Emily Jungmin Yoon – Questões Conexas

Olho para o oceano como se fosse um adeus.
Em algum lugar, ele toca uma terra à mercê do fogo.
Minha mãe enlutada traz a floresta para dentro de casa, um exagero verde.
Quando ela replanta as árvores, não é diferente de trocar fraldas.
Mas ela não se preocupa mais com os troncos mirrados das moribundas.
Hoje em dia, tudo parece o fim.
Dias atrás, um tufão estilhaçou vidros de edifícios.
Uma mulher de sessenta e poucos anos sangrou até a morte depois que eles rasgaram
a janela em seus braços. Aprendi que o nome do vento, Maysak,
significa teca em Khmer. A madeira dela
mantém sua fragrância aromática até uma idade avançada, aprendi. Eu estou sempre
aprendendo. O que é que eu quero
saber? Não há lugar nenhum neste mundo
em que eu queira viver. Olho para seu rosto
como se fosse um adeus. Não há para onde ir.
Fecho minha janela porque, o que mais
posso fazer? O tufão de amanhã se chama Haishen,
que significa deus do mar em mandarim. Confesso
que quero viver. Em nenhum lugar, mas ainda assim, com grande desespero, eu quero.
O que você quer?
Diga-me, seu rosto é igual ao meu?
Diga-me, nós vemos as mesmas coisas?
Diga-me que somos os mesmos olhos
ardendo noite adentro.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Related Matters

I look at the ocean like it’s goodbye.
Somewhere, it is touching a land laying prey to fire.
My grieving mother brings the forest inside, a green excess.
When she repots the trees, it is not unlike changing diapers.
But she no longer tends to the small abject frames of the dying.
These days, everything feels like the end.
A few days ago, a typhoon shaved glass off buildings.
A woman in her sixties bled to death after it cut
the window into her arms. The name of the wind, Maysak,
means teak tree in Khmer, I learn. The timber
retains its aromatic fragrance to a great age, I learn. I am always
learning. What is it that I want
to know? There is nowhere in this world
that I want to live. I look at your face
like it’s goodbye. There is nowhere to go.
I shut my window because what else
can I do. Tomorrow’s typhoon is called Haishen,
meaning sea god in Mandarin. I confess
I want to live. Nowhere, but still, with great desperation, I want.
What is it that you want?
Tell me, is your face the same as mine?
Tell me, do we see the same things?
Tell me we are the same eyes
burning through the night.

Joy Harjo – Canção de outono

É um dia escuro de outono.
A terra está ligeiramente molhada pela chuva.
Ouço um gaio.
O canto é triste.
Encontrei você na história novamente.
Existe outra palavra para ‘‘divino’’?
Preciso de uma canção que mantenha o céu aberto em minha mente.
Se eu pensar para trás, posso quebrar.
Se eu pensar para frente, perco o agora.
Para sempre será um dia assim,
Perfeitamente enlaçado ao colar dos dias.
Levemente encoberto
Folhas amarelas
Seu casaco pendurado no corredor
Junto ao meu.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Fall Song

It is a dark fall day.
The earth is slightly damp with rain.
I hear a jay.
The cry is blue.
I have found you in the story again.
Is there another word for ‘‘divine’’?
I need a song that will keep sky open in my mind.
If I think behind me, I might break.
If I think forward, I lose now.
Forever will be a day like this
Strung perfectly on the necklace of days.
Slightly overcast
Yellow leaves
Your jacket hanging in the hallway
Next to mine.

W. S. Merwin – Um retrato

Já é quase o dia do seu aniversário e
enquanto me visto sozinho em casa
um botão se solta e assim que encontro
uma agulha com um buraco suficientemente grande
para eu passar a linha
e finalmente costurar o botão
abro uma velha foto sua
que sempre fazia essas coisas por mágica
uma fotografia encontrada após a sua morte
de você aos vinte anos
bonita de uma maneira
que eu nunca veria
pois isso foi nove anos
antes de eu nascer
mas a imagem
desbotou de repente
manchas a macularam
talvez já esteja além de reparo
eu possuo apenas o que me lembro

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A Likeness

Almost to your birthday and as I
am getting dressed alone in the house
a button comes off and once I find
a needle with an eye big enough
for me to thread it
and at last have sewed the button on
I open an old picture of you
who always did such things by magic
one photograph found after you died
of you at twenty
beautiful in a way
I would never see
for that was nine years
before I was born
but the picture has
faded suddenly
spots have marred
maybe it is past repair
I have only what I remember

Nuno Júdice – Como Aves, Cuja Passagem

Como sombras passaram entre nós,
como sombras. Uma vez perante alguns amigos
e desconhecidos, afirmei conhecê-los e citei
os seus nomes. Mas o que não correspondia
a um acto heroico, nada significava
hoje, mesmo entre amigos e desconhecidos.
Só se eu próprio
me tornar uma sombra, e também eu passar
a uma outra vida. Durante algum tempo
alguém falará de mim dizendo “conheci-o”,
ou “há tanto tempo falei com ele”. Mas
em breve outros se tornarão sombras,
e depois outros, até que o meu gesto
se confunda com esses, e todos por fim
se dissipem na obscuridade do tempo
passado.

