Yehuda Amichai – Na história do nosso amor

Na história do nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.

Trad.: Millôr Fernandes

Pedro Salinas – De “La voz a ti debida” [39]

A tua forma de amar
é deixar-me que te queiras.
O sim com que tu te rendes
é o silêncio. Teus beijos
são oferecer-me os lábios
para que eu possa beija-los.
Jamais palavras, abraços,
me dirão que existias,
que me quiseste: jamais.
Dizem-mo as folhas brancas,
mapas, augúrios, chamadas;
tu, não.
E fico abraçado a ti
sem perguntar-te, de medo
que não seja verdadeiro
que tu vives e me ama.
E fico abraçado a ti
sem olhar e sem tocar-te.
Não desejo que descubras
com perguntas, com carícias,
essa solidão imensa
de somente eu te amar.

Trad.: Nelson Santander

 

Pedro Salinas – La voz a ti debida [39]

La forma de querer tú
es dejarme que te quiera.
El sí con que te me rindes
es el silencio. Tus besos
son ofrecerme los labios
para que los bese yo.
Jamás palabras, abrazos,
me dirán que tú existías,
que me quisiste: jamás.
Me lo dicen hojas blancas,
mapas, augurios, teléfonos;
tú, no.
Y estoy abrazado a ti
sin preguntarte, de miedo
a que no sea verdad
que tú vives y me quieres.
Y estoy abrazado a ti
sin mirar y sin tocarte.
No vaya a ser que descubra
con preguntas, con caricias,
esa soledad inmensa
de quererte sólo yo.

Carlos Saraiva Pinto – Sem Título

a mulher que me deu mais prazer
perdi-a um dia.

às vezes via a sua magreza
através da elegância das saias.

eu conhecia os relicários dos santos
os seus ossos distribuídos por
gavetas de prata
e sabia que um relógio
cria no cão pequeno
a ilusão do bater do coração da mãe.

o que eu beijava nessa mulher
era a sua respiração
o ar da sua santidade
que lhe impulsionava as ancas.

e ao seu lado eu dormia
como um cão enrolado
ouvindo o bater do coração.

Sophia de Mello Breyner Andresen – Terror de te Amar

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

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Inês Lourenço – Balada dos Amores Difíceis

Não me refiro aos trágicos Romeu e Julieta
Tristão e Isolda, Pedro e Inês nem a alguns ignorados
ícones como Yourcenar e Grace ou Rimbaud e Verlaine. Refiro-me
aos que se buscam sem saber nada
do fogo que arde sem se ver, órficos cantos, mas côncavos
e convexos se combinam cruzando genes e transitórios
tempos de vida enquanto povoam cidades, salas
de parto, comércios, indústrias, portais, geriatrias. E dos campos deixados
à exportação do vinho e dos litorais ainda com redes
e barcos cresce um ruído de formiga banal e curtida
de pequenos destinos. Esses são os grandes herois
dos amores difíceis
que não ficam no poema.

Anne Sexton – Frágil Fio

Minha fé
é um grande peso
suspenso por um frágil fio,
como a aranha
suspende seu bebê em uma fina teia,
como a videira,
galhos finos e madeira,
sustenta as uvas
como globos oculares,
como muitos anjos
dançam na cabeça de um alfinete.

Deus não precisa
de muito fio para manter-Se lá,
apenas uma veia fina,
com o sangue pulsando,
e um pouco de amor.
Como já se disse:
O amor e a tosse
não podem ser disfarçados.
Nem mesmo uma pequena tosse.
Nem mesmo um pequeno amor.
Então, se você tiver apenas um fino fio,
Deus não se importa.
Ele penetrará em suas mãos
tão facilmente quanto dez centavos costumavam
pagar uma Coca.

Trad.: Nelson Santander

Anne Sexton – Small Wire

My faith
is a great weight
hung on a small wire,
as doth the spider
hang her baby on a thin web,
as doth the vine,
twiggy and wooden,
hold up grapes
like eyeballs,
as many angels
dance on the head of a pin.

God does not need
too much wire to keep Him there,
just a thin vein,
with blood pushing back and forth in it,
and some love.
As it has been said:
Love and a cough
cannot be concealed.
Even a small cough.
Even a small love.
So if you have only a thin wire,
God does not mind.
He will enter your hands
as easily as ten cents used to
bring forth a Coke.

José Saramago – As Palavras de Amor

Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.

Deixemos que o silêncio dê sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia

Dizer amar na língua da semente? 

Carlos Drummond de Andrade – Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Guilherme de Almeida – Soneto XXVII

Hoje voltas-me o rosto, se a teu lado
passo; e eu baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto
pudéssemos varrer nosso passado.

Passo, esquecido de teu olhar — coitado!
Vais — coitada! — esquecida de que existo:
como se nunca tu me houvesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado!

Se às vezes, sem querer, nos entrevemos;
se, quando passo, o teu olhar me alcança,
se os meus olhos te alcançam, quando vais,

— ah! só Deus sabe e só nós dois sabemos! —
volta-nos sempre a pálida lembrança
daqueles tempos que não voltam mais!

Ana Martins Marques – Sem Título

Porque sua camiseta secou ao sol ela tem a cor do sol
porque seus cabelos secaram ao vento seus pensamentos têm
a velocidade do vento

porque você disse “noite” sua boca
terá o gosto do mar noturno

porque você não conheceu meu avô você me amará menos
porque não te conheci quando criança eu te amarei mais

porque você conheceu os meus livros antes de me conhecer
você nunca vai me conhecer