Juan Vicente Piqueras – Ristorante dal 1882–

Ristorante dal 1882–
leio no cardápio e me ponho a pensar
que numa noite, há mais de um século,
numa noite igual a esta,
houve um grupo de amigos que aqui jantou,
como nós fazemos agora,
e riram, conversaram, passaram o sal,
mais ou menos felizes, fugazes, encantados
de estarem juntos rindo
como nós fazemos agora,
e que nenhum deles vive mais
e agora somos nós,
os que reservamos esta grande mesa
neste restaurante
que tanto apreciamos por ser antigo,
o ar fantasma do garçom,
e o cozinheiro que nunca vimos
e que tanto admiramos
por seu saber nos fazer esquecer
com sabores sagrados, requintados,
que esta poderia ser perfeitamente
nossa última ceia.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 16/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Ristorante dal 1882-

Ristorante dal 1882-
leo en la carta y me da por pensar
que en una noche de hace más de un siglo,
en una noche que era igual a ésta,
hubo un grupo de amigos que cenaron aquí,
como ahora nosotros,
y rieron, charlaron, se pasaron la sal,
más o menos felices, fugaces, encantados
de estar juntos riendo
como ahora nosotros,
y que ninguno de ellos vive ya
y ahora son nosotros,
los que hemos reservado esta gran mesa
en esto restaurante
del que tanto nos gusta que sea antiguo,
el aire fantasma del camarero,
y el cocinero que nunca hemos visto
y al que admiramos tanto
por su saber hacernos olvidar
con sabores piadosos, exquisitos,
que ésta podría ser perfectamente
nuestra última cena.

Alfonso Brezmes – Notas marginais

Às vezes, voltamos às páginas
onde outrora fomos felizes.

É tão fácil quanto deixá-las correr
para trás por entre os dedos,
voltar às páginas marcadas,
àquelas breves notas com as quais
quisemos indicar a outro leitor
que ali deveria se deter.

Basta examina-las para ver
que já não são as mesmas:
algo mudou neste breve
intervalo em que nos ausentamos.

Voltar é outra forma de medir
a magnitude incerta da ferida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 14/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Notas marginales

A veces volvemos a las páginas
donde una vez fuimos felices.

Es tan fácil como dejar que corran
hacia atrás entre los dedos,
volver a las marcas que dejamos,
a esas breves notas con las que
quisimos indicar a otro lector
que allí debiera detenerse.

Basta con buscarlas para ver
que ya no son las mismas:
algo ha cambiado en este corto
intervalo en que nos fuimos.

Volver es otra forma de medir
la magnitud incierta de la herida.

Carlos Montemayor – Memória

Estou aqui, em casa, a sós.
Aqui estão os móveis, o ar, os ruídos.
Tenho um sentimento tão transparente
quanto a vidraça de uma janela.
É como a janela pela qual olhava a neve ao amanhecer,
há muitos anos, quando criança,
e colava o rosto contra o vidro e compreendia toda a vida.
É um desejo calmo, como a tarde.
É estar como estão todas as coisas.
Ter meu lugar como tudo o que há na casa.
Perdurar pelo tempo que for, como as coisas.
Não ser mais nem melhor que elas.
Apenas ser, em meio à minha vida,
parte do silêncio de todas as coisas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 12/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Memoria

Estoy aquí, en la casa, a solas.
Aquí están los muebles, el aire, los ruidos.
Tengo un sentimiento tan transparente
como el vidrio de una ventana.
Es como la ventana en que miraba la nieve al amanecer,
hace muchos años, cuando era niño,
y pegaba la cara contra el cristal y comprendía toda la vida.
Es un deseo en calma, como la tarde.
Es estar como están todas las cosas.
Tener mi sitio como todo lo que está en la casa.
Perdurar el tiempo que sea, como las cosas.
No ser más ni mejor que ellas.
Sólo ser, en medio de la mi vida,
parte del silencio de todas las cosas

Jorge Valdés Díaz-Vélez – S.T.T.R. Sit Tibi Terra Levis

Hoje lembro os mortos da minha casa
Octavio Paz

De todos os nossos mortos, jamais esqueceremos
o primeiro. O meu habita a raiz do outono,
sob os álamos. Sua memória
me oferece uma murta enquanto se inclina
com os braços abertos de outros dias. Lembro
de sua estatura nas sombras, prestes a afastar-se
do espelho, seu rosto velado, o ornamento
das obstinadas lições de algum piano. Cruzou,
em uma tarde sem sol, a linha que une
a vida à morte. Seu corpo era a ausência
presente, o nome sem ser nomeado. Foi o primeiro
morto a morrer subitamente, e para sempre
haverá de sê-lo. O menino que fui então agora
o distingue sentado no peitoril da janela. Víamos
um barco na pureza impassível das nuvens,
e diásporas de formigas nas lieder de Schubert;
e me falava de Stevenson ou Melville, da jornada
que quis realizar quando jovem, ao fim da nostalgia
que se alçava em sua voz quando cantava. Fez
aquela única viagem naquela tarde. Até então
nunca havia perscrutado os olhos de um morto,
o eco imóvel de dois diáfanos poços,
nem os prantos dos meus, perplexos, que eram outros.

