Louise Glück – Matinas (7)

Não apenas o sol mas a própria
terra brilha, fogo branco
irrompendo das imponentes montanhas
e da estrada plana
tremeluzindo nas primeiras horas da manhã: será isso
apenas para nós, para provocar uma
resposta, ou você também
fica mexido, incapaz
de se conter
na presença da terra? Sinto vergonha
do que eu pensava que você fosse,
distante de nós, nos observando
como um experimento: é
amargo ser
o animal descartável,
amargo. Caro amigo,
querido parceiro vacilante, o que
mais o surpreende no que você sente,
o esplendor da terra ou seu próprio regozijo?
Para mim, sempre
o regozijo é a surpresa.

Trad.: Nelson Santander

Matins

Not the sun merely but the earth
itself shines, white fire
leaping from the showy mountains
and the flat road
shimmering in early morning: is this
for us only, to induce
response, or are you
stirred also, helpless
to control yourself
in earth’s presence – I am ashamed
at what I thought you were,
distant from us, regarding us
as an experiment: it is
a bitter thing to be
the disposable animal,
a bitter thing. Dear friend,
dear trembling partner, what
surprises you most in what you feel,
earth’s radiance or your own delight?
For me, always
the delight is the surprise.

Louise Glück – Matinas (6)

O que é o meu coração para você
que precisa parti-lo repetidas vezes
como um jardineiro testando
sua nova espécie? Pratique
em algo diferente: como posso viver
em colônias, como você prefere, se impõe
uma quarentena de aflição, apartando-me
de membros saudáveis de
minha própria tribo? Você não faz isso
no jardim, não segrega
a rosa doente; permite que ela balance suas sociáveis
folhas infestadas nos
rostos de outras rosas, e os pequenos pulgões
saltam de planta em planta, provando uma vez mais
que eu sou a mais ínfima de suas criaturas, abaixo
do próspero pulgão e da rosa rastejante — Pai,
como agente da minha solidão, alivie
ao menos minha culpa; remova
o estigma do isolamento, a menos
que seja o seu plano fazer-me sentir
eterna novamente, como me
senti em toda a minha equivocada infância,
ou sob o leve peso
do coração de minha mãe, ou então,
em sonho, o primeiro
ser que nunca morrerá.

Trad.: Nelson Santander

Matins

What is my heart to you
that you must break it over and over
like a plantsman testing
his new species? Practice
on something else: how can I live
in colonies, as you prefer, if you impose
a quarantine of affliction, dividing me
from healthy members of
my own tribe: you do not do this
in the garden, segregate
the sick rose; you let it wave its sociable
infested leaves in
the faces of other roses, and the tiny aphids
leap from plant to plant, proving yet again
I am the lowest of your creatures, following
the thriving aphid and the trailing rose — Father,
as agent of my solitude, alleviate
at least my guilt; lift
the stigma of isolation, unless
it is your plan to make me
sound forever again, as I was
sound and whole in my mistaken childhood,
or if not then, under the light weight
of my mother’s heart, or if not then,
in dream, first
being that would never die.

Louise Glück – Matinas (5)

Quer saber como passo o meu tempo?
Eu caminho pelo jardim, fingindo
que estou capinando. Deve saber
que nunca estou capinando, de joelhos, extirpando
tufos de trevos dos canteiros de flores: na verdade,
estou em busca de coragem, de alguma evidência
de que minha vida irá mudar, ainda que
isso leve uma eternidade, verificando
cada touceira em busca da folha
simbólica, e logo o verão se encerra, já
as folhas se transformam, invariavelmente as árvores débeis
partem primeiro, as moribundas se tornam
amarelo-brilhantes, enquanto alguns pássaros pretos executam
seu toque de recolher musical. Quer ver minhas mãos?
Tão vazias agora quanto na primeira nota.
Ou o propósito sempre foi
continuar sem um sinal?

Trad.: Nelson Santander

Matins

You want to know how I spend my time?
I walk the front lawn, pretending
to be weeding. You ought to know
I’m never weeding, on my knees, pulling
clumps of clover from the flower beds: in fact
I’m looking for courage, for some evidence
my life will change, though
it takes forever, checking
each clump for the symbolic
leaf, and soon the summer is ending, already
the leaves turning, always the sick trees
going first, the dying turning
brilliant yellow, while a few dark birds perform
their curfew of music. You want to see my hands?
As empty now as at the first note.
Or was the point always
to continue without a sign?

Louise Glück – Matinas (4)

Percebo que com você é como com as bétulas:
não posso lhe falar
de maneira pessoal. Muito
se passou entre nós. Ou
sempre foi apenas de um lado? Eu
errei, eu errei, eu lhe pedi
para ser humano – não sou mais carente
do que as outras pessoas. Mas a ausência
de todo sentimento, da menor
preocupação por mim – poderia muito bem continuar
dirigindo-me às bétulas,
como em minha antiga vida: deixa-las
fazer o seu pior, deixa-las
enterrar-me com os Românticos,
suas folhas amarelas pontiagudas
caindo e me cobrindo.

Trad.: Nelson Santander

Matins

I see it is with you as with the birches:
I am not to speak to you
in the personal way. Much
has passed between us. Or
was it always only
on the one side? I am
at fault, at fault, I asked you
to be human — I am no needier
than other people. But the absence
of all feeling, of the least
concern for me – I might as well go on
addressing the birches,
as in my former life: let them
do their worst, let them
bury me with the Romantics,
their pointed yellow leaves
falling and covering me.

