Federico García Lorca – 1910 (Intermezzo)

Aqueles olhos meus de mil e novecentos e dez
não viram enterrar os mortos,
nem a feira de cinzas daquele que chora pela madrugada,
nem o coração que treme acossado como um cavalo marinho.

Aqueles olhos meus de mil e novecentos e dez
viram a parede branca onde as meninas mijavam,
o focinho do touro, o cogumelo venenoso
e uma lua incompreensível que iluminava pelos ermos
os pedaços de limão seco sob o duro negro das garrafas.

Aqueles olhos meus no pescoço da eguinha,
no peito transfixado de Santa Rosa adormecida,
nos telhados do amor, com gemidos e mãos frescas,
num jardim onde gatos comiam rãs.

Desvão onde o pó antigo congrega estátuas e musgos,
caixas que guardam o silêncio de caranguejos devorados
no lugar onde o sonho tropeça com a realidade.
Ali, os meus pequenos olhos.

Não me pergunte nada. Vi que as coisas
quando buscam seu curso encontram seu vazio.
Há uma dor de ocos pelo ar sem gente
e em meus olhos criaturas vestidas – sem nudez!

Trad.: Décio Pignatari

Pedro Salinas – de “Presságios”

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Estas frases de amor que se repetem tanto
não são nunca as mesmas.
Todas tem idêntico som,
mas uma vida anima cada uma,
virgem e só, se é que a percebes.
E não te canses nunca
de repetir as palavras iguais:
sentirás a emoção que sente a alma
ao ver nascer a estrela primeira
e ao ver que ela se multiplica, conforme a noite avança,
em outras estrelinhas
de brilho diverso e de alma única.
E assim, ao repetires esta
simples frase de amor, vão-se fixando
infinitas estrelas em teu peito:
um mesmo sol empresta luz a todas,
o sol distante que virá amanhã
quando cessarem as estrelas e as palavras.

Trad.: Nelson Santander

Pedro Salinas – “Presagios”

41

Estas frases de amor que se repiten tanto
no son nunca las mismas.
idéntico sonido tienen todas,
pero una vida anima a cada una,
virgen y sola, si es que la percibes.
Y no te canses nunca
de repetir las palabras iguales:
sentirás la emoción que siente el alma
al ver nacer a la estrella primera
y al mirar que se copia, según la noche avanza,
en otras estrellitas
de distinto brillar y de alma única.
Y así al repetir esta
simple frase de amor se van prendiendo
infinitas estrellas en el pecho:
un mismo sol les presta luz a todas,
el sol lejano que vendrá mañana
cuando cesen estrellas y palabras.

Nicanor Parra – Perguntas e Respostas

então, tu achas que vale
a pena assassinar deus
se o mundo puder ser salvo?

– é claro que vale a pena

e vale a pena arriscar
a vida por uma ideia
que pode resultar falsa?

– é claro que vale a pena

pergunto se valerá
a pena comer siri
se vale a pena criar
filhos que se voltarão
contra os seus progenitores?

– é evidente que sim
que não

e que vale a pena

– pergunto se valerá
a pena tocar um disco
a pena ler uma árvore
a pena plantar um livro
se tudo desaparece
se nada perdurará

– talvez não valha a pena
– não chores

– estou sorrindo

– não nasça

– estou morrendo

Trad.: Nelson Santander

 

 

Nicanor Parra – Preguntas y Respuestas

¿qué te parece valdrá
la pena matar a dios
a ver si se arregla el mundo?

-claro que vale la pena

-¿valdrá la pena jugarse
la vida por una idea
que puede resultar falsa?

-claro que vale la pena

-¿pregunto yo si valdrá
la pena comer centolla
valdrá la pena criar
hijos que se volverán
en contra de sus mayores?

-es evidente que sí
que nó

que vale la pena

-Pregunto yo si valdrá
la pena poner un disco
la pena leer un árbol
la pena plantar un libro
si todo se desvanece
si nada perdurará

-tal vez no valga la pena

-no llores

-estoy riendo

-no nazcas

-estoy muriendo

Roger Wolfe – Pálpebra

Pedro Salinas
disse num poema
que não quer deixar de sentir
a dor da ausência
da mulher que ama
porque isso é tudo
o que dela fica:
a dor.
Não me recordo das suas palavras exactas.
Ele di-lo melhor do que eu.
Eram outros tempos.
Salinas está morto.
A mulher que ele amava também.
Em breve o estaremos todos.
A vida é uma simples pálpebra.
Abre os olhos
e fecha-os.

Trad.: Pedro Gomes Sena

Mario Benedetti – Em Pé

Continuo em pé
por pulsar
por costume
por não abrir a janela decisiva
e olhar de uma vez a insolente
morte
essa mansa
dona da espera

continuo em pé
por preguiça nas despedidas
no fechamento e demolição
da memória

não é um mérito
outros desafiam
a claridade
o caos
ou a tortura

continuar em pé
quer dizer coragem

ou não ter
onde cair
morto

Octavio Paz – Irmandade

          Homenagem a Claudio Ptolomeo

Sou homem: duro pouco
E é enorme a noite.
Mas olho para cima:
As estrelas escrevem.
Sem entender, compreendo:
Também fui escrito
E neste mesmo instante
Alguém me soletra.

Pablo Neruda – De “Cem Sonetos de Amor”

XII

Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
Espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
Que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
Que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos
e dois corpos por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia

corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra um raio.

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Mario Benedetti – Lento mas vem

Lento mas vem 
o futuro se aproxima 
devagar
mas vem

hoje está mais além
das nuvens que escolhe
e mais além do trovão
e da terra firme

demorando-se vem 
qual flor desconfiada 
que vigila ao sol 
sem perguntar-lhe nada

iluminando vem 
as últimas janelas 

lento mas vem 
o futuro se aproxima 
devagar
mas vem

já se vai aproximando 
nunca tem pressa 
vem com projetos 
e sacos de sementes

com anjos maltratados 
e fiéis andorinhas

devagar mas vem 
sem fazer muito ruído 
cuidando sobretudo 
os sonhos proibidos

as recordações dormidas 
e as recém-nascidas

lento mas vem 
o futuro se aproxima 
devagar
mas vem

já quase está chegando
com sua melhor notícia 
com punhos com olheiras 
com noites e com dias

com uma estrela pobre 
sem nome ainda 

lento mas vem
o futuro real 
o mesmo que inventamos 
nós mesmos e o acaso

cada vez mais nós mesmos 
e menos o acaso

lento mas vem 
o futuro se aproxima 
devagar
mas vem

lento mas vem 
lento mas vem 
lento mas vem

Nicanor Parra – Cartas a uma Desconhecida

Quando passarem os anos, quando passarem
os anos e o ar tenha cavado um fosso
entre tua alma e a minha; quando passarem os anos
e eu só seja um homem que amou,
um ser que se deteve um instante diante de teus lábios,
um pobre homem cansado de andar pelos jardins,
onde estarás tu? Onde
estarás, ó nascida de meus beijos!

Nicanor Parra – Acácias

Passeando anos atrás
por uma rua cheia de acácias em flor
soube por um amigo bem informado
que você tinha acabado de se casar.
Respondi que por certo
eu não tinha nada a ver com o assunto.
Mas apesar de nunca ter amado você
– e disso você sabe melhor do que eu –
cada vez que florescem as acácias
– imagina só –
sinto de novo a mesma coisa que senti
quanto me atiraram à queima-roupa
a notícia devastadora
de que você tinha se casado com outro.