Wendell Berry – Questionário

1. Quanto veneno você está disposto
a consumir para o sucesso do livre
mercado e do comércio internacional? Por favor,
indique seus venenos preferidos.

2. Em nome do bem, quanto
mal você está disposto a praticar?
Preencha os campos abaixo
com os nomes de suas maldades e
atos de ódio favoritos.

3. Que sacrifícios você está disposto
a fazer pela cultura e pela civilização?
Por favor, liste os monumentos, santuários
e obras de arte que você
destruiria de bom grado.

4. Em nome do patriotismo e de nossa
bandeira, quanto de nossa amada
terra você está disposto a profanar?
Liste nos espaços a seguir
as montanhas, rios, cidades e fazendas
sem as quais você poderia passar mais facilmente.

5. Descreva sucintamente as ideias, ideais ou esperanças,
as fontes de energia, as questões de segurança
pelas quais você mataria uma criança.
Indique, por favor, as crianças que
você estaria disposto a matar.

Trad.: Nelson Santander

Questionnaire

1. How much poison are you willing
to eat for the success of the free
market and global trade? Please
name your preferred poisons.

2. For the sake of goodness, how much
evil are you willing to do?
Fill in the following blanks
with the names of your favorite
evils and acts of hatred.

3. What sacrifices are you prepared
to make for culture and civilization?
Please list the monuments, shrines,
and works of art you would
most willingly destroy.

4. In the name of patriotism and
the flag, how much of our beloved
land are you willing to desecrate?
List in the following spaces
the mountains, rivers, towns, farms
you could most readily do without.

5. State briefly the ideas, ideals, or hopes,
the energy sources, the kinds of security,
for which you would kill a child.
Name, please, the children whom
you would be willing to kill.

Audre Lorde – As abelhas

Na rua, em frente a uma escola,
o que as crianças aprenderam
as possui.
Garotos gritam enquanto apedrejam um enxame de abelhas
que tenta se reunir
entre a janela do refeitório e uma grade de ferro.
Os garotos arremessam pedras furiosas
despedaçando as janelas.
As abelhas, zumbindo sua raiva,
demoram a atacar.
Então, um dos meninos é picado
em uma destruição mais rápida
e os inspetores escolares aparecem com
longas varas de madeira estendidas diante deles
eles avançam sobre a colmeia
destruindo os salões de cera quase concluídos
esmagando os novos túneis
enquanto o mel fresco escorre
pelos cabos de suas vassouras
e os pés dos moleques se tornam peritos
em destruição,
pisoteando as aturdidas abelhas restantes
na terra.

Curiosas e afastadas
quatro garotinhas assistem a tudo fascinadas
aprendendo uma secreta lição
e tentando entender elas mesmas a destruição.
Uma delas grita:
“Ei, as abelhas não estavam causando nenhum problema!”
e atravessa as ruínas que zumbem debilmente
para espreitar o vazio recanto raspado
“Nós poderíamos ter estudado a fabricação do mel!”

Trad.: Nelson Santander

The bees

In the street outside a school
what the children learn
possesses them.
Little boys yell as they stone a flock of bees
trying to swarm
between the lunchroom window and an iron grate.
The boys sling furious rocks
smashing the windows.
The bees, buzzing their anger,
are slow to attack.
Then one boy is stung
into quicker destruction
and the school guards come
long wooden sticks held out before them
they advance upon the hive
beating the almost finished rooms of wax apart
mashing the new tunnels in
while fresh honey drips
down their broomsticks
and the little boy feet becoming expert
in destruction
trample the remaining and bewildered bees
into the earth.

Curious and apart
four little girls look on in fascination
learning a secret lesson
and trying to understand their own destruction.
One girl cries out
“Hey, the bees weren’t making any trouble!”
and she steps across the feebly buzzing ruins
to peer up at the empty, grated nook
“We could have studied honey-making!”

