Joseph Stroud – Tributo a Rolf Jacobsen

A jaqueta amarela fica batendo contra a vidraça
tentando sair. Desde o começo era apenas uma questão
de abrir a janela, encontrar as palavras,
e você por aí – em um outro, maior mundo.
Para os mortos, o paraíso é a calçada na qual você caminha
olhando as janelas, cantarolando, parando para um café.

Trad.: Nelson Santander

Homage To Rolf Jacobsen

The yellow jacket keeps crashing against the pane
trying to get out. All along it’s only a matter
of opening the window, finding the words,
and you’re out there — in the other, larger world.
To the dead, paradise is the sidewalk you stroll down
looking in windows, humming, stopping for coffee.

Maria do Rosário Pedreira – Onde quer que o encontres

Onde quer que o encontres –
escrito, rasgado ou desenhado:
na areia, no papel, na casca de
uma árvore, na pele de um muro,
no ar que atravessar de repente
a tua voz, na terra apodrecida
sobre o meu corpo – é teu,

para sempre, o meu nome.

Ferreira Gullar – Pela rua

Sem qualquer esperança
detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, domingo,
enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.
Sem qualquer esperança
te espero.
Na multidão que vai e vem
entra e sai dos bares e cinemas
surge teu rosto e some
num vislumbre
        e o coração dispara.
Te vejo no restaurante
na fila do cinema, de azul
diriges um automóvel, a pé
cruzas a rua
      miragem
que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios
e se esvai nas nuvens.
A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade.
A noite se ergue comercial
nas constelações da Avenida.
Sem qualquer esperança
continuo
e meu coração vai repetindo teu nome
abafado pelo barulho dos motores
   solto ao fumo da gasolina queimada.

Wisława Szymborska – Desatenção

Ontem me comportei mal no universo.
Vivi o dia inteiro sem indagar nada,
sem estranhar nada.

Executei as tarefas diárias
como se isso fosse tudo o que devia fazer.

Inspirar, expirar, um passo, outro passo, obrigações,
mas sem um pensamento que fosse
além de sair de casa e voltar para casa.

O mundo podia ter sido percebido como um mundo louco,
e eu o tomei somente para uso habitual.

Nenhum – como – e por quê –
e como foi que aqui apareceu –
e de que lhe servem tantas minúcias buliçosas.

Fiquei como um prego mal pregado na parede
ou
(aqui uma comparação que me faltou).

Uma depois da outra ocorreram mudanças
mesmo no estrito espaço de um pestanejar.

Sobre uma mesa mais nova, por mão um dia mais nova,
o pão de ontem foi cortado de um modo diferente.

Nuvens como nunca, uma chuva como nunca,
pois caíram gotas diferentes.

A Terra girou em torno de seu eixo,
mas num espaço já abandonado para sempre.

Isso durou umas boas 24 horas.
1440 minutos de chances.
86 400 segundos para intuições.

O savoir-vivre cósmico,
embora se cale sobre nós,
ainda assim nos exige algo:
alguma atenção, umas frases de Pascal
e uma participação perplexa nesse jogo
de regras desconhecidas.

Trad.: Regina Przybycien

Nieuwaga

Źle sprawowałam się wczoraj w kosmosie.
Przeżyłam całą dobę nie pytając o nic,
nie dziwiąc się niczemu.

Wykonywałam czynności codzienne,
jakby to było wszystko, co powinnam.

Wdech, wydech, krok za krokiem, obowiązki,
ale bez myśli sięgającej dalej
niż wyjście z domu i powrót do domu.

Świat mógł być odbierany jako świat szalony,
a ja brałam go tylko na zwykły użytek.

Żadnych – jak – i dlaczego –
i skąd się taki tu wziął –
i na co mu aż tyle ruchliwych szczegółów.

Byłam jak gwóźdź zbyt płytko wbity w ścianę
albo
(tu porównanie, którego mi brakło).

Jedna za drugą zachodziły zmiany
nawet w ograniczonym polu okamgnienia.

Przy stole młodszym, ręką o dzień młodszą
był chleb wczorajszy inaczej krajany.

Chmury jak nigdy i deszcz był jak nigdy,
bo padał przecież innymi kroplami.

Ziemia się obróciła wokół swojej osi,
ale już w opuszczonej na zawsze przestrzeni.

Trwało to dobre 24 godziny.
1440 minut okazji.
86 400 sekund do wglądu.

Kosmiczny savoir-vivre
choć milczy na nasz temat,
to jednak czegoś od nas się domaga:
trochę uwagi, kilku zdań z Pascala
i zdumionego udziału w tej grze
o regułach nieznanych.

