to-his-coy-mistress-de-andrew-marvell-pt-2-por-matheus-mavericco/

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 01/03/2016

Ernest Dowson – Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longan

Vitae Summa Brevis Spem nos Vetat Incohare Longam

A brevidade da vida impede que possamos acalentar longas esperanças – Horácio

A alegria, o desejo, o pranto, o amor
E a raiva duram pouco.
Nada disso, que eu saiba, há de transpor
O umbral conosco.

Poucos dias de rosas e de vinho:
Surge num vago sonho
E logo se desfaz nosso caminho
Dentro de um sonho.

Trad.: Nelson Ascher

Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longam

The brief sum of life forbids us the hope of enduring long – Horace

They are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate:
I think they have no portion in us after
We pass the gate.

They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.

Sophia de Mello Breyner Andresen – Homenagem a Ricardo Reis

Não creias, Lídia , que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecemos a flor
Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita

Mais tarde será tarde e já é tarde
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não – vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo

II
Escuta, Lídia, como os dias correm
Fingidamente imóveis,
E à sombra de folhagens e palavras
Os deuses transparecem
Como para beber o sangue oculto
Que nos tornou atentos

III
Ausentes são os deuses mas presidem.
Nós habitamos nessa
Transparência ambígua,

Seu pensamento emerge quando tudo
De súbito se torna
Solenemente exacto.

O seu olhar ensina o nosso olhar:
Nossa atenção ao mundo
É o culto que pedem.

IV
Falamos junto à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.

V
Faz tua vida em frente à luz
Um lúcido terraço exacto e branco,
Docemente cortado
Pelo rio das noites.

Alheio o passo em tão perdida estrada
Vive, sem seres ele, o teu destino.
Inflexível assiste
À tua própria ausência.

VI
Irmão do que escrevi
Distante me desejo
Como quem ante o quadro
P’ra melhor ver recua.
Mas tu, Neera, impões
Leis que não são as minhas.
Teus pés batem a dansa
De sombra e desmesura
Em frente da varanda
Fugidia cintilas
Longas mãos brancos pulsos
Torcem os teus cabelos
Quando irrompe da noite
Tua face te toira
E acordas as imagens
Mais antigas que os deuses.

VII
Eros, Neera, sacudiu os seus
Cabelos sobre a testa larga e baixa
Eros – Neera – Antinoos
Irrompe no terraço.

Palmeiras nas ruínas de Palmira
Eros poisou o seu rosto no teu ombro
Eros soltou as feras
Do halali, Neera.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 19/02/2016

Ricardo Reis – Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
     (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
     Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
     E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
     E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
     Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
     Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
     Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio,
     Pagã triste e com flores no regaço

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 19/02/2016

Catulo – Vivamus, mea Lésbia, ataque amemus

Vivamos minha Lésbia, e amemos,
e as graves vozes velhas
– todas –
valham para nós menos que um vintém.
Os sóis podem morrer e renascer:
quando se apaga nosso fogo breve
dormimos uma noite infinita.
Dá-me pois mil beijos, e mais cem,
e mil, e cem, e mil, e mil e cem.
Quando somarmos muitas vezes mil
misturaremos tudo até perder a conta:
que a inveja não ponha o olho de agouro
no assombro de uma tal soma de beijos.

Trad.: Haroldo de Campos

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 18/02/2016

Javier Salvago – Quinta-feira Santa

A mesma lua, o mesmo
aroma de laranjeiras
perfumando as ruas,
onde a vida explode

em uma multidão de corpos
que se atraem e se buscam.
Calor de primavera
na pele e no ar.

Jovens incansáveis,
como nós naquela época,
percorrem a cidade
bêbados de desejo

— jovens com invernos
de abstinência, que sentem,
como Ele, que também
seu reino não é deste mundo —.

Os tambores lembram
que estão indo para o patíbulo.
Diante de virgens chorosas,
com despudor, os deuses

que vão morrer se beijam
— como os deuses que ontem fomos —,
sem remédio nem culpa,
na cruz dos anos.

Trad.: Nelson Santander

Jueves Santo

La misma luna, el mismo
perfume del naranjo
aromando las calles,
donde la vida estalla

en multitud de cuerpos
que se atraen y se buscan.
Calor de primavera
en la piel y en el aire.

Jóvenes incansables,
como entonces nosotros,
recorren la ciudad
borrachos de deseo

— jóvenes con inviernos
de abstinencia, que sienten,
como Aquél, que tampoco
su reino es de este mundo —.

Los tambores recuerdan
que se marcha al patíbulo.
Ante llorosas vírgenes,
con descaro, se besan

dioses que morirán
— como el dios que ayer fuimos —,
sin remedio ni culpa,
en la cruz de los años.

William Butler Yeats – “When you are old” em 4 traduções

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono – Trad.: José Agostinho Baptista

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

Quando fores velha e triste e cansada – Trad.: Adriano Nunes

Quando fores velha e triste e cansada,
E em ordem co’ o fogo, pega este livro
E lê lentamente, e lembra o olhar vivo
Que tinhas, e da sombra aprofundada.

Amaram-te dias de graça grácil,
E teu fulgor co’ amor falso ou sincero,
Mas amou-te um ser n’alma o destempero,
E as mágoas da tua face volátil.

E curvando-te à grade incandescente,
Murmura, amarga, como o amor fugiu
E seguiu monte acima, a subir sempre
E a face em grupos d’astros encobriu.

