Joan Margarit – Não jogues fora as cartas de amor

Elas não te abandonarão.
O tempo passará, apagar-se-á o desejo
— esta flecha da sombra —
e os rostos sensuais, belos e inteligentes,
ocultar-se-ão em ti, no fundo de um espelho.
Passarão os anos. Cansar-te-ão os livros.
Decairás ainda mais
e perderás até mesmo a poesia.
O ruído da cidade nas vidraças
acabará por ser tua única música,
e as cartas de amor que houveres guardado
serão tua última literatura.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – No tires las cartas de amor

Ellas no te abandonarán.
El tiempo pasará, se borrará el deseo
-esta flecha de sombra-
y los sensuales rostros, bellos e inteligentes,
se ocultarán en ti, al fondo de un espejo.
Caerán los años. Te cansarán los libros.
Descenderás aún más
e, incluso, perderás la poesía.
El ruido de ciudad en los cristales
acabará por ser tu única música,
y las cartas de amor que habrás guardado
serán tu última literatura.

Tishani Doshi – Poema de Amor

No fim, perderemos um ao outro
para alguma coisa. Espero que para algo
grandioso – morte ou desastre.
Mas pode não ser dessa maneira.
Pode ser que você saia
para comprar cigarros uma manhã
depois de termos feito amor
e nunca mais retorne,
ou eu me apaixone por outro homem.
Pode ser uma lenta caminhada rumo à indiferença.
Seja como for, teremos que aprender
a suportar o peso de que eventualmente
perderemos um ao outro para alguma coisa.
Então por que não começar agora, enquanto sua cabeça
repousa como uma lua perfeita em meu colo,
e os cães na praia estão uivando lá fora?
Por que não alcançar a sutura que nos une nesta
noite indiana e rasga-la, só um pouco, para a queda
poder começar? Porque mais tarde, quando nos cruzarmos
nas ruas, e tivermos que desviar nossos olhares,
quando tivermos atirado
as partes rejeitadas de nossa vida comum
nas gavetas do quarto e o cheiro
de nossos corpos estiver desaparecendo como o doce
definhar dos lírios – do que iremos chamar isto,
quando não for mais amor?

Trad.: Nelson Santander

Tishani Doshi – Love Poem

Ultimately, we will lose each other
to something. I would hope for grand
circumstance — death or disaster.
But it might not be that way at all.
It might be that you walk out
one morning after making love
to buy cigarettes, and never return,
or I fall in love with another man.
It might be a slow drift into indifference.
Either way, we’ll have to learn
to bear the weight of the eventuality
that we will lose each other to something.
So why not begin now, while your head
rests like a perfect moon in my lap,
and the dogs on the beach are howling?
Why not reach for the seam in this South Indian
night and tear it, just a little, so the falling
can begin? Because later, when we cross
each other on the streets, and are forced
to look away, when we’ve thrown
the disregarded pieces of our togetherness
into bedroom drawers and the smell
of our bodies is disappearing like the sweet
decay of lilies — what will we call it,
when it’s no longer love?

Felipe Benítez Reyes – Uma Forma de Eternidade

Então o medo era isto?
Não os assustadores
fantasmas do pensamento e da consciência.
Não os longos corredores de hospitais
com lâmpadas fluorescentes dia e noite.
Nem sequer o tremor de irrealidade
que permanece na alma se te recordas.

O medo, aparentemente, é calmo:

Chega quando fechas a janela
e compreendes que tudo quanto vês
é o mesmo de ontem, e voltará
a ser o mesmo amanhã e para sempre.

Trad.: Nelson Santander

Felipe Benítez Reyes – Una Forma de Eternidad

Pero ¿el miedo era esto?
No los amenazantes
fantasmas del pensamiento y la conciencia.
No los largos pasillos de hospitales
con tubos fluorescentes día y noche.
Ni siquiera el temblor de irrealidad
que se queda en el alma si recuerdas.

El miedo, al parecer, es sosegado:

te llega cuando cierras la ventana
y comprendes que todo cuanto miras
es lo mismo que ayer, y que lo mismo
volverá a ser mañana y para siempre.

Alfredo Buxán – Lápide

Uma lágrima cai
sobre a cal do solo, arde
sob meus pés, consome na solidão
minha solidão.

Trad.: Nelson Santander

 

 

Alfredo Buxán – Lápida

Una lágrima cae
sobre la cal del suelo, arde
bajo mis pies, abrasa en soledad
mi soledad.