Barbara Ras – Você não pode ter tudo

Mas você pode ter a figueira e suas folhas fartas como mãos de palhaço
enluvadas de verde. Você pode ter o toque de um único dedo de onze anos de idade
em seu rosto, acordando-a à uma da madrugada para dizer que o hamster reapareceu.
Você pode ter o ronronar do gato e o olhar comovente
do cachorro preto, o olhar que diz: se eu pudesse morderia
toda dor até que ela a abandonasse, e quando fosse agosto
você poderia tê-la em agosto e em abundância. Você pode ter amor,
embora frequentemente ele seja misterioso como a espuma branca
que borbulha no topo da panela sobre o feijão vermelho
até que você perceba que o gêmeo da espuma é o sangue.
Você pode ter a pele no centro entre as pernas de um homem,
tão sólida, tão parecido com um boneco. Você pode ter uma vida intelectual,
brilhando ocasionalmente em vestes sacerdotais, nunca admitindo a mesquinhez,
jamais se rebaixando para subornar o guarda taciturno que lhe avisará sobre
todas as estreitas estradas da fronteira.
Você pode, às vezes, falar uma língua estrangeira,
o que pode significar algo. Você pode visitar a lápide
onde seu pai chorou abertamente. Você não pode trazer os mortos de volta,
mas pode ter as palavras perdoar e esquecer de mãos dadas
como se fossem passar a vida toda juntas. E você pode ser grata
pela maquiagem, pelo jeito que ela beija seu rosto, parte tempero, parte amnésia, grata
por Mozart, suas muitas notas correndo umas com as outras em direção à alegria, pelas toalhas
absorvendo as gotas em sua pele limpa, e pela sede mais profunda,
pelo maracujá, pela saliva. Você pode ter o sonho,
o sonho do Egito, os cavalos do Egito e você cavalgando na areia escaldante.
Você pode ter o seu avô sentado ao lado da sua cama,
pelo menos por algum tempo, você pode ter nuvens e cartas, o salto
de distâncias, e comida indiana com um molho amarelo como o nascer do sol.
Você não pode contar com a graça de ser a escolhida no meio da multidão
mas eis aqui sua amiga para ensinar-lhe salto em altura,
sobre como se lançar sobre o sarrafo, de costas,
até que você aprenda sobre o amor, sobre a doce rendição,
e aqui estão os caramujos, ônibus que se ajoelham, fazendas na mente
tão reais como a África. E quando a maturidade a desapontar,
você ainda pode invocar a lembrança do cisne negro na lagoa
de sua infância, do pão de centeio com manteiga de amendoim e bananas
que sua avó lhe dava enquanto o resto da família dormia.
Há a voz que você ainda pode invocar à vontade, como a de sua mãe,
ela sempre irá sussurrar, você não pode ter tudo,
mas tem isso.

Trad.: Nelson Santander

You can’t have it all

But you can have the fig tree and its fat leaves like clown hands
gloved with green. You can have the touch of a single eleven-year-old finger
on your cheek, waking you at one a.m. to say the hamster is back.
You can have the purr of the cat and the soulful look
of the black dog, the look that says, If I could I would bite
every sorrow until it fled, and when it is August,
you can have it August and abundantly so. You can have love,
though often it will be mysterious, like the white foam
that bubbles up at the top of the bean pot over the red kidneys
until you realize foam’s twin is blood.
You can have the skin at the center between a man’s legs,
so solid, so doll-like. You can have the life of the mind,
glowing occasionally in priestly vestments, never admitting pettiness,
never stooping to bribe the sullen guard who’ll tell you
all roads narrow at the border.
You can speak a foreign language, sometimes,
and it can mean something. You can visit the marker on the grave
where your father wept openly. You can’t bring back the dead,
but you can have the words forgive and forget hold hands
as if they meant to spend a lifetime together. And you can be grateful
for makeup, the way it kisses your face, half spice, half amnesia, grateful
for Mozart, his many notes racing one another towards joy, for towels
sucking up the drops on your clean skin, and for deeper thirsts,
for passion fruit, for saliva. You can have the dream,
the dream of Egypt, the horses of Egypt and you riding in the hot sand.
You can have your grandfather sitting on the side of your bed,
at least for a while, you can have clouds and letters, the leaping
of distances, and Indian food with yellow sauce like sunrise.
You can’t count on grace to pick you out of a crowd
but here is your friend to teach you how to high jump,
how to throw yourself over the bar, backwards,
until you learn about love, about sweet surrender,
and here are periwinkles, buses that kneel, farms in the mind
as real as Africa. And when adulthood fails you,
you can still summon the memory of the black swan on the pond
of your childhood, the rye bread with peanut butter and bananas
your grandmother gave you while the rest of the family slept.
There is the voice you can still summon at will, like your mother’s,
it will always whisper, you can’t have it all,
but there is this.

