Geruza Zelnys – descomedimentos

que venha abaixo
tudo

que venha abaixo
o que é tempestade e destruição
que não sobre embarcação e vela
que os raios queimem plantações
e trovões arrebentem toda a terra
e teu corpo se deite sobre o meu
e tua boca mate toda fome minha
e que versos & palavras do amor
sejam ditos bem ditos mal ditos

que venha abaixo
          a TEMPESTADE

porque onde se viu
tempestadezinha homeopática
administrada passiflora
a conta gotas?

Aqui: http://geruzazelnys.blogspot.com/2013/10/descomedimentos.html

Luis Alberto de Cuenca – Só o silêncio salva

Só o silêncio salva, companheiro.
Só o silêncio salva. Se tiveste
uma noite gloriosa em que Afrodite
sorriu para ti e Baco encheu-te
a taça sem cessar, pensa que em breve,
quando e noite se for,
teus amigos voltarem para casa
e começar a amanhecer, só o silêncio
te salvará, rapaz. Tem isso em conta.

Trad.: Nelson Santander

Sólo el silencio salva

Sólo el silencio salva, compañero.
Sólo el silencia salva. Si has tenido
una noche gloriosa en que Afrodita
te ha sonreído y Baco te ha llenado
la copa sin cesar, piensa que luego,
cuando la oscuridad se desvanezca,
tus amigos se marchen a sus casas
y empiece a amanecer, sólo el silencio
va a salvarte, muchacho. Tenlo en cuenta.

Arnaldo Antunes, Fernando Laszlo e Walter Silveira – Fome de Sede

fomedesede

Antonia Pozzi – Morte de uma estação

Choveu toda a noite
sobre as memórias do verão.

Ao anoitecer saímos
no meio de um ribombar lúgubre de pedras
e, parados na margem, levantamos as lanternas
para explorar o perigo das pontes.

Ao amanhecer vimos as pálidas andorinhas
ensopadas e pousadas sobre os fios
à espreita de indícios secretos de partida –

e refletiam-nas na terra
as fontes com os rostos desfeitos.

Trad.: Inês Dias

Morte di una stagione

Piovve tutta la notte
sulle memorie dell’estate.

Al buio uscimmo
entro un tuonare lugubre di pietre,
fermi sull’argine reggemmo lanterne
a esplorare il pericolo dei ponti.

All’alba pallidi vedemmo le rondini
sui fili fradice immote
spiare cenni arcani di partenza –

e le specchiavano sulla terra
le fontane dai volti disfatti.

Pasturo, 20 settembre 1937

Dan Fante – [Eu conheci o mais faminto]

Eu conheci o mais faminto
e desprezível dos gatos
enquanto sentava com um livro
e meio maço de cigarros
num banco
em Venice Beach

Ele me viu e apareceu
branco
sujo
com um olho verde e outro amarelo
e um corte recente em sua orelha desfigurada

Furioso como um lobo ferido
ele estabeleceu uma distância
e seu olhar dizia, me alimente ou dê o fora
o banco em que você está é meu território

O que ele não sabia é que eu também conheço o desespero
e a loucura
e o que o vazio e a solidão e a raiva podem fazer a você quando não há nada além de dor em seus bolsos e sua casa é um Pontiac 1978 fodido estacionado em um beco a Oeste de L.A. e as vozes na sua cabeça estão te esculpindo e matando cada vez mais a cada dia e você acorda e bebe mais vinho barato para se manter longe de uma súbita loucura e Deus torna-se um cara saindo do supermercado te entregando uns trocados para outra maldita garrafa e medo é o seu sentimento mais digno e amor é morte e todo momento é morte e até os seus olhos fedem e suas tripas estão inchadas com as vozes esganiçadas daqueles que você odeia e a única sanidade que existe só pode ser encontrada no pequeno milagre de virar o copo e beber mais um gole

Esse maldito gato branco não sabe que
eu fui cortado também

pelo mesmo fio

A única diferença entre nós
são dez anos e uma máquina de escrever

Trad.: Edivaldo Ferreira

I met the meanest
bastard starving cat
while sitting with a book
on a bench
smoking half pack of Luckies
at Venice beach