Quando velha e grisalha e exausta – Trad.: Paulo Vizioli

Quando velha e grisalha e exausta, ao fim do dia,
tu cabeceares junto ao fogo, vem folhear
lentamente este livro, e lembra o doce olhar
e as sombras densas que nos olhos teus havia.

Quantos, com falsidade ou devoção sincera,
amaram-te a beleza e graça de menina!
Um só, porém, amou tua alma peregrina,
e amou as dores desse rosto que se altera.

E junto às brasas, inclinando-se sobre elas,
murmura, um pouco triste, como o amor distante
passou por cima das montanhas adiante,
e escondeu sua face entre um milhão de estrelas.

Quando estiveres grisalha e com sono – Trad.: Jorge Wanderley

Quando estiveres grisalha e com sono,
Dormitando ante o fogo, lê meu livro
Bem lentamente e lembra o sensitivo
Olhar que tinhas de suave abandono.

Muitos amaram tuas alegrias,
Tua beleza; mas só num culmina
O amor por tua alma peregrina
E a mágoa que teu rosto pressentia.

Reclina-te ante as chamas; e ao vê-las
Lamentes, triste Amor – que te deixou
Pelos montes mais altos que encontrou
E o rosto disfarçou entre as estrelas.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 20/09/2020

When you are old

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

Jane Kenyon – Poderia ter sido diferente

Levantei da cama
sobre duas pernas saudáveis.
Poderia ter sido
diferente. Nutri-me
de cereal, leite
açucarado, e um imaculado
pêssego maduro. Poderia
ter sido diferente.
Levei o cachorro morro acima,
até o bosque de bétulas.
Passei a manhã inteira
fazendo o trabalho que amo.

Ao meio dia, deitei
com meu companheiro. Poderia
ter sido diferente.
Jantamos juntos
à mesa com castiçais
de prata. Poderia
ter sido diferente.
Dormi numa cama
num quarto com quadros
nas paredes, e
planejei outro dia
igual a este.
Mas um dia, eu sei,
será diferente.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 17/08/2020

N. do T.: A poetisa e tradutora Jane Kenyon faleceu de leucemia, em abril de 1995, aos 47 anos de idade, pouco depois de escrever este poema. Mais do que ninguém, ela sabia que, em breve, tudo seria diferente.

Otherwise

I got out of bed
on two strong legs.
It might have been
otherwise. I ate
cereal, sweet
milk, ripe, flawless
peach. It might
have been otherwise.
I took the dog uphill
to the birch wood.
All morning I did
the work I love.

At noon I lay down
with my mate. It might
have been otherwise.
We ate dinner together
at a table with silver
candlesticks. It might
have been otherwise.
I slept in a bed
in a room with paintings
on the walls, and
planned another day
just like this day.
But one day, I know,
it will be otherwise.

Konstantinos Kaváfis – Um velho

No meio do café ruidoso, sem ninguém,
por companhia, está sentado um velho. Tem
à frente um jornal e se inclina sobre a mesa.

Imerso na velhice aviltada e sombria,
pensa quão pouco desfrutou as alegrias
dos anos de vigor, eloqüência, beleza.

Sabe que envelheceu bastante. Vê, conhece.
No entanto, o seu tempo de moço lhe parece
ser ainda ontem: faz tão pouco, faz tão pouco. ..

Medita no quanto a Prudência dele rira;
em como acreditara sempre na mentira
do “Deixa para amanhã. Há tempo.” Que louco!

Pensa nos ímpetos que teve de conter,
nas alegrias frustras por seu tolo saber,
que cada ocasião perdida agora escarnece.

Porém, tanto pensar, tanta recordação,
põem o velho confuso, e sobre a mesa, então,
daquele café, debruçado, ele adormece.

Trad.: José Paulo Paes

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 07/08/2020

Indrė Valantinaitė – Provavelmente serei uma velha magra

Provavelmente serei uma velha magra

Rasgando seus beijos e seus medos
Ela acorda à noite
Para se maravilhar com tudo que a substituiu.
Paul Éluard

Em 2055, provavelmente serei uma velha magra
que ocupa pouco espaço nos ônibus e nas filas.

Daqui a meio século, apenas o espelho do banheiro
e os médicos olharão para o meu corpo.

Apenas me roçarão
as suadas camisolas
rasgadas nas axilas.

Então, antes de dormir, me lembrarei
da língua do meu amado e do sabor de sua saliva.
E de todos os outros homens
que um dia me desejaram.

E do rangido da cama
onde nos deitávamos
juntos.

Trad.: Nelson Santander

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Greičiausiai būsiuliesa senė

Prapl ė šdama savo bu č inius ir baimes
Ji atsibunda naktį,
Kad stebėtųsi viskuo, kas ją pakeitė.
Paulo Éluard

Kokiais 2055 greičiausiai būsiu liesa senė
ir užimsiu mažai vietos autobusuose ir eileėse.

Už pusės amžiaus į mano kūną
Težiūrės vonios veidrodis ir daktarai.

Prie manęs liesis
tik prakaituoti naktiniai marškiniai
praplyšusia pažastim.

Tada prieš užmigdama prisiminsiu
mylimojo liežuvį ir jo seilių skonį.
Ir visus kitus vyrus,
kurie manęs kadaise geidė.

Ir dar – kaip girgžda lova
Į kurią sugulama
po du.