Brilha o sol; perto da caixa de correio, folhas
de uma bétula dividida, dobradas, plissadas como barbatanas.
Abaixo, hastes ocas de narcisos brancos, Tulipas,
Cantatrice**; folhas
escuras de violetas selvagens. Noah diz
que os depressivos odeiam a primavera, desequilíbrio
entre o mundo interior e exterior. Eu defendo
outra perspectiva – deprimida, sim, mas de alguma forma apaixonadamente
unida à árvore viva, meu corpo
realmente enrolado no tronco dividido, quase em paz, na chuva da tarde,
quase capaz de sentir
a seiva borbulhando e crescendo: Noah diz que isso é
um erro dos depressivos, identificar-se
com uma árvore, enquanto o alegre coração
vagueia pelo jardim feito uma folha que cai, uma representação
da parte, não do todo.
*N. do T.: A palavra “matins” (“matinas” em língua portuguesa) pode ser interpretada de ao menos duas maneiras: na primeira, em um contexto literário, refere-se ao canto matinal dos pássaros. Na segunda, no âmbito da liturgia católica, “Matinas” faz parte das chamadas Horas Canônicas, que eram antigas divisões de tempo adotadas pelo cristianismo e serviam como guias para as orações do dia. As Matinas eram compostas por três noturnos, sendo que cada noturno incluía três salmos e leituras extensas da Escritura e da patrística. Além das Matinas, as Horas Canônicas incluíam também as Laudes (oração matinal), a Hora Média (Terça, Sexta e Noa), as Vésperas (oração da tarde) e as Completas (rezadas antes do repouso noturno). Portanto, os poemas que constituem a série “Matins” em “The Wild Iris” (um total de sete poemas espalhados pela obra) admitem uma dupla interpretação, já que o substantivo pode se referir tanto ao mundo natural (o canto dos pássaros) quanto ao mundo divino (a oração matutina).
** N. do T.: uma espécie de narciso branco.
Trad.: Nelson Santander


Matins
The sun shines; by the mailbox, leaves
of the divided birch tree folded, pleated like fins.
Underneath, hollow stems of the white daffodils, Ice Wings, Cantatrice; dark
leaves of the wild violet. Noah says
depressives hate the spring, imbalance
between the inner and the outer world. I make
another case — being depressed, yes, but in a sense passionately
attached to the living tree, my body
actually curled in the split trunk, almost at peace, in the evening rain
almost able to feel
sap frothing and rising: Noah says this is
an error of depressives, identifying
with a tree, whereas the happy heart
wanders the garden like a falling leaf, a figure for
the part, not the whole.