He saw me and came up
white
filthy
with one green eye
and one yellow eye
and a fresh slash on his scarred ear

Angry as a wounded wolf
he kept his distance
and his look said, feed me or fuck off
that bench you´re on is my territory

What he didn´t know is that I know desperate too
and crazy
and what emptiness and aloneness and rage can do to you when you´ve got nothing but your own pain in your pockets and your home is a busted-out 1978 Pontiac stalled in a alley in West L.A and the voice in your mind is carving you up and killing more of you off each day and you wake up and drink more rat-piss wine to keep you from instant madness and god becomes a guy coming out of the 7-11 handing you chump change toward another fucking jug and fear is your finest feeling and love is dead and all time is dead an even your eyes stink and your gut is bloated with the screaming voices of those you hate and the only real sanity there is can be found in the small miracle of sucking back one more drink

That mean white cat didn´t know that I´ve been cut too
from the same cloth the only difference between us
is ten years and a typewriter

Dylan Thomas – Colina de samambaias

Quando, junto à casa em festa, sob os ramos da macieira,
Eu era lépido e jovem, e feliz como era verde a relva,
A noite suspensa sobre as estrelas do desfiladeiro,
O tempo a permitir que eu gritasse e me erguesse,
Dourado, no fulgurante apogeu de seus olhos,
Eu, venerado entre as carroças, era o príncipe da cidade das maçãs,
E certa vez, com orgulho, fiz com que as árvores e as folhas
Se arrastassem com margaridas e cevada
Até os rios iluminados pelos frutos caídos sobre a terra.

E como era moço e descuidado, famoso entre os celeiros
Ao redor do pátio feliz, e cantava, pois a fazenda era o meu lar,
Sob o sol, que é jovem apena uma vez,
O tempo deixava-me brincar e ser dourado
Na misericórdia de seus bens,
E, verde e dourado, eu era caçador e pastor, mugiam os bezerros
Ao som de minha trompa, das colinas vinha o uivo claro e frio das raposas,
E lentamente ecoava a celebração do domingo
Nos seixos dos córregos sagrados.

Tudo fluía e era belo sob o sol: os campos de feno
Altos como a casa, a música das chaminés, tudo era ar
E ecoava, cheio de água e sortilégio,
E fogo era tão verde quanto a relva,
E à noite, sob a luz das estrelas humildes,
Enquanto eu cavalgava rumo ao sono, as corujas subjugavam a fazenda,
E sob a lua, abençoado entre os estábulos, eu ouvia os noitibós
Voando entre as medas, e os cavalos
Que flamejavam em meio às trevas.

E então, ao despertar, a fazenda, como um vagabundo
Branco de orvalho, regressa com o galo sobre o ombro: tudo
Fulgia, tudo era Adão e sua donzela,
O céu se adensava outra vez
E o sol crescia ao redor daquele dia imaculado.
Assim deve ter sido após o nascimento da luz elementar
No primitivo espaço giratório, e os ardentes cavalos encantados
Saíam relinchando da verde estrebaria
Rumo ao campos da celebração.

E na casa em festa, venerado entre raposas e faisões,
Sob as nuvens recém-formadas, e tão feliz quanto era grande o coração,
Ao sol que renasce a cada dia,
Eu corria por meus caminhos temerários,
Meus desejos se precipitavam pelo alto feno da casa
E nada me importava, em meu comércio celestial, pois o tempo
Em suas órbitas melodiosas, só concede raras canções matinais
Antes que as crianças verdes e douradas
O acompanham até o estertor da graça,

Nada me importava, nos dias brancos como cordeiros, que o tempo
[me levasse,
Pela sombra de minhas mãos, até o paiol cheio de andorinhas,
Sob a lua que jamais deixa de galgar os céus,
Nem mesmo, ao cavalgar rumo ao sono,
Que chegasse a ouvi-la flutuar entre os altos campos
E acordasse na fazenda apagada para sempre nessa terra sem crianças,
Ah! Quando eu era lépido e jovem, na misericórdia de seus bens,
Embora eu cantasse em meus grilhões como canta o mar.