Nuno Júdice (1949 — 2024)

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Manuel António Pina – Café Orfeu

Nunca tinha caído
de tamanha altura em mim
antes de ter subido
às alturas do teu sorriso.

Regressava do teu sorriso
como de uma súbita ausência
ou como se tivesse lá ficado
e outro é que tivesse regressado.

Fora do teu sorriso
a minha vida parecia
a vida de outra pessoa
que fora de mim a vivia.

E a que eu regressava lentamente
como se antes do teu sorriso
alguém (eu provavelmente)
nunca tivesse existido.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 22/03/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Ada Limón – A máquina do silêncio

Estou aprendendo muitas maneiras diferentes de ficar em silêncio. Há a forma como eu fico no gramado, essa é uma delas. Há também o jeito como permaneço no campo do outro lado da rua, que é diferente, porque estou mais distante das pessoas e, portanto, mais propensa a estar sozinha. Há a maneira como eu não atendo o telefone e como, às vezes, gosto de deitar no chão da cozinha e fingir que não estou em casa quando alguém bate à porta. Há o silêncio diurno, quando apenas observo, e o silêncio noturno, quando faço coisas. Há o silêncio do chuveiro, o silêncio do banho, o silêncio da Califórnia, o silêncio do Kentucky, o silêncio do carro e, então, há o silêncio que retorna, um milhão de vezes maior que eu, se insinua nos meus ossos e geme e geme e geme até que eu não possa mais ficar em silêncio. É assim que essa máquina funciona.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Quiet Machine

I’m learning so many different ways to be quiet. There’s how I stand in the lawn, that’s one way. There’s also how I stand in the field across from the street, that’s another way because I’m farther from people and therefore more likely to be alone. There’s how I don’t answer the phone, and how I sometimes like to lie down on the floor in the kitchen and pretend I’m not home when people knock. There’s daytime silent when I stare, and a nighttime silent when I do things. There’s shower silent and bath silent and California silent and Kentucky silent and car silent and then there’s the silence that comes back, a million times bigger than me, sneaks into my bones and wails and wails and wails until I can’t be quiet anymore. That’s how this machine works.

Fernando Pinto do Amaral – Por causa de uma ave

        para a minha mãe

Cada vez gosto menos de saborear
o travo tão pastoso da morte, o murmúrio
secreto dos seus olhos invisíveis
dentro de mim. Porém, há pouco tempo,
num fim de tarde deste fim de julho,
passou-me um episódio que rompeu
de repente na alma todas as comportas
que fingem proteger os ópios tranquilos
a que chamamos vida. Aconteceu
depois de ter chegado a esta casa
perdida numa encosta de província
e onde venho só de longe em longe:
foi durante a limpeza da sala maior
que, afastando um armário, descobri
entre pequenas teias, quase envolto
num sudário de pó, ali esquecido,
na treva e no silêncio dos meses de inverno,
o esqueleto de um pássaro. Entrara
pela chaminé de pedra e escorregara
até cair junto à lareira. Hoje
imagino o pavor do seu voo suicida
pousando às cegas de móvel em móvel,
dias e dias pelo escuro deserto
da sala fria, à toa, procurando
escapar ao seu naufrágio, encontrar
uma réstia de céu, até que, já sem forças,
se deixou deslizar para trás desse armário
onde morreu de sede e fome e solidão
enquanto mal batia as asas
em arremedos de frustradas fugas.

Ao ter na mão aquele resto de corpo
os “pedacinhos de ossos”, toda a quilha
do peito sustentando o arco das costelas,
as minúsculas patas quase intactas,
lembrei-me, num relance de terror,
de outros ossos maiores, os do meu pai,
a não muitas centenas de metros daqui,
num absurdo cubículo de pedra
sobre o qual está gravado um nome de família.
Apodrecem há mais de quinze anos
em sombras que serão iguais a nós
– passageiros ingênuos e translúcidos
de corpos consumidos no seu próprio lume.
Ao sentir entre os dedos o que foram asas,
vi nos últimos gestos dessa ave,
chocando com as paredes, sem saída,
o mesmo desespero esbracejante
de uma noturna cama de hospital
onde houve um homem que lutou às cegas
no seu estertor febril e consciente,
junto à fronteira íntima, abissal,
que nem a voz transpõe. Nenhum dos gritos
pode ecoar nos meus, aqui, agora,
nesta dádiva exangue e sem destinatário,
porque toda a poesia se resume
a um calafrio embalsamado em letras,
palavras destinadas a morrer
no momento em que as páginas de um livro,
como as asas de um pássaro, os braços de um homem,
se fecham num sono a que ninguém responde.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 21/03/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Faith Shearin – O que eu gosto

