Charles Bukowski – Encurralado

bem, eles diziam que tudo terminaria
assim: velho. o talento perdido. tateando às cegas em busca
da palavra

ouvindo os passos
na escuridão, volto-me
para olhar atrás de mim…

ainda não, velho cão…
logo em breve.

agora
eles se sentam falando sobre
mim: “sim, acontece, ele já
era… é
triste…”

“ele nunca teve muito, não é
mesmo?”

“bem, não, mas agora…”

agora
eles celebram minha derrocada
em tavernas que há muito já não
frequento.

agora
bebo sozinho
junto a essa máquina que mal
funciona

enquanto as sombras assumem
formas

combato retirando-me
lentamente

agora
minha antiga promessa
definha
definha

agora
acendendo novos cigarros
servido mais
bebidas

tem sido um belo
combate

ainda
é.

Trad.: Pedro Gonzaga

Charles Bukowski – Poema nos meus 43 anos

terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida —
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.

Trad.: Jorge Wanderley

Frank O’Hara – Autobiographia Literaria

Quando era menino eu
brincava sozinho num
canto do pátio da escola
sem ninguém.

Odiava bonecas e
odiava jogos, os bichos eram
hostis e os pássaros
fugiam.

Se alguém me procurava
eu me escondia atrás de uma
árvore e gritava “Sou
um órfão.”

E olha eu aqui, o
centro de toda beleza!
escrevendo estes versos!
Imagina!

Trad.: Paulo Henriques Britto

 

Autobiographia literaria

When I was a child
I played by myself in a
corner of the schoolyard
all alone.

I hated dolls and I
hated games, animals were
not friendly and birds
flew away.

If anyone was looking
for me I hid behind a
tree and cried out “I am
an orphan.”

And here I am, the
center of all beauty!
writing these poems!
Imagine!

Maya Angelou – Ainda assim me Levanto

Você pode me inscrever na história
Com as mentiras amargas que contar
Você pode me arrastar no pó,
Ainda assim, como pó, vou me levantar

Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu caminho como se eu tivesse
Petróleo jorrando na sala de estar

Assim como a lua ou o sol
Com a certeza das ondas no mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar

Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olhar caído,
Ombros curvados como lágrimas,
Com a alma a gritar enfraquecida?

Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal
Só porque eu rio como se tivesse
Minas de ouro no quintal

Você pode me fuzilar com palavras
E me retalhar com seu olhar
Pode me matar com seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar

Minha sensualidade o agita
E você, surpreso, se admira
Ao me ver dançar como se tivesse
Diamantes na altura da virilha?

Das choças dessa história escandalosa
Eu me levanto
De um passado que se ancora doloroso
Eu me levanto
Sou um oceano negro, vasto e irrequieto
Indo e vindo contra as marés eu me elevo
Esquecendo noites de terror e medo
Eu me levanto
Numa luz incomumente clara de manhã cedo
Eu me levanto
Trazendo os dons dos meus antepassados
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto

Trad.: Francesca Angiolillo

Emily Dickinson – Morri pela Beleza

Morri pela Beleza – e assim que no Jazigo
Meu Corpo foi fechado,
Um outro Morto foi depositado
Num Túmulo contíguo –

“Por que morreu?” murmurou sua voz.
“Pela Beleza” – retruquei –
“Pois eu – pela Verdade – É o Mesmo. Nós
Somos Irmãos. É uma só lei” –

E assim Parentes pela Noite, sábios –
Conversamos a Sós –
Até que o Musgo encobriu nossos lábios –
E – nomes – logo após –

Trad.: Augusto de Campos

 

I died for Beauty – but was scarce
Adjusted in the Tomb
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining Room –

He questioned softly “Why I failed”?
“For Beauty”, I replied –
“And I – for Truth – Themself are One –
We Brethren, are”, He said –

And so, as Kinsmen, met a Night –
We talked between the Rooms –
Until the Moss had reached our lips –
And covered up – our names –