Ursula K. Le Guin – Hino ao tempo

O Tempo diz “Que haja”
e instantaneamente, a todo instante,
existe espaço e o esplendor
de cada galáxia brilhante.

E olhos contemplando o céu cintilante.
E a dança dos mosquitos, tremulante.
E a extensão do mar.
E a morte, e o azar.

O tempo deixa espaço
para ir e voltar para casa
e no ventre do tempo
tudo começa e acaba.

Tempo é ser e ser é tempo
é tudo o mesmo elemento,
o brilho, a visão,
a abundante escuridão.

Trad.: Nelson Santander

Hymn to time

Time says “Let there be”
every moment and instantly
there is space and the radiance
of each bright galaxy.

And eyes beholding radiance.
And the gnats’ flickering dance.
And the seas’ expanse.
And death, and chance.

Time makes room
for going and coming home
and in time’s womb
begins all ending.

Time is being and being
time, it is all one thing,
the shining, the seeing,
the dark abounding.

Jane Hirshfield – Encantamento para se recitar contra o ódio

Até que cada respiração repudie eles, aqueles, outros.
Até que a Dramatis Personae da primeira página do livro diga: “Cada um deles é você.”
Até que a esperança se dobre à sua desesperança apenas quando um ser se dobrar para outro.
Até que a crueldade se dobre às suas ações e subitamente perceba: eu.
Até que a raiva e a injúria se reconheçam como pernas incineráveis de uma mesa imprestável.
Até que se dobrem espontaneamente os indiferentes joelhos.
Até que o medo se curve para o seu objeto como a sombra de um pássaro se curva para o seu pássaro.
Até que a dor da solidão penetre as mãos, as costelas, os tornozelos.
Até que o som que o rato faz penetre a boca do gato.
Até que os inaudíveis ácidos banhem o coral.
Ate que se sinta que o que ninguém está pesando já não é mais sem peso.
Até que se sinta que o que ninguém está ganhando já não é mais subtraído.
Até que a dor, a pena, a confusão, o riso, a saudade se reconheçam nos espelhos.
Até que por nós nós queiramos dizer eu, eles, você, o rato almiscarado, o tigre, a fome.
Até que por eu nós queiramos dizer como late um cachorro, soando e sumindo, soando e sumindo completamente.
Até que por até nós queiramos dizer eu, nós, você, eles, o rato almiscarado, o tigre, a fome,
o solitário latido do cão antes de obter uma resposta.

Trad.: Nelson Santander

Spell to be said against hatred

Until each breath refuses they, those, them.
Until the Dramatis Personae of the book’s first page says “Each one is you.”
Until hope bows to its hopelessness only as one self bows to another.
Until cruelty bends to its work and sees suddenly: I.
Until anger and insult know themselves burnable legs of a useless table.
Until the unsurprised unbidden knees find themselves bending.
Until fear bows to its object as a bird’s shadow bows to its bird.
Until the ache of the solitude inside the hands, the ribs, the ankles.
Until the sound the mouse makes inside the mouth of the cat.
Until the inaudible acids bathing the coral.
Until what feels no one’s weighing is no longer weightless.
Until what feels no one’s earning is no longer taken.
Until grief, pity, confusion, laughter, longing know themselves mirrors.
Until by we we mean I, them, you, the muskrat, the tiger, the hunger.
Until by I we mean as a dog barks, sounding and vanishing and sounding and
vanishing completely.
Until by until we mean I, we, you, them, the muskrat, the tiger, the hunger,
the lonely barking of the dog before it is answered.

Warsan Shire – Casa

ninguém sai de casa a não ser que
a casa seja a boca de um tubarão
você só corre para a fronteira
quando vê a cidade inteira correndo também

seus vizinhos correm mais rápidos do que você
respiram o sangue em suas gargantas
o menino com quem você ia para a escola e
que a beijou atordoada atrás da velha fábrica de estanho
segura uma arma maior do que o próprio corpo
você só sai de casa
quando a casa não deixa você ficar.

ninguém sai de casa a não ser que a casa a persiga
fogo sob os seus pés
sangue quente em sua barriga
não é algo que você tenha planejado fazer
até a lâmina queimar ameaças em
seu pescoço
e mesmo assim você carregou o hino
silenciosamente
apenas rasgando seu passaporte em um banheiro de aeroporto
soluçando enquanto cada pedacinho de papel
deixava claro que você não iria voltar.

