Samuel Taylor Coleridge – Kubla Khan

Em Xanadu, um palácio de prazer
Comanda-o Kubla Khan como um farol
Onde Alph, rio sagrado, vem correr
Através de cavernas sem mais ver
Ao ser humano até um mar sem sol.
  Assim, milhas e milhas de bom solo,
Cerca de muro e torres polo a polo:
E lá jardins luzentes em ribeiros
Curvos e árvores com flor e incenso;
Aqui florestas velhas qual outeiros,
Estufam tons de sol em seu descenso.

Mas, oh! ideal abismo que desceu
Pela colina em cedro verdejante!
Lugar selvagem! santo e tão galante
como sob um luar minguante deu-se
A uma mulher em prantos: demoamante!
E no abismo em tumulto sem cessar,
Como se esta terra estivesse a arfar,
Uma possante fonte foi lançada,
Entre seus fortes jatos em camada
Grandes fragmentos alçam-se, granizos,
Ou áridos grãos sob o mangual com guizos;
Sempre e uma vez rochedos dançarinos
Davam-se em relance ao rio divino.
Cinco milhas em deslizar insano
Entre vales e bosques foi-se o rio
E chegou às cavernas sem feitio
E agitado entrou no vago oceano:
E nisso Kubla de longe a escutar
Vozes velhas a guerra a anunciar!
  A sombra do palácio do prazer
  Flutuou pelo meio das marés
  Quando se ouviu a escala do envolver
  Da fonte e das cavernas. E até
Era milagre de raro desvelo
Um solar de prazer, cavas de gelo!

  Uma donzela com saltério
  Vi certa vez como algo etéreo
  Era uma virgem da Abissínia
  E no saltério dela ouvia
  O seu cantar do Monte Abora.
  Podia reviver agora
  Sua canção e sinfonia,
  Esse denso deleite me teria,
Pois com longa, elevada melodia,
Eu faria aquele solar no ar,
Aquelas cavas de gelo! O solar!
Todos que ouviram os veriam lá,
E, cuidado! cuidado! a gritar
Todos. Seus olhos cintilantes
E seus cabelos flutuantes!
Três vezes tece um aro em torno dele,
E cerre a vista em sacro medo, que ele
Alimentou-se do silvestre mel
E assim bebeu o leite lá do Céu.

  Trad.: José Lino Grünewald

Charles Bukowski – Feras Saltando Através do Tempo

Van Gogh escrevendo para seu irmão pedindo tintas
Hemingway testando seu rifle
Céline fracassando como médico
a impossibilidade de ser humano
Villon expulso de Paris por ser um ladrão
Faulkner bêbado pelas sarjetas da cidade
a impossibilidade de ser humano
Burroughs assassinando sua mulher com um tiro
Mailer apunhalando
a sua impossibilidade de ser humano
Maupassant enlouquecendo num barco a remos
Dostoiévski de pé contra o muro para ser fuzilado
Crane fora da popa de um navio indo em direção à hélice
a impossibilidade
Sylvia com a cabeça no forno como uma batata assada
Harry Crosby saltando naquele Sol Negro
Lorca assassinado na Estrada pelas tropas espanholas
a impossibilidade
Artaud sentado num banco de hospício
Chatterton bebendo veneno de rato
Shakespeare um plagiário
Beethoven com uma corneta no ouvido contra a surdez
a impossibilidade a impossibilidade
Nietzsche enlouquecendo completamente
a impossibilidade de ser humano
todos demasiados humanos
esse respirar
para dentro e para fora
para fora e para dentro
esses punks
esses covardes
esses campeões
esses cachorros loucos da glória
movendo esse pontinho de luz para nós
impossivelmente.

Trad.: Sergio Cohn

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Denise Levertov – O Segredo

Duas meninas descobrem
o segredo da vida
no inesperado verso
de um poema.

Eu, que não conheço o
segredo, escrevi
esse verso. Elas me
disseram

(por um terceiro)
que o tinham achado
mas não qual era ele
nem sequer

qual o verso. É claro que
agora, uma semana
depois, já esqueceram
o segredo,

o verso e o nome do
poema. Eu as amo
por terem encontrado
o que nunca encontrei,

e por me amarem, a mim
que escrevi o verso,
e por já o terem esquecido,
de modo que,

mil vezes, até que a morte
as alcance, elas podem
tornar a descobri-lo, em outros
versos,

em outros
fatos. E as amo por
desejarem conhecê-lo,
por

presumirem que existe
tal segredo, sim,
por isso
sobretudo.