Ele foi o primeiro ausente de tantos e de ninguém,
a presença, o não-ser, a fatigada luz
exposta, o que se nomeia sob as árvores,
de repente, ao esquecermos que já não está
mais aqui sua solidão, sua frágil anedota de navios
fantasmas, de arpejos que iluminaram o sonho
daquela nossa vida. Que lhe seja leve a terra
que fecunda, seu exílio sem fim sob nossas folhas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 11/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

S.T.T.L. Sit Tibi Terra Levis

Hoy recuerdo a los muertos de mi casa
Octavio Paz

De todos nuestros muertos jamás olvidaremos
al primero. Habita en la raíz del otoño,
debajo de los álamos, el mío. Su memoria
me ofrece un arrayán al tiempo que se inclina
con los brazos abiertos de otros días. Recuerdo
su estatura en penumbras a punto de apartarse
del espejo, su rostro velado, el abalorio
de las tercas lecciones de algún piano. Cruzó
la línea que reúne la vida con la muerte
una tarde sin sol. Su cuerpo era la ausencia
presente, lo nombrado sin nombrar. Era el muerto
primero en estar muerto de súbito, y por siempre
habrá de serlo. El niño que fui entonces ahora
lo distingue sentado en un alféizar. Veíamos
un barco en la pureza impasible de las nubes,
y diásporas de hormigas en los lieder de Schubert;
y me hablaba de Stevenson o Melville, del trayecto
que quiso hacer de joven al fin de la nostalgia
que se alzaba en su voz cuando cantaba. Hizo
aquel único viaje aquella tarde. Hasta entonces
nunca me había asomado a los ojos de un muerto,
el eco inóvil de dos diáfanos aljibes,
ni al llanto de los míos, perplejos, que eran otros.

Él fue el primer ausente de cuántos y de nadie,
la presencia, el no ser, la fatigada luz
abierta, el que se nombra debajo de los árboles
de pronto, al olvidarnos que ya no sigue aquí
su soledad, su frágil anécdota de buques
invisibles, de arpegios que alumbraron el sueño
de aquella vida nuestra. Le sea leve la tierra
que fecunda, su exilio sin fin tras nuestras hojas.

Lope de Vega – Desmaiar, ousar, ficar furioso

Desmaiar, ousar, ficar furioso,
áspero, terno, generoso, esquivo,
entretido, mortal, defunto, vivo,
leal, falso, covarde e corajoso;

não achar, para além, paz e repouso,
mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
irritado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;

furtar o rosto ao claro desengano,
sorver veneno por licor suave,
esquecer o proveito, amar o dano;

crer que um céu em um inferno cabe,
dar a vida e a alma a um desengano;
isto é amor, quem o provou o sabe.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 07/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Desmayarse, atreverse, estar furioso

Desmayarse, atreverse, estar furioso,
áspero, tierno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, difunto, vivo,
leal, traidor, cobarde y animoso;

no hallar, fuera del bien, centro y reposo,
mostrarse alegre, triste, humilde, altivo,
enojado, valiente, fugitivo,
satisfecho, ofendido, receloso;

huir el rostro al claro desengaño,
beber veneno por licor süave,
olvidar el provecho, amar el daño;

creer que un cielo en un infierno cabe,
dar la vida y el alma a un desengaño;
esto es amor, quien lo probó lo sabe.

Juan Vicente Piqueras – História universal

Um homem nasce chora cresce ri
sofre e faz sofrer caminha canta
tem sede fome frio medo
se perde extravasa arde sorri.

Um homem sozinho no meio da noite
assobia para domar as bestas que o habitam.

Abraça empurra mata beija morre
se cansa de si mesmo se apaixona
se entrega à vida sabe que se finda
que o que é escoa por entre os dedos.

Um homem olha o céu as nuvens e se diz
em silêncio o quão breve
bela e fugidia foi a vida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Historia universal

Un hombre nace llora crece ríe
sufre y hace sufrir camina canta
tiene sed hambre frío miedo
se pierde se desborda arde sonríe.

Un hombre solo en medio de la noche
silba para amansar las bestias que lo habitan.

Abraza empuja mata besa muere
se cansa de sí mismo se enamora
se da a la vida sabe que se acaba
que se cae lo que es de entre sus dedos.

Un hombre mira el cielo las nubes y se dice
en silencio lo breve
lo hermosa y fugitiva que es fue la vida.

Hugo Mujica – Há escassos dias

Há escassos dias morreu meu pai,
há muito tempo atrás.

Caiu suavemente,
como as pálpebras ao chegar
a noite, ou uma folha
que o vento não arranca, embala.