Czeslaw Milosz – A queda

A morte de um homem é como a queda de uma poderosa nação
Que teve valentes exércitos, capitães e profetas,
E ricos portos e barcos em todos os mares,
Mas agora não socorrerá nenhuma cidade sitiada,
Não entrará em nenhuma aliança,

Porque suas cidades estão vazias, sua população dispersa,
Sua terra que certa vez proveu de colheitas está saturada de cardos,
Sua missão olvidada, sua língua perdida,
O dialeto de um povo posto sobre inacessíveis montanhas.

Trad.: Pedro Gonzaga

Upadek

Śmierć człowieka jest jak upadek państwa potężnego,
Które miało bitne armie, wodzów i proroków,
I porty bogate, i na wszystkich morzach okręty,
A teraz nie przyjdzie nikomu z pomocą, z nikim nie zawrze przymierzy,

Bo miasta jego puste, ludność w rozproszeniu,
Oset porósł jego ziemie kiedyś dającą urodzaj,
Jego powołanie zapomniane, język utracony,
Dialekt wioski gdzieś daleko w niedostępnych górach.

Daniel Faria – Ítaca

O que dói
É não poder apagar a tua ausência
e repetir dia após dia os mesmos gestos

O que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
Descoberto em cada esquina dos meus versos

O que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
Ao tecer para ti novos regressos

Sophia de Mello Breyner Andresen – Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

Luis Alberto de Cuenca – O desjejum

Gosto quando dizes disparates,
quando fazes asneiras, quando mentes,
quando vais às compras com tua mãe
e chego atrasado ao cinema por tua culpa.
Gosto mais quando é meu aniversário
e me cobres de beijos e bolos,
ou quando estás feliz e dá para notar,
ou quando és genial com uma frase
que resume tudo, ou quando ris
(teu riso é uma ducha no inferno),
ou quando me perdoas um esquecimento.
Mas eu ainda gosto mais, tanto que quase
não posso resistir ao tanto que te gosto,
quando, cheia de vida, despertas
e a primeira coisa que fazes é dizer-me:
“Estou morrendo de fome esta manhã.
Vou começar por ti o desjejum”

Trad.: Nelson Santander

 

El desayuno

Me gustas cuando dices tonterías,
cuando metes la pata, cuando mientes,
cuando te vas de compras con tu madre
y llego tarde al cine por tu culpa.
Me gustas más cuando es mi cumpleaños
y me cubres de besos y de tartas,
o cuando eres feliz y se te nota,
o cuando eres genial con una frase
que lo resume todo, o cuando ríes
(tu risa es una ducha en el infierno),
o cuando me perdonas un olvido.
Pero aún me gustas más, tanto que casi
no puedo resistir lo que me gustas,
cuando, llena de vida, te despiertas
y lo primero que haces es decirme:
«Tengo un hambre feroz esta mañana.
Voy a empezar contigo el desayuno».

Nuno Júdice – Fábula industrial

As chaminés das fábricas tinham
pescoços de cegonha, e quando deitavam
fumo era como se as cegonhas abrissem
as asas. Quando o fumo era preto,
porém, as cegonhas transformavam-se
em corvos de grandes pescoços feitos
de tijolo; e ao contrário das cegonhas
não voavam, mas faziam soar as sirenes
com os bicos metálicos, para que
os operários saíssem do seu ventre
em direção a casa. No dia
seguinte, se o fumo fosse branco, as operárias
agarrar-se-iam às asas da cegonha
e puxá-las-iam, como se fossem
linho, para as enrolar e meter
nos contentores que os barcos esperam
no cais, para as levar para os países
com falta de lençóis. É por isso que
os ninhos de cegonha, nos grandes postes
eléctricos estão vazios; e que as raposas
correm de uma árvore para outra,
à procura de um ramo em que esteja
um corvo, sem conseguirem encontrar
o queijo que a fábula lhes prometeu.

Nuno Júdice, inédito, 31/12/2019

peguei daqui ó: http://poems.bitcliq.com/through-the-looking-glass-2/

Adelaide Ivánova – os anos noventa

você não estava lá nas coisas mais decisivas da minha vida
mas é assim mesmo: historiadores e arqueólogos
nunca estiveram presentes pra testemunhar
os levantes coletivos isso fazem os jornalistas e os

videntes você era apenas um menino quando
kurt cobain morreu nem poderia ainda saber o dano
que causaria sua existência de crisálida taurino e
primaveril quando meu destino cruzasse com o seu

e andaríamos de mãos dadas e suando verão afora
como se fosse o primeiro (e era) berlim não era
tão esplendorosa quanto seus cachos jakob mas você
nunca soube o que foi ter 16 anos em recife na década

de noventa FHC presidente desemprego torneiras secas
filariose cólera sem vale do rio doce mas tinha chico science
abril pro rock o pior é agora não tem berlim não tem recife
não tem chico science não tem kurt cobain nem você mas FHC
ainda tem