Raymond Carver – O que o Médico Disse

Ele disse não parece bom
ele disse parece mau aliás muito mau
ele disse eu contei trinta e dois deles em um pulmão antes
de parar de contar
eu disse fico feliz não ia querer saber
que tem mais do que isso lá
ele disse por acaso você é religioso você se ajoelha
em bosques na floresta e se permite pedir ajuda
quando encontra uma cachoeira
a névoa soprando contra seu rosto seus braços
você para e pede clareza nesses momentos
eu disse não mas pretendo começar hoje mesmo
ele disse sinto muito ele disse
gostaria de ter outro tipo de notícia para dar
eu disse Amém e ele disse algo mais
que eu não entendi e sem saber mais o que fazer
e sem querer que ele precisasse repetir aquilo
e que eu realmente precisasse digeri-lo
apenas olhei para ele
por um minuto e ele olhou de volta foi então
que me ergui num salto e apertei a mão daquele homem que
acabara de me dar
algo que ninguém no mundo jamais tinha me dado
talvez eu tenha até agradecido por força do hábito

Raymond Carver – Medo

Medo de ver a polícia estacionar à minha porta.
Medo de dormir à noite.
Medo de não dormir.
Medo de que o passado desperte.
Medo de que o presente alce voo.
Medo do telefone que toca no silêncio da noite.
Medo de tempestades elétricas.
Medo da faxineira que tem uma pinta no queixo!
Medo de cães que supostamente não mordem.
Medo da ansiedade!
Medo de ter que identificar o corpo de um amigo morto.
Medo de ficar sem dinheiro.
Medo de ter demais, mesmo que ninguém vá acreditar nisso.
Medo de perfis psicológicos.
Medo de me atrasar e medo de ser o primeiro a chegar.
Medo de ver a letra dos meus filhos em envelopes.
Medo de que eles morram antes de mim, e que eu me sinta culpado.
Medo de ter que morar com a minha mãe em sua velhice, e na minha.
Medo da confusão.
Medo de que este dia termine com uma nota infeliz.
Medo de acordar e ver que você partiu.
Medo de não amar e medo de não amar o bastante.
Medo de que o que amo se prove letal para aqueles que amo.
Medo da morte.
Medo de viver demais.
Medo da morte.

Já disse isso.

  • Trad.: Rubens Figueiredo

Derek Walcott – O Amor Depois do Amor

Um dia virá
em que, eufórico,
você cumprimentará a si próprio chegando
à sua porta, em seu espelho
e cada um dará ao outro um sorriso de boas-vindas,

e você dirá, sente-se aqui. Coma.
Você amará outra vez o estranho que foi.
Sirva vinho. Reparta o pão. Restitua
o seu coração
para ele mesmo, para o estranho que um dia você amou

por toda sua vida, a quem você ignorou
por outro, que o conhece de cor.
Derrube da estante as cartas de amor,

as fotografias, os bilhetes desesperados,
arranque sua imagem do espelho.
Sente-se. Saboreie a sua vida.

Trad.: Nelson Santander

 

Derek Walcott – Love After Love

The time will come
when, with elation
you will greet yourself arriving
at your own door, in your own mirror
and each will smile at the other’s welcome,

and say, sit here. Eat.
You will love again the stranger who was your self.
Give wine. Give bread. Give back your heart
to itself, to the stranger who has loved you

all your life, whom you ignored
for another, who knows you by heart.
Take down the love letters from the bookshelf,

the photographs, the desperate notes,
peel your own image from the mirror.
Sit. Feast on your life.

Elizabeth Bishop – A Arte de Perder

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Trad.: Paulo Henriques Britto

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One Art

The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

W. H. Auden – Aquele que Ama Mais

Contemplando as estrelas, logo eu discirno
Que, por elas, eu posso ir para o inferno,
Porém, na terra, a indiferença é o que menos
Temos a temer, de animais e humanos

Como seria se os astros de paixão
Por nós ardessem e disséssemos não?
Se os afetos nunca podem ser iguais
Pois que seja eu aquele que ama mais.

Por mais admirador que eu julgue ser
De estrelas que de mim não querem saber
Não posso dizer, agora que as contemplo,
Que lhes tive saudade em algum momento.

Se sumissem ou morressem todas elas
Me habituaria a um céu sem estrelas
E a sentir como sublime a treva total
Embora isso levasse um tempo, afinal.

Trad.: Nelson Santander

The More Loving One

Looking up at the stars, I know quite well
That, for all they care, I can go to hell,
But on earth indifference is the least
We have to dread from man or beast.

How should we like it were stars to burn
With a passion for us we could not return?
If equal affection cannot be,
Let the more loving one be me.

Admirer as I think I am
Of stars that do not give a damn,
I cannot, now I see them, say
I missed one terribly all day.

Were all stars to disappear or die,
I should learn to look at an empty sky
And feel its total dark sublime,
Though this might take me a little time.