Trad.: Carlito Azevedo (?)

John Keats – Ode sobre a Indolência

I

Numa certa manhã eu vi as três as figuras,
   Curvadas, de perfil, mãos juntas, uma a uma,
Seguindo atrás da outra, mudas e seguras,
   Sandálias suaves, vestes alvas, pés de pluma;
Como formas de mármore em alto-relevo
  Sobre uma urna, foram-se, ao girar a face
   Do vaso; mas voltando ao ângulo anterior,
Mostraram-se mais uma vez como as descrevo,
 E eram-me tão estranhas como se as achasse
   Numa ânfora de Fídias um pesquisador.

II

Como é possível, Sombras, que eu não as conheça,
  Máscaras mudas que se movem para mim?
Que plano silencioso tinham na cabeça
  Para a minha indolência arrebatar assim?
Era a hora madura e eu já me comprazia
  Na abençoada nuvem de ócio do verão.
   Pesado o olhar, a pulsação quase parada,
Os prazeres sem cor e a vida já vazia.
  Ah! por que não desaparecem e se vão,
   E me deixam em paz, sozinho, com meu – nada?

III

Uma terceira vez romperam minha paz as
  Figuras mudas; cada qual por um momento
Me olhou de frente, e eu só queria era ter asas
  Para segui-las e saber do seu intento;
A primeira, uma bela moça, era o Amor;
  A segunda, de rosto pálido e sem viço
   E olhos cansados, a Ambição que a tudo via.
A última, a que eu mais amo, e a quem o desfavor
  Persegue, era uma jovem com ar insubmisso;
   Essa era o meu demônio – a Poesia.

IV

Foram-se as três e eu só queria asas ainda;
  Loucura! O que é o Amor? Quem sabe onde ele mora?
Quanto à Ambição! – é desprezível, porque vinda
  De um coração pequeno, a febre de uma hora;
À Poesia! – não doa uma só alegria, –
  Ao menos para mim, – de dia imersa em suas
   Cismas; à noite, no ópio do seu tédio imenso;
Pudesse eu ter uma era livre de agonia,
  Sem conhecer jamais a mutação das luas
   Nem ouvir nunca a voz penosa do bom-senso!

V

E uma vez mais vieram; – ah! por que razão?
  Meu sono se adornava de secretos sonhos,
Minha alma era uma relva, flores pelo chão,
  Com sombras sugestivas e raios risonhos;
A névoa da manhã não me trazia chuva;
  Nas pálpebras de maio, só lágrimas prestes;
   Calor, botões em flor, um tordo ia cantar,
E da janela aberta eu via a vide e a uva;
  Sombras, a hora do adeus chegou; em suas vestes
   Nenhuma lágrima desceu do meu olhar.

VI

Adeus, meus três fantasmas! Não há quem me faça
  Erguer esta cabeça da relva e das flores.
Não quero ser a ovelha-guia de uma farsa,
  Nem seguirei uma dieta de louvores.
Voltem a ser figuras-máscaras de urna.
  Adeus! deixem morrer de tedio a minha mente.
   Visões? Já tenho a minha provisão noturna,
E outras, mais tênues, para as horas matinais.
  Retirem-se, de vez, do meu ser indolente,
   Para as nuvens dos céus, e não voltem jamais.

Trad.: Augusto de Campos

 

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Ode on Indolence

I

One morn before me were three figures seen,
With bowèd necks, and joinèd hands, side-faced;
And one behind the other stepp’d serene,
In placid sandals, and in white robes graced;
They pass’d, like figures on a marble urn,
When shifted round to see the other side;
They came again; as when the urn once more
Is shifted round, the first seen shades return;
And they were strange to me, as may betide
With vases, to one deep in Phidian lore.

II

How is it, Shadows! that I knew ye not?
How came ye muffled in so hush a mask?
Was it a silent deep-disguisèd plot
To steal away, and leave without a task
My idle days? Ripe was the drowsy hour;
The blissful cloud of summer-indolence
Benumb’d my eyes; my pulse grew less and less;
Pain had no sting, and pleasure’s wreath no flower:
O, why did ye not melt, and leave my sense
Unhaunted quite of all but—nothingness?