 

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonia “Leningrado”

Lembras-te? Joana havia morrido.
Íamos para o norte, tu e eu, no carro,
para o apartamento junto ao mar,
e ouvíamos esta sinfonia.
Iniciamos a viagem em uma manhã
luminosa e, dentro da música,
o dia era de muros cobertos pelo gelo,
vultos carregando sacos meio vazios
e, no lago, trenós com cadáveres.
Como uma pista de aeroporto ao sol,
fugia a autoestrada e, através dos sons, se estendia
uma névoa de obuses ocultando
os rastros dos tanques na neve.
Foi em julho, em uma manhã azul dourada
que brilhava no cristal do mar.
Os metais e cordas ressoavam
como a glória – no passado, como sempre;
rechaçando a vida, como sempre.

À noite não se ouvia nenhum outro rumor
que o das ondas sob o terraço.
Por outro lado, dentro de nós,
como ocorria dentro da música,
rugia o temporal de neve e ferro
que desata a história ao virar a página.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonía “Leningrado”

¿Lo recuerdas? Joana había muerto.
Íbamos hacia el norte, tú y yo, en coche,
hasta el apartamento junto al mar,
y escuchábamos esta sinfonía.
Iniciamos el viaje una mañana
llena de luz y, dentro de la música,
el día era de muros cubiertos por el hielo,
sombras con sacos a medio llenar
y, en el lago, trineos con cadáveres.
Como una pista de aeropuerto al sol,
huía la autopistaetrás de los sonidos se extendía
una niebla de obuses ocultando
las huellas de los tanques en la nieve.
Fue en julio, una mañana de oro azul
que destellaba en el cristal del mar.
Los metales y cuerdas resonaban
con la gloria, en pasado como siempre,
rechazando la vida, como siempre.

De noche no se oía más rumor
que el de las olas bajo la terraza.
En cambio, dentro de nosotros,
como ocurría dentro de la música,
rugía el temporal de nieve y hierro
que desata la historia al pasar página.

Alfredo Buxán – A eternidade das Cinzas

Morrer é um momento, o resto um vazio
que preenchemos de tempo e de silêncio.
Viver, por outro lado, é fácil: prosseguir.
Esta severa dúvida que atravessa os corpos.
Pisar nas pegadas de outros pés sobre o cascalho,
aprender com precisa dor
o modo mais sereno de enfrentar o momento:
nu e sem uivar, apegado à paz
de quem sabe que não pode saber
porque é partícula e não germe, fragmento
no espaço, molhada bruma que se extingue
e emudece em silêncio sob o sol,
sobre a pedra quase eterna que o acolhe.

Trad.: Nelson Santander

Alfredo Buxán – Eternidad de la Ceniza

Morir es un momento, lo demás un vacío
que colmamos de tiempo y de silencio. Vivir, en cambio,
es fácil: proseguir.
Esta severa duda que atraviesa los cuerpos.
Pisar la huella de otros pies sobre la grava,
aprender con certero dolor
el modo más sereno de enfrentar el instante:
desnudo y sin aullar, apegado a la paz
de quien conoce que no puede saber
porque es partícula y no germen, fragmento
en el espacio, mojada brizna que se extingue
y enmudece en silencio bajo el sol,
sobre la piedra casi eterna que lo acoge.

Joan Margarit – Não estava longe, não era difícil

Chegou este tempo
em que já não machuca a vida que se perde,
em que a luxúria é tão só
uma lâmpada inútil, e a inveja se olvida.
É um tempo de perdas prudentes, necessárias,
e não é um tempo de chegar
mas de partir. O amor, agora,
por fim coincide com a inteligência.
Não estava longe,
não era difícil. É um tempo
que não me deixa mais do que o horizonte
como medida da solidão.
Um tempo de tristeza protetora.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – No estaba lejos, no era difícil

Ha llegado este tiempo
cuando ya no hace daño la vida que se pierde,
cuando ya la lujuria es tan sólo
una lámpara inútil, y la envidia se olvida.
Es un tiempo de pérdidas prudentes, necesarias,
y no es un tiempo de llegar
sino de irse. El amor, ahora,
por fin coincide con la inteligencia.
No estaba lejos,
no era difícil. Es un tiempo
que no me deja más que el horizonte
como medida de la soledad.
Un tiempo de tristeza protectora.