Hoje não é como outras chuvas,
hoje chove pela primeira vez
sobre o mármore de sua lápide.

Sob cada chuva
poderia ser eu quem jaz, agora eu sei,
agora que morri em outro.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 05/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Hace apenas días

Hace apenas días murió mi padre,
hace apenas tanto.

Cayó sin peso,
como los párpados al llegar
la noche o una hoja
cuando el viento no arranca, acuna.

Hoy no es como otras lluvias
hoy llueve por vez primera
sobre el mármol de su tumba.

Bajo cada lluvia
podría ser yo quien yace, ahora lo sé,
ahora que he muerto en otro.

José Infante – A ausência

Ali estão eles. Povoam
meus dias, preenchem minhas noites
com seus corpos distantes.
Não preciso chamá-los pelos nomes.
Estão ali. Sinto-os como eram,
belos, jovens, desejados,
infiéis ao sagrado juramento
do amor.

Eles formam a ausência
que envolve as paredes,
que reveste minha alma,
que se expande como o magma
implacável de meus dias.

Eles foram minha vida. Foram
a vida e agora retornam
à medida que a vida se afasta
de minhas mãos.

Não confundo
seus olhos, nem suas vozes.
Não confundo suas mãos, suas carícias,
nem o aroma de seus corpos.

Mas quando chega a noite
apenas um fantasma aparece:
o da ausência do amor
que usou seus corpos e seus nomes
para me iludir com a felicidade.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

La Ausencia

Ellos están ahí. Pueblan
mis días, llenan mis noches
con sus cuerpos lejanos.
No necesito llamarles por sus nombres.
Están ahí. Los siento, como fueron,
hermosos, jóvenes, deseados,
infieles al juramento sagrado
del amor.

Ellos forman la ausencia
que envuelve las paredes,
que recubre mi alma,
que se expande como el magma
sin tregua de mis días.

Ellos fueron mi vida. Fueron
la vida y ahora vuelven
cuando la vida se aleja
de mis manos.

No confundo
sus ojos, ni sus voces.
No confundo sus manos, sus caricias,
ni el olor de sus cuerpos.

Pero cuando llega la noche
sólo un fantasma acude:
es la ausencia del amor
que utilizó sus cuerpos y sus nombres
para engañarme con la felicidad.

Joan Margarit – A aventura

Quando me ausento por um momento, ao finalizar
uma inspeção de obra em algum bairro estranho
e entro para tomar café em um pequeno bar
onde não me conhecem, penso que sou
alguém que parte para não mais voltar.
Quando me refugio no vazio
de um entreato e procuro a escada
que leva aos banheiros,
sinto que ali poderia começar minha ausência.
Instantes que são fendas para o frio.
Imagino as ruas que sempre nos aguardam
em futuros perdidos dentro de um só instante.
Ao redor está a eternidade:
atravessamo-la velozes
neste trem blindado que é o tempo.
A eternidade
se move tão devagar que a lua
na janela é a mesma da infância.
Não sei o que mais me surpreende nesta história,
se o quanto odeio o mundo cotidiano
ou quantos anos poderei
permanecer paralisado por uma covardia.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 04/02/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

La aventura

Cuando me ausento un rato, al acabarse
una visita de obra en algún barrio extraño
y entro a tomar café en un pequeño bar
donde no me conocen, pienso que soy
alguien que se está yendo para ya no volver.
Cuando me escapo en el vacío
de un entreacto y busco la escalera
que va hacia los lavabos,
siento que allí podría dar comienzo mi ausencia.
Instantes que son grietas hacia el frío.
Imagino las calles que siempre nos aguardan
en futuros perdidos dentro de un solo instante.
Alrededor está la eternidad:
la atravesamos raudos
en este tren blindado que es el tiempo.
La eternidad
se mueve tan despacio que la luna
del cristal es la misma de la infancia.
De esta historia no sé lo que más me sorprende,
si cómo se odia el mundo cotidiano
o cuántos años puedo
permanecer helado por una cobardía.

Joan Margarit – Água-forte

O granizo metralha as vidraças,
as rajadas arrasam as calçadas.
E tu e eu aqui, onde o mau tempo
resume os obstáculos que às vezes
nos levam à beira do abismo.
Olhos brilhantes de desacertos,
mãos queimadas por se salvarem agarradas
aos gelados corrimãos do inferno.
Que o acaso continue disparando
sem razão, como sempre, nas vidraças.
Além do amor – desse nosso amor –
nada faz sentido.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 12/11/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Joan Margarit – Aguafuerte

El granizo ametralla los cristales,
las ráfagas arrasan las aceras.
Tú y yo estamos aquí, donde el mal tiempo
resume los obstáculos que a veces
nos han llevado al borde del abismo.
Ojos brillantes de equivocaciones,
manos quemadas por salvarse asidas
a la helada baranda del infierno.
Que el azar continúe disparando
sin razón, como siempre, a los cristales.
Más allá del amor —de nuestro amor—
nada tiene sentido.