nada sustenta no nada esta terra
nada este ser que sou eu
nada a beleza que o dia descerra
nada a que a noite acendeu
nada esse sol que ilumina enquanto erra
pelas estradas do breu
nada o poema que breve se encerra
e que do nada nasceu
Arquivos da categoria:Poesia em Língua Portuguesa
Mário Quintana – O Morto
Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco…
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!
Rodrigo Barata – Cilada
Antonio Cicero – O Fim da Vida
Antonio Cícero – O Fim da Vida
Conheci da humana lida
a sorte:
o único fim da vida
é a morte
e não há, depois da morte,
mais nada.
Eis o que torna esta vida
sagrada:
ela é tudo e o resto, nada.
Cassiano Ricardo – Os Futuricidas
Sois o Bloco dos Suicidas.
Paradoxo pensar que todo suicí-
dio
será a morte de Deus
em nós.
Nós não. Vamos salva-l’O
da hecatombe em que, afinal,
tudo tombe.
Nós O queremos vivo e salvo
mesmo escanhoado de
qualquer ornamento, pluma ou
liturgia. Calvo.
Sem nenhum arco-íris na
cabeça
ou púrpura.
Não esquartejado numa vila rica
ou atado ao rabo de um cavalo
eletrônico,
ossos enterrados numa fossa da
Lua.
Não com o crânio partido em
dois hemis-
férios
côncavos, conchas azuis da ba-
lança.
Duas crateras na areia fofa e
balofa,
de um chão de cal e estopa;
não.
Matar Deus que está em nós sui-
cidando-nos
será irmos muito além do nos-
so alvo
já que Ele só existe em nós
por nossa culpa.
Criado pelo Homem que o nutre
a suor e sangue.
Necessidade de explicação
a quem
somos e fomos.
Seríamos uns suicidas de palha.
Palhaços.
Sem deixar sequer na cinza um
bilhete
ou na pedra, gravado, o fóssil
de quem somos e fomos
uns futuricidas,
mais do que
suicidas.
Cassiano Ricardo – 2ª Aula na Jaula
1
Ícaro morreu,
não por voar
junto ao Sol
mas de obsoleto
pelos robôs levado
em seu caixão preto
os mitos de hoje
conversam comigo na
rua.
Convidam-me a assis-
tir a Antonioni no
cinema
em plena iconosfera.
Tudo o que foi
ontem é
outra era.
2
No Jardim Zoológico
uma Lua presa
numa enorme jaula
de vidro.
Com todas
as crateras
à mostra
para
visitação
pública.
Tudo o que foi
ontem é
outra era.
De “Os Sobreviventes”
Carlos Drummond de Andrade – Morte das Casas de Ouro Preto
Sobre o tempo, sobre a taipa,
a chuva escorre. As paredes
que viram morrer os homens,
que viram fugir o ouro,
que viram finar-se o reino,
que viram, reviram, viram,
já não vêem. Também morrem.
Assim plantadas no outeiro,
menos rudes que orgulhosas
na sua pobreza branca,
azul e rosa e zarcão,
ai, pareciam eternas!
Não eram. E cai a chuva
sobre rótula e portão.
Vai-se a rótula crivando
como a renda consumida
de um vestido funerário.
E ruindo se vai a porta.
Só a chuva monorrítmica
sobre a noite, sobre a história
goteja. Morrem as casas.
Morrem, severas. É tempo
de fatigar-se a matéria
por muito servir ao homem,
e de o barro dissolver-se.
Nem parecia, na serra,
que as coisas sempre cambiam
de si, em si. Hoje vão-se.
O chão começa a chamar
as formas estruturadas
faz tanto tempo. Convoca-as
a serem terra outra vez.
Que se incorporem as árvores
hoje vigas! Volte o pó
a ser pó pelas estradas!
A chuva desce, às canadas.
Como chove, como pinga
no país das remembranças!
Como bate, como fere,
como traspassa a medula,
como punge, como lanha
o fino dardo da chuva
mineira, sobre as colinas!
Minhas casas fustigadas,
minhas paredes zurzidas,
minhas esteiras de forro,
meus cachorros de beiral,
meus paços de telha-vã
estão úmidos e humildes.
Lá vão, enxurrada abaixo
as velhas casas honradas
em que se amou e pariu,
em que se guardou moeda
e no frio se bebeu.
Vão no vento, na caliça,
no morcego, vão na geada,
enquanto se espalham outras
em polvorentas partículas,
sem as vermos fenecer.
Ai, como morrem as casas!
Como se deixam morrer!
E descascadas e secas,
ei-las sumindo-se no ar.
Sobre a cidade concentro
o olhar experimentado,
esse agudo olhar afiado
de quem é douto no assunto.
(Quantos perdi me ensinaram.)
Vejo a coisa pegajosa,
vai circunvoando na calma.
Não basta ver morte de homem
para conhecê-la bem.
Mil outras brotam em nós,
à nossa roda, no chão.
A morte baixou dos ermos,
gavião molhado. Seu bico
vai lavrando o paredão
e dissolvendo a cidade.
Sobre a ponte, sobre a pedra,
sobre a cambraia de Nize,
uma colcha de neblina
(já não é a chuva forte)
me conta por que mistério
o amor se banha na morte.
Ferreira Gullar – Anoitecer em Outubro
Ferreira Gullar -Aprendizado
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.