Joan Margarit – Discurso do Método

Já de criança procurava as janelas
para pode fugir com o olhar.
Desde então, se entro em um lugar,
observo com atenção onde deixo meu casaco
e onde está a porta de saída.
Liberdade, para mim, quer dizer fuga.
Há muitas portas no mundo.
Inclusive o sexo, em caso de emergência,
pode sê-lo, embora todas se vão fechando
e, para fugir, depressa fiquem
apenas as janelas da infância.
De par em par abertas para poder saltar.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Discurso del Método

De niño ya buscaba las ventanas
para poder huir con la mirada.
Desde entonces, si entro en un lugar,
miro con atención dónde dejo el abrigo
y dónde está la puerta de salida.
Libertad, para mí, quiere decir huida.
Hay muchas puertas en el mundo.
Incluso el sexo, en caso de emergencia,
puede serlo, aunque todas van cerrándose
y, para huir, muy pronto quedarán
tan solo las ventanas de la infancia.
De par en par abiertas para poder saltar.

Idea Vilariño – Ou foram nove

Talvez tivemos só sete noites
não sei
não as contei
como poderia ter feito.
Talvez não mais que seis
ou foram nove.
Não sei,
mas valeram a pena
como o amor mais duradouro.
Talvez
com quatro ou cinco noites dessas,
mas precisamente como essas,
talvez
seja possível viver
como de um longo amor
uma vida inteira.

Trad.: Nelson Santander

Idea Vilariño – O fueron nueve

Tal vez tuvimos sólo siete noches
no sé
no las conté
cómo hubiera podido.
Tal vez no más que seis
o fueron nueve.
No sé
pero valieron
como el más largo amor.
Tal vez
de cuatro o cinco noches como esas
pero precisamente como esas
tal vez
pueda vivirse
como de un largo amor
toda una vida.

Eduardo Chirinos – O que meu pai realmente quer de mim

1
Esta noite tive um sonho. Seguia com meu pai
por uma estrada de terra. Os dois íamos a cavalo
e mal trocávamos uma palavra. Ao longe se via
a sombra de alguns salgueiros, as luzes de um povoado
desconhecido e remoto. De repente, meu pai deteve
seu cavalo e perguntou-me se eu sabia para onde íamos.
Respondi que não. Então estamos bem, ele me disse.

2
Os cavalos do sonho sabiam de cor
o caminho. Era caso de abandonar as
rédeas, de deixar-se levar. Isso me causava um
pouco de apreensão, até mesmo um pouco de medo.
Meu pai, por outro lado, parecia muito tranquilo.
Pensei, parece tranquilo porque está morto.

3
Aqui é onde vivo, disse, como se me tirasse
uma venda. Foi muito pouco o que vi. Só um
deserto de pedras, redemoinhos de areia,
ossos amarelos de cavalos. O que você acha?
Não soube o que dizer. Estava com sede e me doía um
pouco a garganta. É um lugar bonito, disse,
mas às vezes gostaria de voltar. Por que
não voltas então?, perguntei. Porque é
mais fácil que tu venhas para cá, disse. E desapareceu.

Trad.: Nelson Santander

Eduardo Chirinos – Lo que mi padre quiere realmente de mí

1
Anoche tuve un sueño. Acompañaba a mi padre
por un camino de tierra. Los dos íbamos a caballo
y apenas cruzábamos palabras. A lo lejos se veía
la sombra de unos sauces, las luces de un pueblo
desconocido y remoto. De pronto, mi padre detuvo
su caballo y preguntó si yo sabía a dónde íbamos.
Le contesté que no. Entonces vamos bien, me dijo.

2
Los caballos del sueño sabían de memoria
el recorrido. Era cuestión de abandonar las
riendas, de dejarse llevar. Eso me causaba un
poco de aprensión, incluso un poco de miedo.
Mi padre, en cambio, parecía muy tranquilo.
Pensé, parece tranquilo porque está muerto.

3
Aquí es donde vivo, dijo como si me quitara
una venda. Fue muy poco lo que vi. Sólo un
páramo de piedras, remolinos de arenisca,
huesos de caballos amarillos. ¿Qué te parece?
No supe qué decir. Tenía sed y me dolía un
poco la garganta. Es un lugar hermoso, dijo,
pero a veces me gustaría regresar. ¿Por qué
no regresas, entonces?, pregunté. Porque es
más fácil que tú vengas me dijo. Y desapareció.