Rupi Kaur – Depressão é uma sombra que mora em mim

ontem
quando saí da cama
o sol caiu no chão e rolou pela grama
as flores decapitaram a si mesmas
a única coisa viva que sobrou fui eu
e eu já não sei se isso é vida

Trad.: Ana Guadalupe

Francisco Brines – O Triunfo do Amor

Eu te amei em Queroneia. Vivos estávamos.
Entre a tristeza arruinada
um sopro mortal: estávamos vivos.
Séculos se passaram, e outros olhos
contemplam as ruínas, ainda intactas.
Quem passou por aqui? Apenas o vazio
foi o tecido do tempo nesta planície.

Eu te amei em Queroneia. Impalpável
era o calor das cinzas humanas,
e na manhã solitária repousam
sombras de colunas derrubadas, corpos
ardentes fomos em sua sombra. Muita
morte teria que ocorrer, apagou
tua bela juventude, soprou na minha,
nada perdurou aqui, onde buscamos
que o coração se acelere, como
se fosse o único sinal de vida.

Na manhã solitária, amados,
acelerai o coração, como
se fosse o único sinal de vida.
Somente o vazio é duradouro.

Trad.: Nelson Santander

El Triunfo Del Amor

Yo te amé en Queronea. Vivos éramos.
Entre la pesadumbre derruida
Un hálito mortal: éramos vivos.
Los siglos han pasado, y otros ojos
Contemplan las ruinas, aún intactas.
¿Quién aquí transcurrió? Sólo el vacío
fue el tejido del tiempo en este llano.

Yo te amé en Queronea. Impalpable
era el calor de la ceniza humana,
y en la mañana solitaria yacen
sombras de fustes derribados, cuerpos
ardientes fuimos en su sombra. Cuánta
muerte tendría que llegar, borró
tu hermosa juventud, sopló en la mía,
nada perduró aquí, donde buscamos
que el corazón se acelere, como
si fuese el solo signo de la vida.

En la mañana solitaria, amaros,
acelerad el corazón, como
si fuese el solo signo de la vida.
Perdurable tan sólo es el vacío.

Nelson Santander – Gene Tierney

Nem Marilyn, nem Greta, nem Ava, e muito menos Angelina, Sharon, Julia ou Charlize. Para mim o rosto mais bonito com que Hollywood nos presenteou em todos os tempos é o dessa beldade das fotos que acompanham esse texto: Gene Tierney, nascida no dia de hoje, no ano de 1920.

Em 1944 ela estreou seu filme mais famoso, o belíssimo “Laura” – uma das obras que ajudou a consolidar no cinema o subgênero de filmes policiais conhecido como “film noir”.

Falando em beleza, a música tema de “Laura”, com o mesmo título, é também uma das melodias mais marcantes do cinema. Escrita por David Raksin especialmente para a película, nos anos que se seguiram “Laura” foi redescoberta por músicos de jazz. Acabou virando um standard desse estilo musical e foi objeto de mais de 400 regravações(!)

Gene se foi em 1991, aos 70. Sua beleza já se havia apagado há décadas – culpa em parte de uma depressão devastadora que lhe tirou o viço e a vontade no auge da carreira e a deixou incapacitada por anos, e do tempo, que de tudo nos despoja. “Laura” – o filme e a canção – permanecem.

Permanece também o meu sentimento de encanto diante dessa três belezas conjugadas.

O poeta John Keats tinha razão:

A beleza é a verdade, a verdade é a beleza
— É tudo o que há para saber, e nada mais.

Vitorino Nemésio – A Concha

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa… Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.

Joan Margarit – Aventura Doméstica

Sozinho em casa e vasculhando os armários.
Encontro um antigo mapa rodoviário,
contratos vencidos, esferográficas
que já não escreverão nenhuma carta,
calculadoras com pilhas descarregadas
e relógios que o tempo derrotou.
No fundo das gavetas, como um rato triste,
aninha-se o passado. Vazios, os vestidos
pendem como velhas personagens
que nos interpretaram.
Súbito, encontro também tua lingerie,
cor de areia, da noite, com pequenos bordados.
Calcinhas, sutiãs, meias que desdobro
e que me fazem voltar à brilhante
– e ao mesmo tempo misteriosa –
essência do amor e do sexo:
o que dá realmente vida às casas,
assim como se lhe dá aos portos distantes
a luz de seus cafés e de seus barcos