Não da festa em si — um turbilhão de momentos desconfortáveis e risos
que, na verdade, querem dizer outra coisa. Não do momento logo após o fim
da festa, quando nos jogamos no sofá, pratos espalhados por toda parte,
bitucas de cigarro flutuando no refrigerante, um único pedaço intocado de torta

sobre a mesa de centro. O que eu gosto é do dia seguinte à festa: os vestígios
dos convidados quase apagados, os balões amarrados na despensa, mas voando
um pouco mais baixo. A comida restante mumificada na geladeira. Gosto
de lembrar que a sala estava cheia sem estar em uma sala cheia.
O silêncio flui como água e eu nado sozinha: um peixe em um aquário vazio.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

What I Like

Not the party itself—a flurry of uncomfortable moments—and laughter
that really means something else. Not the moment just after the party
is over when we fall onto the sofa, dishes scattered everywhere,
cigarette butts floating in soda, a single untouched piece of pie

on the coffee table. What I like is the day after the party: the signs
of guests mostly erased, balloons tied to the pantry but flying
a little lower. The leftover food mummified in the fridge. I like
remembering that the room was full without standing in a full room.
Silence pours in like water and I swim alone: a fish in an empty aquarium.

Vicente Gaos – A vida

Os ardorosos signos da vida
pulsam na atmosfera do verão.
O mar respira tal como um varão,
como uma criatura enfurecida.

Oh gozo e amor, sangue furioso,
cósmica vibração de um mundo arcano.
Mundo que sinto ao tatear teu crânio
frágil quando nele minha mão pouso.

Te amo, sim, te amo, sonho forte,
Fecho os olhos e te sinto inteira
– Oh luz formosa e cega da morte.
A agitação final da primavera -.
Fecho meus olhos porque quero ver-te.
Oh Deus! Que a vida não vire poeira!

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado originalmente na página em 18/03/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

La vida

Los ardorosos signos de la vida
palpitan en el aire del verano.
El mar alienta como un ser humano,
como una criatura enardecida.

¡Oh gozo, gozo, amor, sangre enardecida,
cósmica vibración de un mundo arcano,
Mundo que siento en ti, al tocar mi mano
Tu delicada sien estremecida.

Te quiero, sí, te quiero, sueño fuerte,
Cierro los ojos y te siento entera
– Oh luz hermosa y ciega de la muerte.
Última fiebre de la primavera -.
Cierro los ojos porque quiero verte.
¡Oh Dios! Haz que la vida nunca muera!

Thomas Lux – Irreconciliabilidade

Não importa o que você faça,
não é possível retê-lo por muito tempo,
nem trazê-lo de volta.

O céu, o céu vazio,
quase azul, as casas modestas do sono,
cobertas de musgo, irão chamá-lo.

Não importa o quanto você ame,
este amor vai passar, vai passar,
seus amigos imortalizados,

partiram, se perderam. Incandescem os verãos
e os anos, e tudo o que você conhece
desaparece, ferido pela escuridão.

Não importam filhos, esposa,
ou arte. O rio serpenteia
e serpenteia novamente rumo ao mar.

O suave estalar de lábios de vermes,
os pés de uma aranha sobre
uma folha; você vê, você ouve.

Não importam bênçãos, raiva,
ou repouso: os mortos permanecem mortos.
Você caminha, espinha firme, você se ajoelha,

encosta o ouvido no
chão. Deus vive ali?
Deus vive em algum lugar?

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Irreconcilabilia

No matter what you do
you cannot hold it long
or take it back again.

The sky, the barely blue
blank sky, the tight moss-bound
houses of sleep, will call.

No matter how hard you love,
that love will pass, will pass,
your friends imparadised,

gone, lost. The summers blaze,
the years, and what you know
grows dim, hurt by the dark.

No matter child, or wife,
or art. The river bends
and bends again seaward.

The soft lip-click of worms,
a spider’s feet across
a leaf; you see, you hear.

No matter blessings, rage,
or rest: the dead stay dead.
You walk, spine alive, you kneel,

you lay your ear down on
the ground. Does God live there?
Does God live anywhere?