você tem que entender
que ninguém coloca seus filhos em um barco
a menos que a água seja mais segura do que a terra
ninguém queima as palmas das mãos
sob trens
debaixo de vagões
ninguém passa dias e noites no estômago de um caminhão
se alimentando de jornais a menos que as milhas percorridas
signifiquem algo mais do que a jornada
ninguém rasteja sob cercas
ninguém quer ser espancado
lamentado

ninguém escolhe campos de refugiados
ou revistas íntimas em que seu
corpo fica todo dolorido
ou a prisão,
porque a prisão é mais segura
do que uma cidade de fogo
e um carcereiro
na noite
é melhor do que um caminhão
de homens que se parecem com seu pai
ninguém poderia aguentar
ninguém teria estômago pra isso
nenhuma pele seria resistente o suficiente

vão
para casa negros
refugiados
imigrantes imundos
suplicantes de asilo
sugando nosso país até seca-lo
pretos com as mãos estendidas
eles cheiram estranho
selvagens
bagunçaram seu país e agora querem
bagunçar o nosso
como fazem as palavras
os olhares de reprovação
escorrem pelas suas costas
talvez porque o golpe seja mais suave
do que um membro arrancado

ou as palavras sejam mais ternas
do que quatorze homens entre
suas pernas
ou os insultos sejam mais fáceis
de engolir
do que cascalho
do que osso
do que o corpo do seu filho
em pedaços.
eu quero ir para casa,
mas a casa é a boca de um tubarão
a casa é o cano da arma
e ninguém deixaria sua casa
a menos que a casa persiga você até a costa
a menos que a casa mande você
acelerar seus passos
deixar suas roupas para trás
rastejar através do deserto
vagar pelos oceanos
afogar-se
salvar-se
passar fome
implorar
esquecer o orgulho
sua sobrevivência é mais importante

ninguém sai de casa até que a casa seja uma voz suada em seu ouvido
dizendo –
vá embora,
fuja de mim agora
eu não sei o que me tornei
mas sei que qualquer lugar
é mais seguro do que aqui

Trad.: Nelson Santander

Home

no one leaves home unless
home is the mouth of a shark
you only run for the border
when you see the whole city running as well

your neighbors running faster than you
breath bloody in their throats
the boy you went to school with
who kissed you dizzy behind the old tin factory
is holding a gun bigger than his body
you only leave home
when home won’t let you stay

no one leaves home unless home chases you
fire under feet
hot blood in your belly
it’s not something you ever thought of doing
until the blade burnt threats into
your neck
and even then you carried the anthem under
your breath
only tearing up your passport in an airport toilets
sobbing as each mouthful of paper
made it clear that you wouldn’t be going back

you have to understand,
that no one puts their children in a boat
unless the water is safer than the land
no one burns their palms
under trains
beneath carriages
no one spends days and nights in the stomach of a truck
feeding on newspaper unless the miles travelled
means something more than journey.
no one crawls under fences
no one wants to be beaten
pitied

no one chooses refugee camps
or strip searches where your
body is left aching
or prison,
because prison is safer
than a city of fire
and one prison guard
in the night
is better than a truckload
of men who look like your father
no one could take it
no one could stomach it
no one skin would be tough enough

the
go home blacks
refugees
dirty immigrants
asylum seekers
sucking our country dry
niggers with their hands out
they smell strange
savage
messed up their country and now they want
to mess ours up
how do the words
the dirty looks
roll off your backs
maybe because the blow is softer
than a limb torn off

or the words are more tender
than fourteen men between
your legs
or the insults are easier
to swallow
than rubble
than bone
than your child body
in pieces.
i want to go home,
but home is the mouth of a shark
home is the barrel of the gun
and no one would leave home
unless home chased you to the shore
unless home told you
to quicken your legs
leave your clothes behind
crawl through the desert
wade through the oceans
drown
save
be hunger
beg
forget pride
your survival is more important

no one leaves home until home is a sweaty voice in your ear
saying-
leave,
run away from me now
i dont know what i’ve become
but i know that anywhere
is safer than here

Louise Glück – Viúvas

Minha mãe está jogando cartas com minha tia,
Spite and Malice*, o passatempo da família, o jogo
que minha vó ensinava a todas as suas filhas.