Louise Glück – Matinas (3)

Perdoe-me se eu disser que o amo: os poderosos
sempre são enganados, já que os fracos são sempre
guiados pelo pânico. Não posso amar
o que não consigo conceber, e você revela
praticamente nada: é como o espinheiro,
sempre a mesma coisa no mesmo lugar,
ou está mais para a dedaleira, inconstante, brotando primeiro
um espigão rosa na encosta atrás das margaridas,
e no ano seguinte, violeta no roseiral? Você precisa entender
que isso é inútil, esse silêncio que promove a crença
de que você deve ser todas as coisas, a dedaleira e o espinheiro,
a rosa vulnerável e a rija margarida – somos levados a pensar
que é impossível você existir. É isso
que você quer que acreditemos? É isso que explica
o silêncio das manhãs,
os grilos que não roçam as asas, os gatos
que não brigam no quintal?

Trad.: Nelson Santander

Matins

Forgive me if I say I love you: the powerful
are always lied to since the weak are always
driven by panic. I cannot love
what I can’t conceive, and you disclose
virtually nothing: are you like the hawthorn tree,
always the same thing in the same place,
or are you more the foxglove, inconsistent, first springing up
a pink spike on the slope behind the daisies,
and the next year, purple in the rose garden? You must see
it is useless to us, this silence that promotes belief
you must be all things, the foxglove and the hawthorn tree,
the vulnerable rose and the tough daisy – we are left to think
you couldn’t possibly exist. Is this
what you mean us to think, does this explain
the silence of the morning,
the crickets not yet rubbing their wings, the cats
not fighting in the yard?

Louise Glück – Matinas (2)

Pai inalcançável, quando fomos, pela primeira vez,
exilados do paraíso, criaste
uma réplica, um lugar em certo sentido
diferente do paraíso,
concebido para ensinar uma lição: de outro modo,
o mesmo – beleza em ambos os lados, beleza
sem alternativa – Exceto
que não sabíamos qual era a lição. Deixados sozinhos,
nos consumimos. Anos
de escuridão se seguiram; nos revezávamos
cuidando do jardim, as primeiras lágrimas
encheram nossos olhos à medida que a terra
toldava-se de pétalas, algumas
vermelho escuras, outras cor de pele –
Nunca pensamos em ti,
a quem estávamos aprendendo a adorar.
Apenas sabíamos que não estava na natureza humana amar
apenas o que retribui o amor.

Trad.: Nelson Santander

Matins

Unreachable father, when we were first
exiled from heaven, you made
a replica, a place in one sense
different from heaven, being
designed to teach a lesson: otherwise
the same — beauty on either side, beauty
without alternative — Except
we didn’t know what was the lesson. Left alone,
we exhausted each other. Years
of darkness followed; we took turns
working the garden, the first tears
filling our eyes as earth
misted with petals, some
dark red, some flesh colored —
We never thought of you
whom we were learning to worship.
We merely knew it wasn’t human nature to love
only what returns love.

Louise Glück – Matinas* (1)

Brilha o sol; perto da caixa de correio, folhas
de uma bétula dividida, dobradas, plissadas como barbatanas.
Abaixo, hastes ocas de narcisos brancos, Tulipas,
Cantatrice**; folhas
escuras de violetas selvagens. Noah diz
que os depressivos odeiam a primavera, desequilíbrio
entre o mundo interior e exterior. Eu defendo
outra perspectiva – deprimida, sim, mas de alguma forma apaixonadamente
unida à árvore viva, meu corpo
realmente enrolado no tronco dividido, quase em paz, na chuva da tarde,
quase capaz de sentir
a seiva borbulhando e crescendo: Noah diz que isso é
um erro dos depressivos, identificar-se
com uma árvore, enquanto o alegre coração
vagueia pelo jardim feito uma folha que cai, uma representação
da parte, não do todo.

*N. do T.: A palavra “matins” (“matinas” em língua portuguesa) pode ser interpretada de ao menos duas maneiras: na primeira, em um contexto literário, refere-se ao canto matinal dos pássaros. Na segunda, no âmbito da liturgia católica, “Matinas” faz parte das chamadas Horas Canônicas, que eram antigas divisões de tempo adotadas pelo cristianismo e serviam como guias para as orações do dia. As Matinas eram compostas por três noturnos, sendo que cada noturno incluía três salmos e leituras extensas da Escritura e da patrística. Além das Matinas, as Horas Canônicas incluíam também as Laudes (oração matinal), a Hora Média (Terça, Sexta e Noa), as Vésperas (oração da tarde) e as Completas (rezadas antes do repouso noturno). Portanto, os poemas que constituem a série “Matins” em “The Wild Iris” (um total de sete poemas espalhados pela obra) admitem uma dupla interpretação, já que o substantivo pode se referir tanto ao mundo natural (o canto dos pássaros) quanto ao mundo divino (a oração matutina).

** N. do T.: uma espécie de narciso branco.

Trad.: Nelson Santander

Matins

The sun shines; by the mailbox, leaves
of the divided birch tree folded, pleated like fins.
Underneath, hollow stems of the white daffodils, Ice Wings, Cantatrice; dark
leaves of the wild violet. Noah says
depressives hate the spring, imbalance
between the inner and the outer world. I make
another case — being depressed, yes, but in a sense passionately
attached to the living tree, my body
actually curled in the split trunk, almost at peace, in the evening rain
almost able to feel
sap frothing and rising: Noah says this is
an error of depressives, identifying
with a tree, whereas the happy heart
wanders the garden like a falling leaf, a figure for
the part, not the whole.