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Aventura Doméstica

Solo en casa y mirando en los armarios.
Encuentro algún antiguo mapa de carreteras,
contratos que han vencido, estilográficas
que ya no escribirán ninguna carta,
calculadoras con las pilas secas
y relojes que el tiempo ha derrotado.
En los cajones suele, como una rata triste,
anidar el pasado. Vacíos, los vestidos
cuelgan igual que viejos personajes
que nos interpretaron.
Pero encuentro también tu lencería,
color arena, o noche, con pequños bordados.
Bragas, sostenes, medias que despliego
y que me hacen volver hasta el brillante
– y a la vez misterioso – fondo de amor y sexo:
lo que da, de verdad, vida a las casas,
igual que se la da a los puertos lejanos
la luz de sus cafés y de sus barcos.

Miguel Torga – Princípio

Não tenho deuses. Vivo
Desamparado.
Sonhei deuses outrora,
Mas acordei.
Agora
Os acúleos são versos,
E tacteiam apenas
A ilusão de um suporte.
Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma,
Também não me diz nada.
A paz possível é não ter nenhuma.

Pedro Mexia – Vamos Morrer

Vamos morrer, mas somos sensatos,
e à noite, debaixo da cama,
deixamos, simétricos e exactos,
o medo e os sapatos.

Inês Dias – (Primeira Memória)

No ano da morte da última
beguina, que nunca precisara do
desassossego de ver,
chegou finalmente à Terra
a primeira luz do mundo.

380 mil anos até comprovarmos,
como a História nunca se cansara,
aliás, de repetir, que tudo
é trevas, instável equilíbrio
entre matéria e energia escuras.

Em suma,
a humanidade devolvida
num saco negro,
com alguns buracos
para os ossos respirarem.

Giuseppe Ungaretti – Vaidade

De repente
se eleva
sobre os escombros
a límpida
maravilha
da imensidão.

E o homem
curvado
sobre a água
surpreendida
pelo sol
se descobre
uma sombra

Embalada
pouco a pouco
desfeita

Trad : Geraldo Holanda Cavalcanti

Vanità

D’improvviso
è alto
sulle macerie
il limpido
stupore
dell’immensità

E l’uomo
curvato
sull’acqua
sorpresa
dal sole
si rinviene
un’ombra

Cullata e
piano
franta

Ricardo Molina – Convite à Felicidade

        Es dulce ser amado pero amar,
        oh dioses, qué ventura…
        Goethe

Ama-me agora que tenho os cabelos pretos
e uma coroa de junco
e o perfume da água e da esteva
nos braços nus.

Ama-me agora que tenho nos olhos
a suave chama da tarde
e a graça do sorriso
e a leve frescura dos mananciais.

Ama-me agora que tenho nos lábios
o fogo deslumbrante do meio-dia
e a serenidade do céu em minha face.

Ama-me agora que tenho no pescoço
o resplendor dos lírios queimados.
Ama-me agora que corre pelos meus ombros
a torrente divina do desejo.
Ama-me agora que tenho o peito ébrio
como uma flor de videira.

Agora e não depois, agora e não amanhã,
agora que beija minha alma todo teu corpo
confundindo tua respiração com a dos meus lábios.

Beija-me agora que é primavera
e o Chamariz canta e voa em uma árvore,
agora, meu amor, que estamos em maio,
e zunem no ar as abelhas,
agora que tudo é belo e feliz,
agora e não amanhã,
agora e não depois.

Beija-me os lábios, os cabelos, os ombros
agora que nos pomares floridos
é tão doce a flor primeira da romãzeira.

Dá-me todo teu amor agora, meu amor,
não vês que sou na terra bendita,
doce como a árvore do paraíso?

Agora que sou uma nascente virgem
onde cada onda é uma carícia,
uma colina verde
onde cada pequena flor é um lábio aceso,
um vale misterioso
onde cada vento é um suspiro,
um rio de amores
cuja música frágil é o teu nome.

Não são nossos estes dias tão belos?
Não é bela a terra sob o sol e a lua?
Não fala tudo de amor, da alvorada ao entardecer?