III

A third time pass’d they by, and, passing, turn’d
Each one the face a moment whiles to me;
Then faded, and to follow them I burn’d
And ached for wings, because I knew the three;
The first was a fair Maid, and Love her name;
The second was Ambition, pale of cheek,
And ever watchful with fatiguèd eye;
The last, whom I love more, the more of blame
Is heap’d upon her, maiden most unmeek,—
I knew to be my demon Poesy.

IV

They faded, and, forsooth! I wanted wings:
O folly! What is Love? and where is it?
And for that poor Ambition! it springs
From a man’s little heart’s short fever-fit;
For Poesy!—no,—she has not a joy,—
At least for me,—so sweet as drowsy noons,
And evenings steep’d in honey’d indolence;
O, for an age so shelter’d from annoy,
That I may never know how change the moons,
Or hear the voice of busy common-sense!

V

And once more came they by:—alas! wherefore?
My sleep had been embroider’d with dim dreams;
My soul had been a lawn besprinkled o’er
With flowers, and stirring shades, and baffled beams:
The morn was clouded, but no shower fell,
Tho’ in her lids hung the sweet tears of May;
The open casement press’d a new-leaved vine,
Let in the budding warmth and throstle’s lay;
O Shadows! ’twas a time to bid farewell!
Upon your skirts had fallen no tears of mine.

VI

So, ye three Ghosts, adieu! Ye cannot raise
My head cool-bedded in the flowery grass;
For I would not be dieted with praise,
A pet-lamb in a sentimental farce!
Fade softly from my eyes, and be once more
In masque-like figures on the dreamy urn;
Farewell! I yet have visions for the night,
And for the day faint visions there is store;
Vanish, ye Phantoms! from my idle spright,
Into the clouds, and never more return!

John Keats – Do Endymion

O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.

From Endymion

A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o’er-darkened ways::
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young, sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make
Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for the mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven’s brink.

Byron e Keats: entreversos; traduções de Augusto de Campos – Campinas, SP; Editora da Unicamp, 2009. p. 168-169.

Walter de la Mare – Os que Ouviam

‘Tem alguém em casa?’ indagou o Viajante
Defronte à porta enluarada;
Seu cavalo no silêncio ruminava o capim
Da forragem fértil e enfolhada:
E uma ave voou para muito além da torre,
Acima de sua cabeça:
E de novo a porta ele outra vez castigou;
‘Tem alguém em casa?’ ele disse.
Mas ninguém desceu para atender o Viajante;
Do peitoril ninguém nem nada
Inclinou-se para olha-lo nos olhos cinzentos,
Onde ele estava, pasmo e mudo.
Somente uma horda vigilante de fantasmas
Que habitava tal casa então
Ficou ouvindo em silêncio, à luz da lua,
A voz vinda do humano chão:
Imóveis à luz do luar sobre a escada escura
Que dava num salão sem nada,
Ouvindo, atentos, num ar revolto e agitado
O apelo que dele emanava.
E sentiu em seu peito como eram diferentes,
Eles quietos, ele exaltado,
Seu cavalo inquieto a pastar na relva escura,
Sob o denso céu estrelado;
De repente então ele bateu na porta, ainda
Mais alto, e a cabeça ergueu: -
‘Diga-lhes que eu vim, e que ninguém me respondeu,
Que fui correto’, esclareceu.
Nem o menor meneio fizeram os que ouviam,
Conquanto as palavras cortantes
Ditas rompessem as sombras da casa silente
Para longe do Viajante:
Sim, eles ouviram seus pés por sobre os estribos,
Sons de ferraduras no chão,
E o sutil silêncio que suavemente ascendeu,
Enquanto os cascos se afastavam.