É o auge do verão: quente demais para sair.
Hoje minha tia está em vantagem; ela está recebendo as cartas boas.
Minha mãe está se arrastando, com problemas em se concentrar.
Ela não consegue se acostumar com a própria cama neste verão.
Ela não teve problema nenhum no último verão,
quando teve que se acostumar com o chão. Ela aprendeu a dormir lá
para ficar perto do meu pai.
Ele estava morrendo; ele tinha uma cama especial.

Minha tia não cede nem um centímetro, não leva
em consideração o cansaço da minha mãe.
É como elas foram criadas: você demonstra respeito lutando.
Desistir insulta o oponente.

Cada jogador tem uma pilha à sua esquerda e cinco cartas na mão.
É bom estar dentro de casa em dias como este,
ficar onde está fresco.
E este é um jogo melhor do que os outros, melhor do que solitaire**.

Minha vó pensava adiante; ela preparou suas filhas.
Elas têm cartas; elas têm uma a outra.
Elas não precisam de mais companhia.

O jogo continua por toda a tarde, mas o sol não se move.
Ele segue batendo, deixando a grama amarela.
É assim que deve parecer para a minha mãe.
E então, de repente, a coisa termina.

Minha tia está nisto há mais tempo; talvez por isso ela esteja jogando melhor.
Suas cartas evaporam: é isso o que se quer, esse é o objetivo: no final,
quem não tem nada, vence.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.:

* O Spite and Malice é uma espécie de jogo de cartas tradicional, semelhante à Paciência, que pode ser jogado por duas ou mais pessoas. Nele, o objetivo é jogar todas as cartas da pilha que fica à esquerda do jogador nos três montes que ficam no centro da mesa/tabuleiro. Vence quem primeiro se livrar de todas as cartas.

** Solitaire é qualquer jogo de tabuleiro que se pode jogar sozinho (com cartas, dominós, etc.) – em especial o jogo de Paciência, jogado com cartas. Optei por manter o nome do jogo como ele é conhecido nos EUA porque a autora o emprega para fazer um eficiente jogo de palavras: embora o jogo se chame Solitaire (palavra francesa que, obviamente, significa solitário), quando as viúvas se juntam para jogá-lo, o objetivo é fugir desse estado.

Widows

My mother’s playing cards with my aunt,
Spite and Malice, the family pastime, the game
my grandmother taught all her daughters.

Midsummer: too hot to go out.
Today, my aunt’s ahead; she’s getting the good cards.
My mother’s dragging, having trouble with her concentration.
She can’t get used to her own bed this summer.
She had no trouble last summer,
getting used to the floor. She learned to sleep there
to be near my father.
He was dying; he got a special bed.

My aunt doesn’t give an inch, doesn’t make
allowance for my mother’s weariness.
It’s how they were raised: you show respect by fighting.
To let up insults the opponent.

Each player has one pile to the left, five cards in the hand.
It’s good to stay inside on days like this,
to stay where it’s cool.
And this is better than other games, better than solitaire.

My grandmother thought ahead; she prepared her daughters.
They have cards; they have each other.
They don’t need any more companionship.

All afternoon the game goes on but the sun doesn’t move.
It just keeps beating down, turning the grass yellow.
That’s how it must seem to my mother.
And then, suddenly, something is over.

My aunt’s been at it longer; maybe that’s why she’s playing better.
Her cards evaporate: that’s what you want, that’s the object: in the end,
the one who has nothing wins.

Nelson Santander – Singularidade

Logo no início do blog, publiquei alguns poemas de minha autoria, não tanto pelo valor intrínseco que cada um deles dificilmente possa ter, mas para deixa-los “arquivados” nesse grande arquivo virtual que é a internet. Dentre eles, o poema que segue é aquele que considero o menos ruim de todos os que cometi.

Como minhas duas últimas publicações (do dia 27 e 29/11) foram de poemas também intitulados “Singularidade”, achei interessante republicar a minha “Singularidade”. Se não para fins de comparação, ao menos para ilustrar como cada um de nós, valendo-nos de um mesmo tema como mote, o abordamos de maneiras distintas: Marie Howe, à maneira tradicional dos poetas modernos, com sua preocupação com o humano e a natureza; Marissa Davis – cujo poema é uma espécie de resposta a Howe – com sua fragmentação experimental da palavra e o uso do fluxo do pensamento, tão caro às vanguardas literárias do século XX; e a minha singularidade – um poema neoconcreto com suas preocupações existenciais centradas no tempo-espaço.

Nelson Santander – Singularidade