Jaime Gil de Biedma – Happy ending

Embora, à noite, comigo
já não durmas mais,
o acaso dirá talvez
se é definitivo.

Que embora o prazer nunca mais
volte a ser o mesmo,
na vida o esquecimento
não costuma durar.

Trad.: Nelson Santander

Jaime Gil Biedma – Happy ending

Aunque la noche, conmigo,
no la duermas ya,
sólo el azar nos dirá
si es definitivo.

Que aunque el gusto nunca más
vuelve a ser el mismo,
en la vida los olvidos
no suelen durar.

Javier Salvago – Um pouco mais sábios, um pouco mais cegos

Quando você não é mais jovem, se convence
de que o diabo sabe mais porque é velho
e admite que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
Talvez não. Talvez a vida só
se nos mostre uma vez – quando temos
olhos para aprecia-la – e depois vamos
esquecendo seu rosto e seu segredo.

Trad.: Nelson Santander

Javier Salvago – Un poco más sabios, un poco más ciegos

Cuando uno ya no es joven, se convence
de que el diablo sabe más por viejo,
y admite que los años nos enseñan
a distinguir la realidad del sueño.
Y, acaso, no. Quizá la vida sólo
se nos muestra una vez — cuando tenemos
ojos para apreciarla — y luego vamos
olvidando su rostro y su secreto.

Javier Salvago – Convém não esquecer

Por esta via
que chamam vida, vamos
com cautela devida,

tal qual um cego.
Mas em cinzas termina
todo e qualquer fogo.

Trad.: Nelson Santander

Javier Salvago – Conviene no Olvidarlo

Por esta senda,
que llaman vida, todos
vamos a tientas,

igual que un ciego.
En ceniza terminan
todos los fuegos.

Mario Benedetti – Tempo sem Tempo

Preciso de tempo, necessito desse tempo
que os outros deixam de lado
porque lhes sobra ou já não sabem
o que fazer com ele
tempo
em branco
em rubro
em verde
mesmo em castanho escuro
não me importa a cor
cândido tempo
que eu não posso abrir
e fechar
como uma porta

tempo para olhar uma árvore, um farol
para caminhar à beira de um descanso
para pensar que bom que hoje é inverno
para morrer um pouco
e nascer em seguida
e dar-me conta
e dar-me corda
preciso do tempo necessário para
chapinhar algumas horas na vida
e investigar por que estou triste
e acostumar-me ao meu velho esqueleto

tempo para esconder-me
no canto de um galo
e para reaparecer
em um relincho
e para estar em dia
para estar à noite
tempo sem recato e sem relógio

vale dizer, preciso
ou seja, necessito
digamos que me faz falta
tempo sem tempo.

trad.: Nelson Santander

Mario Benedetti – Tiempo sin Tiempo

Preciso tiempo necesito ese tiempo
que otros dejan abandonado
porque les sobra o ya no saben
que hacer con él
tiempo
en blanco
en rojo
en verde
hasta en castaño oscuro
no me importa el color
cándido tiempo
que yo no puedo abrir
y cerrar
como una puerta

tiempo para mirar un árbol un farol
para andar por el filo del descanso
para pensar qué bien hoy es invierno
para morir un poco
y nacer enseguida
y para darme cuenta
y para darme cuerda
preciso tiempo el necesario para
chapotear unas horas en la vida
y para investigar por qué estoy triste
y acostumbrarme a mi esqueleto antiguo

tiempo para esconderme
en el canto de un gallo
y para reaparecer
en un relincho
y para estar al día
para estar a la noche
tiempo sin recato y sin reloj

vale decir preciso
o sea necesito
digamos me hace falta
tiempo sin tiempo.

Roger Wolfe – A Última Noite da Terra

O melro de todos os anos voltou a visitar minha casa
E, no entanto, permaneço aqui.
Sua melodia não muda, já o escrevi antes.
Mas o meu trabalho é constatar o óbvio
e é isso que o melro faz-me recordar.
O tempo passa, as pessoas envelhecem, morrem
por sua própria mão ou com ajuda.
As palavras vazam pelo ralo
do que alguém já chamou de “a história secreta”.
Tudo flui e se perde, os rios no mar,
o mar na imensidão incalculável do cosmos,
o cosmos no nada do qual não deveria ter saído.
Enquanto isso, digitamos.
Um surdo tamborilar contra séculos de morte programada
e um futuro de certeira incerteza.
Um batalhão de patéticos amanuenses do esquecimento
exigindo duas camisas para o caminho até o patíbulo.
Todavia, não é o frio o problema, mas o medo.
E é o melro, em sua ignorância, quem conhece a verdade.
Cumpre sem a mínima estridência
o ritual que lhe impôs a biologia.
E depois morrerá. Sem epitáfios, como este,
que desaparecerão com um esgar de indiferença
entre as chamas da última noite da Terra,
quando ninguém já perceber qualquer significado,
se é que algo já fez sentido alguma vez.