Ama-me!
Agora e não amanhã, agora e não depois!

Trad.: Nelson Santander

Invitación a la dicha

        Es dulce ser amado pero amar,
        oh dioses, qué ventura…
        Goethe

Ámame ahora que tengo los cabellos negros
y una corona de junco
y el perfume del agua y de la jara
en los brazos desnudos.

Ámame ahora que tengo en los ojos
la suave llama de la tarde
y la gracia de la sonrisa
y la leve frescura de los manantiales.

Ámame ahora que tengo en los labios
el fuego deslumbrante del Mediodía
y la serenidad del cielo en las mejillas.

Ámame ahora que tengo en el cuello
el resplandor de los lirios quemados.
Ámame ahora que corre por mis hombros
el torrente divino del deseo.
Ámame ahora que tengo el pecho ebrio
como una flor de vino.

Ahora y no luego, ahora y no mañana,
ahora que besa mi alma todo tu cuerpo
confundiendo su aliento al de mis labios.

Bésame ahora que es primavera
y el chamariz canta y vuela en un árbol,
ahora, amor mío, que estamos en mayo
y zumban en el aire las abejas,
ahora que todo es hermoso y feliz,
ahora y no mañana,
ahora y no luego.

Bésame los labios, el cabello, los hombros
ahora que en los huertos florecidos
es tan dulce la flor primera del granado.

Dame todo tu amor ahora, amor mío,
¿no ves que soy en la tierra dichosa,
dulce como el árbol del paraíso?

Ahora que soy un manantial virgen
donde cada onda es una caricia,
una colina verde
donde cada florecilla es un labio encendido,
un valle misterioso
donde cada viento es un suspiro,
un río de amores
cuya música frágil es tu nombre.

¿No son nuestros estos días tan bellos?
¿No es hermosa la tierra bajo el sol y la luna?
¿No habla todo de amor desde el alba a la tarde?

¡Ámame!
¡Ahora y no mañana; ahora y no luego!

Editado em 08/04/2019: O internauta pabloalf me alertou para um poema da uruguaia Juana de Ibarbourou, chamado “La Hora”, que é muito parecido com o poema acima, de Ricardo Molina. Teria havido plágio? Se sim, quem teria plagiado quem?
Para fins de comparação, segue o poema da escritora uruguaia e a bela tradução feita por Maria Teresa Almeida Pina (peguei aqui: http://blogs.utopia.org.br/poesialatina/a-hora-juana-de-ibarbourou/).

Juana de Ibarbourou – La hora

Tómame ahora que aún es temprano
y que llevo dalias nuevas en la mano.

Tómame ahora que aún es sombría
esta taciturna cabellera mía.

Ahora , que tengo la carne olorosa,
y los ojos limpios y la piel de rosa.

Ahora que calza mi planta ligera
la sandalia viva de la primavera

Ahora que en mis labios repica la risa
como una campana sacudida a prisa.

Después… !oh, yo sé
que nada de eso más tarde tendré!

Que entonces inútil será tu deseo
como ofrenda puesta sobre un mausoleo.

¡Tómame ahora que aún es temprano
y que tengo rica de nardos la mano!

Hoy, y no más tarde. Antes que anochezca
y se vuelva mustia la corola fresca.

hoy, y no mañana. Oh amante, ¿no ves
que la enredadera crecerá ciprés?

Juana de Ibarbourou – A Hora

Toma-me agora que ainda é cedo
e que levo dálias novas na mão.

Toma-me agora que ainda é sombria
esta taciturna cabeleira minha.

Agora que tenho a carne cheirosa
e os olhos limpos e a pele de rosa.

Agora que calça minha planta ligeira
a sandália viva da primavera.

Agora que em meus lábios repica o sorriso
como um sino sacudido às pressas.

Depois…oh, eu sei
que já nada disto mais tarde terei!

Que então inútil será teu desejo,
como oferenda posta sobre um mausoléu.

Toma-me agora que ainda é cedo
e que tenho rica de nardos a mão!

Hoje, e não mais tarde. Antes que anoiteça
e se torne murcha a corola fresca.

Hoje, e não amanhã. Oh amante! Não vês
que a trepadeira crescerá cipreste?