Trad.: Ivan Junqueira

Fern hill

Now as I was young and easy under the apple boughs
About the lilting house and happy as the grass was green,
The night above the dingle starry,
Time let me hail and climb
Golden in the heydays of his eyes,
And honoured among wagons I was prince of the apple towns
And once below a time I lordly had the trees and leaves
Trail with daisies and barley
Down the rivers of the windfall light.

And as I was green and carefree, famous among the barns
About the happy yard and singing as the farm was home,
In the sun that is young once only,
Time let me play and be
Golden in the mercy of his means,
And green and golden I was huntsman and herdsman, the calves
Sang to my horn, the foxes on the hills barked clear and cold,
And the sabbath rang slowly
In the pebbles of the holy streams.

All the sun long it was running, it was lovely, the hay
Fields high as the house, the tunes from the chimneys, it was air
And playing, lovely and watery
And fire green as grass.
And nightly under the simple stars
As I rode to sleep the owls were bearing the farm away,
All the moon long I heard, blessed among stables, the nightjars
Flying with the ricks, and the horses
Flashing into the dark.

And then to awake, and the farm, like a wanderer white
With the dew, come back, the cock on his shoulder: it was all
Shining, it was Adam and maiden,
The sky gathered again
And the sun grew round that very day.
So it must have been after the birth of the simple light
In the first, spinning place, the spellbound horses walking warm
Out of the whinnying green stable
On to the fields of praise.

And honoured among foxes and pheasants by the gay house
Under the new made clouds and happy as the heart was long,
In the sun born over and over,
I ran my heedless ways,
My wishes raced through the house high hay
And nothing I cared, at my sky blue trades, that time allows
In all his tuneful turning so few and such morning songs
Before the children green and golden
Follow him out of grace,

Nothing I cared, in the lamb white days, that time would take me
Up to the swallow thronged loft by the shadow of my hand,
In the moon that is always rising,
Nor that riding to sleep
I should hear him fly with the high fields
And wake to the farm forever fled from the childless land.
Oh as I was young and easy in the mercy of his means,
Time held me green and dying
Though I sang in my chains like the sea.

Wislawa Szymborska – Vida difícil com a memória

Sou um péssimo público para a minha memória.
Ela quer que eu ouça sua voz incessantemente,
mas eu me agito, tusso,
ouço e não ouço,
saio, volto e saio de novo.

Ela requer todo o meu tempo e atenção.
Quando durmo, é fácil para ela.
De dia já nem tanto, o que a magoa.

Me propõe zelosamente velhas cartas, fotos,
revolve fatos importantes e desimportantes,
devolve a vista para paisagens ignoradas,
e povoa-as com os meus mortos.

Nos seus relatos sou sempre mais jovem.
Isso é bom, mas por que sempre essa história?
Cada espelho me dá outras notícias.

Irrita-se quando dou de ombros.
E então se vinga remexendo todos os meus erros,
graves, mas que já não pesam.
Me olha nos olhos, espera minha reação.
Por fim me consola; podia ter sido pior.

Quer que agora eu viva só para ela e com ela.
De preferencia num quarto escuro e fechado,
mas nos meus planos ainda figuram o sol presente,
as nuvens atuais, as estradas correntes.

Às vezes fico farta de sua companhia.
Proponho nos separarmos. De hoje para sempre.
Então sorri com complacência,
sabe que também para mim seria uma condenação.

Trad.: Regina Przybycien

Trudne życie z pamięcią

Jestem złą publicznością dla swojej pamięci.
Chce, żebym bezustannie słuchała jej głosu,
a ja się wiercę, chrząkam,
słucham i nie słucham,
wychodzę, wracam i znowu wychodzę.

Chce mi bez reszty zająć uwagę i czas.
Kiedy śpię, przychodzi jej to łatwo.
W dzień bywa różnie, i ma o to żal.

Podsuwa mi gorliwie dawne listy, zdjęcia,
porusza wydarzenia ważne i nieważne,
przywraca wzrok na prześlepione widoki,
zaludnia je moimi umarłymi.

W jej opowieściach jestem zawsze młodsza.
To miłe, tylko po co bez przerwy ten wątek.
Każde lustro ma dla mnie inne wiadomości.