Trad.: Nelson Santander

Roger Wolfe – La última noche de la tierra

El mirlo de todos los años ha vuelto a visitar mi casa
y todavía sigo aquí.
Su música no cambia y eso ya lo he escrito.
Pero mi trabajo es constatar lo obvio
y eso es lo que el mirlo me viene a recordar.
El tiempo pasa, la gente se hace vieja, se muere,
por su propia mano o con ayuda.
Las palabras van bajando por el desagüe
de lo que alguien ha llamado la intrahistoria.
Todo fluye y se pierde, los ríos en el mar,
el mar en la inmensidad inabarcable del cosmos,
el cosmos en la nada de la que no debió salir.
Mientras tanto tecleamos.
Un sordo tamborileo contra siglos de muerte programada
y un futuro de certera incertidumbre.
Un batallón de patéticos amanuenses del olvido
exigiendo dos camisas para el camino hacia el patíbulo.
Pero no es el frío el problema, sino el miedo.
Y es el mirlo, en su ignorancia, el que sabe la verdad.
Cumple sin la más mínima estridencia
el ritual que le ha impuesto la biología.
Luego morirá. Sin epitafios, como éste,
que se deshagan con una mueca indiferente
entre las llamas de la última noche de la Tierra,
cuando nadie entienda ya ningún significado,
si es que algo tuvo sentido alguna vez.

Charles Simic – Na Biblioteca

                  Para Octavio

Há um livro chamado
“Um Dicionário dos Anjos”.
Não foi aberto por ninguém em cinquenta anos,
Eu sei, porque quando o fiz
As capas rangeram, as páginas
desintegraram-se. Nele descobri
Que os anjos já foram tão abundantes
Quanto moscas. O céu ao entardecer
Costumava ficar repleto deles.
Você precisava agitar ambos os braços
Apenas para mante-los afastados.
Agora o sol está brilhando
Através de altas janelas.
A biblioteca é um lugar tranquilo.
Anjos e deuses amontoados
em sombrios tomos fechados.
O grande segredo está
Em alguma estante pela qual
Miss Jones passa em sua ronda diária.
Ela é muito alta, então mantém
Sua cabeça inclinada como se estivesse escutando.
Os livros estão sussurrando.
Eu não ouço nada, mas ela sim.

Trad.: Nelson Santander

Charles Simic – In Library

There’s a book called
“A Dictionary of Angels.”
No one has opened it in fifty years,
I know, because when I did,
The covers creaked, the pages
Crumbled. There I discovered
The angels were once as plentiful
As species of flies. The sky at dusk
Used to be thick with them.
You had to wave both arms
Just to keep them away.
Now the sun is shining
Through the tall windows.
The library is a quiet place.
Angels and gods huddled
In dark unopened books.
The great secret lies
On some shelf Miss Jones
Passes every day on her rounds.
She’s very tall, so she keeps
Her head tipped as if listening.
The books are whispering.
I hear nothing, but she does.

Jorge Luis Borges – Sobre nós

Amamos o que não conhecemos, o já perdido.
O bairro que foi periferia.
Os antigos, que já não podem nos decepcionar
porque são mito e esplendor.
Os seis volumes de Schopenhauer,
que não acabaremos de ler.
A lembrança, não a leitura, da segunda parte do Quixote.
O Oriente que, sem dúvida, não existe para o afegão,
o persa ou o tártaro.
Os mais velhos, com os quais não conseguiríamos conversar
durante um quarto de hora.
As mutáveis formas da memória,
que é feita de esquecimento.
As línguas que mal deciframos.
Algum verso latino ou saxão, que não é mais do que um hábito.
Os amigos que não podem nos faltar
porque já morreram.
O ilimitado nome de Shakespeare.
A mulher que está ao nosso lado e que é tão diversa.
O xadrez e a álgebra, que não compreendo.

