Joan Margarit – Espaço e Tempo

E de repente a casa é demasiado grande.
Tua mãe e eu esvaziamos teus armários
e seguimos por mesas e prateleiras,
de retrato em retrato, teus sorrisos.
À noite os espelhos, sob a luz elétrica,
expõem com mais ênfase o teu vazio.
Os móveis são agora mais escuros.
Pela escada desce a cálida balaustrada
que ainda se lembra de tua pequena mão,
e os degraus que ainda sentem
o roçar de teus passos. E a casa,
grande e vazia agora,
mira e remira o seu próprio silêncio.

Trad.: Nelson Santander
 

Espacio y Tiempo

Y de pronto la casa es demasiado grande.
Tu madre y yo vaciamos tus armarios
y seguimos por mesas y anaqueles,
de retrato en retrato, tus sonrisas.
De noche los espejos, bajo la luz eléctrica,
muestran con más relieve tu vacío.
Los muebles son ahora más oscuros.
Por la escalera bajan la cálida baranda,
que aún recuerda tu pequeña mano,
y los peldaños que aún sienten
el roce de tus pasos. Y la casa,
grande y vacía ahora,
a su propio silencio mira y mira.

Manuel António Pina – Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo.Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro.Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Antonia Pozzi – Grito

Não ter um Deus
não ter um túmulo
não ter nada de certo
mas apenas coisas vivas que nos fogem –
existir sem ontem
existir sem amanhã
e cegar no vazio
– socorro –
pelo sofrimento
que não tem fim –

10 de fevereiro de 1932

Trad.: Inês Dias

Grido

Non avere un Dio
non avere una tomba
non avere nulla di fermo
ma solo cose vive che sfuggono –
essere senza ieri
essere senza domani
ed acciecarsi nel nulla –
– aiuto –
per la miseria
che non ha fine –

10 febbraio 1932

Miguel Torga – Sísifo

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Rainer Maria Rilke – O Poeta

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.

Trad.: Augusto de Campos

Der Dichter

Du entfernst dich von mir, du Stunde,
Wunden schlägt mir dein Flügelschlag.
Allein: was soll ich mit meinem Munde?
mit meiner Nacht? mit meinem Tag?

Ich habe keine Geliebte, kein Haus,
keine Stelle, auf der ich lebe,
Alle Dinge, an die ich mich gebe,
werden reich und geben mich aus.

Jane Hirshfield – O Homem Gentil

Eu vendi o relógio do meu avô,
seu ouro nacarado e padrões pontilhados,
para ser derretido.
Engrenagem condenada.
Tampa faltando.
Corrente — deve ter havido uma —
faltando.
Números que foram pintados
com um única e hábil cerda.
Dei corda na coroa
antes de entrega-lo por sobre o balcão.
O homem gentil agarrou
o que eu lhe trouxe como se fosse para a Stasi.
Ele pesou o mel do tempo.

Trad.: Nelson Santander

The kind man

I sold my grandfather’s watch,
its rosy gold and stippled pattern
to be melted.
Movement unreparable.
Lid missing.
Chain — there must have been one —
missing.
Its numbers painted
with a single, expert bristle.
I touched the winding stem
before I passed it over the counter.
The kind man took it,
what I’d brought him as if to the Stasi.
He weighed the honey of time.

Rui Pires Cabral – “Are Others Happier?”

para a Helena Gaspar

Quando se sentam a ler
nos grandes átrios da noite
entre mil luzes, jogos de água,
escadas que rolam ainda
sob cúpulas de betão –
são mais felizes?

Quando saem do trabalho
acossados pelo vento
de meados de Fevereiro
e é sempre segunda-feira
nas paragens do eléctrico –
são mais felizes?

Quando se cruzam connosco
no remanso dos jardins
e encontram outro caminho
de mistério, de desejo
na nossa imaginação –
são mais felizes?

Quando os vemos mais
pequenos, muito ao longe,
nas esplanadas sobre o mar
e por momentos nos lembram
que tudo se há-de perder –
são mais felizes?

Joan Margarit – Despedir-se

Removi tapetes e cortinas,
todas as mesas em que há tempos
não como nem escrevo.
Tirei os quadros e pintei as paredes
para apagar os sinais dos anos.
Guardo uns poucos livros. Sei bem quais.
Destruí
cartas de amor que não me amavam mais.
Silenciosos, agora, os amores
são icebergs errantes do pensamento.
A casa, sem desvãos para o medo,
deixa meus olhos mais nus.
Nada, nem a esperança,
pode perturbar já a última morte.
Não há outra casa para os que amo.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Despedirse

He retirado alfombras y cortinas,
todas las mesas en las que hace tiempo
que ni como ni escribo.
He sacado los cuadros y he pintado los muros
para borrar señales de los años.
Guardo unos pocos libros. Sé bien cuáles.
He destruido
cartas de amor que no me amaban ya.
Silenciosos, ahora, los amores
son icebergs errantes del pensar.
La casa, sin rincones para el miedo,
deja mis ojos más desnudos.
Nada, ni la esperanza,
podrá perturbar ya la última muerte.
No hay otra casa para los que amo.

Manuel António Pina – Os Gatos

Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos

 

Stein Mehren – Grandes Perguntas

As grandes perguntas não têm
soluções, não têm resposta
Grandes perguntas não são feitas
para serem respondidas
Mas para serem vividas

Os maiores mistérios continuam
sendo mistérios. E na condição de mistérios
permitem apreender nosso lugar
no mundo, posto que inevitavelmente
nos colocam em nossos devidos lugares
dentro de nós mesmos.

Trad.: Ana Cristina de Aguiar

STORE SPØRSMÅL

De store spørsmål har ingen
løsninger, har ingen svar
Store spørsmål er ikke til
for at vi skal besvare dem
Men for at vi skal leve dem

De største gåtene forblir
gåter. Og det er som gåter
de lar oss forstå vår plass
i verden, idet de ubønnhørlig
setter oss på plass i oss selv