Trad.: Nelson Santander

Walter de la Mare – The Listeners

‘Is there anybody there?’ said the Traveller,
Knocking on the moonlit door;
And his horse in the silence champed the grasses
Of the forest’s ferny floor:
And a bird flew up out of the turret,
Above the Traveller’s head:
And he smote upon the door again a second time;
‘Is there anybody there?’ he said.
But no one descended to the Traveller;
No head from the leaf-fringed sill
Leaned over and looked into his grey eyes,
Where he stood perplexed and still.
But only a host of phantom listeners
That dwelt in the lone house then
Stood listening in the quiet of the moonlight
To that voice from the world of men:
Stood thronging the faint moonbeams on the dark stair,
That goes down to the empty hall,
Hearkening in an air stirred and shaken
By the lonely Traveller’s call.
And he felt in his heart their strangeness,
Their stillness answering his cry,
While his horse moved, cropping the dark turf,
’Neath the starred and leafy sky;
For he suddenly smote on the door, even
Louder, and lifted his head:—
‘Tell them I came, and no one answered,
That I kept my word,’ he said.
Never the least stir made the listeners,
Though every word he spake
Fell echoing through the shadowiness of the still house
From the one man left awake:
Ay, they heard his foot upon the stirrup,
And the sound of iron on stone,
And how the silence surged softly backward,
When the plunging hoofs were gone.

Source: The Collected Poems of Walter de la Mare (1979)

Sobre o poeta, o poema e a tradução

Walter de la Mare nasceu em 25 de abril de 1873, em Charlton, Kent, Inglaterra, e morreu em 22 de junho de 1956, em Twickenham, Middlesex, Inglaterra. Começou a escrever por volta de 1890 e nunca mais parou. Sua produção foi enorme, incluindo romances, novelas, contos, poemas, antologias, ensaios, críticas e comentários. Pouco conhecido no Brasil, ele é lembrado, principalmente nos países de língua inglesa, como um poeta das primeiras letras e um contador de histórias de fantasmas, o que, segundo seus críticos, desviaria a atenção da busca espiritual, que é o ponto central da escrita.
O poema acima, com cuja tradução eu contribuí, é o seu trabalho mais conhecido. “The Listeners”, com efeito, figura em inúmeras antologias de poemas e foi, durante décadas, o poema preferido dos professores ingleses para ensinar recitação a seus alunos.
No poema, que foi publicado pela primeira vez em “The Listeners, and Others Poems” (1912), um incógnito viajante chega com seu cavalo a uma casa (castelo? Château?) que parece deserta. Ele bate à porta, mas ninguém responde. Ele insiste, mas os fantasmas que aparentemente ocupam a casa escutam mas nunca respondem aos apelos do Viajante. O viajante insiste, mas ninguém responde. Perplexo, ele volta a bater na porta, com mais força ainda, e, levantando a cabeça grita: “Diga-lhes que eu vim, e que ninguém me respondeu, que fui correto”. Ainda sem respostas, o Viajante vai embora. Os fantasmas ouvem o viajante indo embora e o silêncio que retorna quando os cascos do cavalo se afastam.
Ao final da leitura do poema, inúmeras questões surgem, como bem resumiu Braulio Tavares:
“Que lugar é este? Que mansão é esta? Não sabemos. Vemos o desfecho de uma história que não nos foi contada, mas que ressoa dentro de nós como as batidas do cavaleiro noturno ressoam à porta da casa deserta. Por que esse homem voltou? Por que os fantasmas lá dentro se escondem, silenciam, fazem de conta que não o ouvem chamar? Quem é esse Viajante que vem de tão longe, a essa hora, somente para cumprir uma palavra dada?”
A internet está repleta de interpretações acerca do poema. Há de tudo: o visitante queria dizer aos seus fantasmas – pessoas que ele amava, hoje já mortas – que quitou alguma dívida que tinha para com eles em vida. Que, ao contrário, o viajante é quem seria o fantasma que bate insistentemente à porta da casa sem se fazer ouvir pelos habitantes, pessoas vivas como nós (à semelhança do que ocorre no filme “Os Outros”, de Alejandro Amenábar). Em uma viagem psicanalítica, o viajante seria a voz interior de alguém, tentando nos alertar acerca de algum perigo. Há os que digam também que o poema seria uma metáfora para os mistérios com os quais nos defrontamos na vida, seja como “visitantes”, seja como ouvintes. Nós passaríamos nossas vidas fazendo perguntas, sem nem sempre conseguir obter as respostas.
Não importa a mensagem em si – ou importa, mas apenas para quem lê. O que realmente importa é que, do ponto de vista do fazer poético, o poema é extremamente bem construído. Seu mérito está em conseguir evocar com eficiência uma atmosfera fantasmagórica que permanece no espírito do leitor mesmo depois de horas após a leitura do poema. Para tanto, o autor se vale de todos os recursos poéticos disponíveis – aliterações, anáforas, metáforas, metonímias, paradoxos – que emprestam ao poema uma força insuspeita.
Ao decidir traduzi-lo, procurei na internet em busca de alguma tradução, para fins de comparação. Nada encontrei. Pode até ser que exista, mas não logrei êxito em localizar. Talvez pelo fato do nome do autor não estar no panteon dos grandes poetas, ou pela fama que o poema granjeou como literatura escolar (mal comparando, seria o equivalente, no Brasil, a um poema de J G de Araújo Jorge), o fato é que, aparentemente, ninguém se aventurou a traduzi-lo (se alguém conhecer uma tradução, por favor me mande).
Ao fazê-lo, procurei manter o esquema das rimas (ABCB, DEFE, e assim por diante). Na métrica, enquanto o original segue um esquema não muito rígido e alternado que vai de seis a quatorze sílabas, predominando, quanto ao ritmo, os pés anapestos e jambos, optei por manter um esquema rígido na metrificação (para facilitar para mim, é claro), alternando versos bárbaros de treze sílabas com octassilábicos. Quanto ao ritmo, tentei manter, tanto quanto pude, a opção original pelos anapestos e jambos.