Gniewa się, kiedy wzruszam ramionami.
Mściwie wtedy wywleka wszystkie moje błędy,
ciężkie, a potem lekko zapomniane.
Patrzy mi w oczy, czeka, co ja na to.
W końcu pociesza, że mogło być gorzej.

Chce, żebym żyła już tylko dla niej i z nią.
Najlepiej w ciemnym, zamkniętym pokoju,
a u mnie ciągle w planach słońce teraźniejsze,
obłoki aktualne, drogi na bieżąco.

Czasami mam jej towarzystwa dosyć.
Proponuję rozstanie. Od dzisiaj na zawsze.
Wówczas uśmiecha się z politowaniem,
bo wie, że byłby to wyrok i na mnie.

A íris selvagem – Sumário

A Íris Selvagem – Louise Glück

Tradução: Nelson Santander

SUMÁRIO

Apresentação de “The Wild Iris”, de Louise Glück
A íris selvagem
Matinas
Matinas
Trillium
Lamium
Flores-de-neve
Manhã Clara
Neve de Primavera
Fim de Inverno
Matinas
Matinas
Scilla
Vento em Retirada
O Jardim
O Espinheiro
Amor ao Luar
Abril
Violetas
Capim-das-bruxas
A Escada de Jacó
Matinas
Matinas
Canção
Campo de Flores
A Papoula Vermelha
Trevo
Matinas
Céu e Terra
A Porta de Entrada
Solstício de Verão
Vésperas
Vésperas
Vésperas
Margaridas
Fim de Verão
Vésperas
Vésperas
Vésperas
Escuridão Inicial
Colheita
A Rosa Branca
Ipomoea
Presque Isle
Luz em Retirada
Vésperas
Vésperas: Parousia
Vésperas
Vésperas
Ocaso
Acalanto
O Lírio Prateado
Crepúsculo de Setembro
O Lírio Dourado
Os Lírios Brancos

Louise Glück – Os lírios brancos

Como um homem e uma mulher fazem
de um jardim entre eles
um leito de estrelas, aqui
eles permanecem na noite de verão
e a noite se torna
fria com seu pavor: tudo
pode acabar, tudo é capaz
de devastação. Tudo, tudo
se pode perder, pelo ar perfumado
das colunas estreitas
se elevando inutilmente, e mais além,
um agitado mar de papoulas —

Silêncio, amada. Não me importa
quantos verões eu viverei para voltar:
neste verão nós entramos na eternidade.
Eu senti suas duas mãos
me enterrando para liberar o seu esplendor.

Trad.: Nelson Santander

The white lilies

As a man and woman make
a garden between them like
a bed of stars, here
they linger in the summer evening
and the evening turns
cold with their terror: it
could all end, it is capable
of devastation. All, all
can be lost, through scented air
the narrow columns
uselessly rising, and beyond,
a churning sea of poppies —

Hush, beloved. It doesn’t matter to me
how many summers I live to return:
this one summer we have entered eternity.
I felt your two hands
bury me to release its splendor.

Louise Glück – O lírio dourado

Como percebo,
estou morrendo agora e sei
que não falarei novamente,
não sobreviverei à terra, serei convocado
dela uma vez mais, ainda não
uma flor, apenas uma espinha, terra crua
aderindo às minhas costelas, eu o invoco,
pai e mestre: ao redor,
meus companheiras estão fraquejando, pensando
que você não os vê. Como
eles poderão saber que você os enxerga
a menos que os salve?
No crepúsculo do verão, você estará
perto o suficiente para ouvir
o terror de seu filho? Ou
você não é meu pai,
aquele que me criou?

Trad.: Nelson Santander

No link que segue, uma ótima revisão deste poema (em inglês): https://www.encyclopedia.com/arts/educational-magazines/gold-lily

The gold lily

As I perceive
I am dying now and know
I will not speak again, will not
survive the earth, be summoned
out of it again, not
a flower yet, a spine only, raw dirt
catching my ribs, I call you,
father and master: all around,
my companions are failing, thinking
you do not see. How
can they know you see
unless you save us?
In the summer twilight, are you
close enough to hear
your child’s terror? Or
are you not my father,
you who raised me?