Trad.: Nelson Santander

Jorge Luis Borges – Lo nuestro

Amamos lo que no conocemos, lo ya perdido.
El barrio que fue las orillas.
Los antiguos, que ya no pueden defraudarnos,
porque son mito y esplendor.
Los seis volúmenes de Schopenhauer,
que no acabaremos de leer.
El recuerdo, no la lectura, de la segunda parte del Quijote.
El Oriente, que sin duda no existe para el afgano,
el persa o el tártaro.
Nuestros mayores, con los que no podríamos conversar
durante un cuarto de hora.
Las cambiantes formas de la memoria,
que está hecha de olvido.
Los idiomas que apenas desciframos.
Algún verso latino o sajón, que no es otra cosa que un hábito.
Los amigos que no pueden faltarnos,
porque se han muerto.
El ilimitado nombre de Shakespeare.
La mujer que está a nuestro lado y que es tan distinta.
El ajedrez y el álgebra, que no sé.

José Alcaraz – Volta para Casa

Atravessa as ruas
absorto nos ecos das pessoas,
distante inclusive de seus pensamentos.
Não chove, não abre seu guarda-chuva,
no entanto, como sempre, molham-se
não só seus sapatos
como a vida também, porque às vezes
não recorda que o mundo o reclama.
Caminha como quem não sabe para onde,
a cada passo crê estar só
e mais longe das outras pessoas,
por isso demora a encontrar as palavras,
e quando as pronuncia já não há ninguém
esperando. Depois
novamente o caminho de volta,
as ruas, a tristeza. E nada mais,
salvo sua casa, e ele,
diante de um espelho,
olhando-me nos olhos.

Trad.: Nelson Santander

José Alcaraz – Vuelta a Casa

Atraviesa las calles
ensimismado en ecos de la gente,
distante incluso de sus pensamientos.
No llueve, no despliega su paraguas,
pero a él, como siempre, se le mojan
no solo los zapatos
sino también la vida porque a veces
no recuerda que el mundo lo reclama.
Camina como quien no sabe adónde,
a cada paso cree que está solo
y más lejos del resto de personas,
así que llega tarde a sus palabras
y cuando las pronuncia ya no hay nadie
esperando. Después
nuevamente el camino de regreso,
las calles, la tristeza. Y nada más,
salvo su casa, y él,
delante de un espejo,
mirándome a los ojos.

Hans Magnus Enzensberger – A Visita

Quando levantei os olhos da página em branco
havia um anjo no quarto.

Um anjo bastante comum
presumivelmente de menor hierarquia.

Você não pode imaginar, ele disse,
o tanto que você é dispensável.

Dos quinze mil tons de azul,
ele disse, cada um faz mais diferença

Do que tudo que você possa fazer
ou deixar de fazer.

Sem mencionar o feldspato
ou a Grande Nuvem de Magalhães.

Mesmo a banana-da-terra mais comum, com toda
sua modéstia, deixaria uma lacuna. Você não.

Eu poderia falar de seus olhos brilhantes –
Ele esperava por uma discussão, por uma longa disputa.

Eu não me mexi. Esperei em silêncio
até que ele partisse.

Trad.: Nelson Santander (a partir de tradução do alemão para o inglês feita por Michael Hamburger, David Constantine e Hans Magnus Enzensberger: https://www.bu.edu/european/files/2014/12/Chapter6_Layout-1.pdf )

Hans Magnus Enzensberger – The Visit

When I looked up from my blank page
there was an angel in the room.

A rather commonplace angel,
presumably of lower rank.

You cannot imagine, he said,
the degree to which you’re dispensable.

Of the fifteen thousand hues of blue,
he said, each one makes more of a difference

Than anything you may do
or refrain from doing,

Not to mention the feldspar
or the Great Magellanic Cloud.

Even the most common Plantain, unassuming
as it is, would leave a gap. Not you.

I could tell from his bright eyes –
he hoped for an argument, for a long fight.

I did not move.I waited in silence
until he had gone away.

Hans Magnus Enzensberger – Discurso pós-jantar em um noivado

Este eu, um invólucro que,
contanto que ninguém o abra,
parece compacto, regular
como um Kinder ovo,
quase apetitoso. Só por dentro
é escuro. Quem sabe
o que estará esperando por você lá.
Obsessões, sem dúvida,
hábitos enferrujados,
medos incompreensíveis,
truques de segunda mão,
desejos infantis.
Que você deseje tê-la,
esta caixa de presente,
beira o milagre.

Trad.: Nelson Santander (a partir de tradução do alemão para o inglês feita por Martin Chalmers e Esther Kinsky, in A History of Clouds. 99 Meditations by Hans Magnus Enzensberger)

After-Dinner Speech at an Engagement

This self, a container, which,
as long as no one opens it,
appears compact, smooth
as a Kinder egg,
almost appetizing. Only inside,
there it’s dark. Who knows
what’s waiting for you there.
Obsession no doubt,
rusty habits,
incomprehensible fears,
second-hand tricks,
childish desires.
That you want to have it,
this gift box,
borders on a miracle.