Nelson Santander, 02/02/2017

Gale, Cengage Learning – A Study Guide for Walter de la Mare’s “The Listeners”; https://books.google.com.br/books?id=_7Y3DQAAQBAJ&pg=PT13&dq=the+listeners+la+mare+meter&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjWlLzv_PHRAhUCgZAKHZ2QCPMQ6AEIGjAA#v=onepage&q=the%20listeners%20la%20mare%20meter&f=false (consultado em 02/02/2017)

Tavares, Braulio. Os que Escutavam. Texto publicado no blog Mundo Fantasmo, do escritor Braulio Tavares. Em http://mundofantasmo.blogspot.com.br/search/label/Walter%20de%20la%20Mare (consultado em 02/02/2017)

W. H. Auden – Funeral Blues

BLUES FÚNEBRE

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.

É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

trad.: Nelson Ascher

 

BLUES FÚNEBRE

Detenham-se os relógios, cale o telefone,
jogue-se um osso para o cão não ladrar mais,
façam silêncio os pianos e o tambor sancione
o féretro que sai com seu cortejo atrás.

Aviões acima, circulando em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Pombas de luto ostentem crepe no pescoço
e os guardas ponham luvas negras como breu.

Ele era norte, sul, leste, oeste meus e tanto
meus dias úteis quanto o meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto.
Julguei o amor eterno: quem o faz se engana.

Apaguem as estrelas: já nenhuma presta.
Guardem a lua. Arriado, o sol não se levante.
Removam cada oceano e varram a floresta.
Pois tudo mais acabará mal de hoje em diante.

Nova tradução de Nelson Ascher – 2008

 

FUNERAL BLUES

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message ‘He is Dead’.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.

The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.

April 1936

Lewis Carroll – Jaguadarte

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”

Ele arrancou sua espada vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo.
Na árvora Tamtam ele afinal
Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo,
Sorrelfiflando através da floresta,
E borbulia um riso louco!

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!
Cabeça fere, corta, e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.

“Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!”
Êle se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Trad.: Augusto de Campos

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Jabberwocky

Lewis Carroll

‘Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

“Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!”

He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought—
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

“And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!”
He chortled in his joy.

‘Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

William Carlos Wiliams – Entre Muros

alas traseiras
do

hospital onde
nada

medra jazem
cinzas

nas quais
cacos

verdes brilham
garrafa

Trad.: Haroldo de Campos

Robinson Jeffers – Sem Título

​Isto quase anula meu medo de morrer, meu amor falou,
Quando eu penso em cremação.
Apodrecer na terra
É um fim abominável, mas arder em
chamas — além disso, estou habituada,
Eu ardi com amor ou fúria tanto
em minha vida,
Não à toa meu corpo está cansado, não à toa está morrendo.
Nós fomos felizes com meu corpo.
Espalhe as cinzas.

Trad.: André Caramuru