Ernesto Pérez Vallejo – Com vista para dentro

Não sou o melhor homem que já conheceste,
nem metade do bom que ainda te falta descobrir por aí,
nem sequer tenho estudos, e minha voz
treme diante de qualquer um que me olha nos olhos.
Minha tristeza pesa mais aos domingos,
mas na verdade é meu estado mais corriqueiro.
Às vezes, tenho crises de ansiedade,
às vezes, de raiva;
tenho uns vinte segundos complicados nos quais posso
desde matar um homem até dormir em paz.
Não diria que sou louco, mas um são fora do padrão.

Sério, sou um desastre,
nem fiel eu sou.
Se ouço uns saltos altos, ensaio um bailado lúbrico,
se vejo um decote, busco o mar em outros portos,
melhor nem falar se o poente
resolver levantar uma saia na minha frente.
A última vez que pedi perdão
eu tinha dezenove anos,
e ele já não podia me ouvir.

Faz tempo que não confio em ninguém,
a esperança me parece um ato masoquista,
a fé, um truque barato de ilusionismo,
o destino, uma folha em branco
em que escrevo com erros ortográficos
só para que ele também não saiba me guiar.

Talvez se fores agora,
alguém possa te dar o prazer
que não concebo sem dor.
Alguém, qualquer um,
poderá fazer-te promessas lindas, dessas
que nunca se cumprem
e tu consigas sorrir com alguma dignidade,
atando teus sonhos a um futuro inexistente.

Creio, quando olho tua boca,
que há mulheres que deviam ter mais cuidado
em ocultar o sorriso do que a calcinha.
Mas isso quase só me acontece contigo.

Suponho que tua boca seja capaz de escravizar um homem.
E, sinceramente, a esta altura de minha vida
o fácil seria não resistir.
Me deixar levar ou me jogar,
porque quando a abres assim, como quem boceja do nada,
eu vejo um precipício onde cair é erguer-se
e fugir é conseguir que o abismo
te persiga até te derrubar.
E uma vez deitados, já sabes: o amor
para mim sempre teve sabor de boceta.

Mas é verdade:
devias ir embora,
deixar que o amor te surpreenda pelas costas,
e deixar na porta um eu te amo
pra que, se um dia eu sair e não souber quem sou, possa lembrar.

Porque se ficares,
não saberás o que penso quando penso demais,
nem ouvirás um eu também depois de um eu te amo,
porque eu jamais soube forçar palavras,
e já é tarde para contrariar meu próprio abecedário.
E nunca saberei pedir que fiques,
nem que esse seja meu maior desejo,
porque se eu pudesse fugir de mim mesmo,
também o faria.

E mesmo que decidas ficar,
não serei capaz de escrever nenhum verso decente em teu nome
porque seria demasiado feliz
para ser poeta.

Talvez tu não entendas que há pessoas
que precisam sentir saudade
para não se sentirem demais.
Que há quem ache que sorrir hoje em dia
é um insulto,
respirar, um ato de ousadia,
viver, um surto,
perder, uma rotina.

Talvez não percebas que sou esse tipo de pessoa.
Alguém incapaz de voar sem ressaca,
um cara que aposta na carta mais alta
sua próxima derrocada.
Um algo que não é alguém
se seu nome não soa
do buraco mais profundo
de um boteco de beira de estrada.

Deverias partir,
recolher tuas carícias de minha pele,
atravessar-me o coração de dentro para fora,
de modo que, pelo buraco no meu peito,
possas ver os escombros que deixaste com tua partida.
Ignorar o que vês em meus olhos,
o que gritam minhas pálpebras quando olho para ti
porque, no fim das contas, somente a ignorância
pode fazer felizes as pessoas.

E descer as escadas com teus saltos pretos,
os mesmos que eu descalçava de ti com a boca,
toda noite em que o desejo
nos punha de joelhos.
E perder-te rua abaixo,
como se perdem os ônibus e os carros
e as putas da rua Magdalena
e as mães dos meninos de colégio.
Como se perdem as nuvens que não molham
ou o sol que não aquece.
Sem um adeus, sem um até nunca,
só silêncio.

Deverias partir agora mesmo,
porque é o único jeito de sabermos
se eu realmente preciso de ti.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 30/07/2020

 

Con vistas al interior

No soy el mejor hombre que has conocido,
ni la mitad de bueno de los que te quedarían por explorar,
ni siquiera tengo estudios y mi voz
se quiebra ante cualquiera que me mire a los ojos.
Mi tristeza se acentúa los domingos
pero en realidad es mi estado más corriente.
A veces sufro ansiedad,
también ira,
tengo veinte segundos complicados en los que puedo
desde matar a un hombre a dormir sin ella.
No diría que estoy loco pero soy un cuerdo anormal.

En serio, soy un desastre,
ni siquiera soy fiel,
si escucho tacones bailo canciones perversas,
si veo un escote busco el mar en otros puertos,
mejor no hablar si al poniente
le da por levantar una falda en mi presencia.
La última vez que pedí perdón
tenía diecinueve años
y el ya no podía escucharme.

Hace tiempo que no confío en nadie,
la esperanza me resulta un acto masoquista,
la fe un mal truco de magia,
el destino un folio en blanco
que escribo con faltas de ortografía
para que el tampoco sepa guiarme.

Quizás si te vas ahora,
alguien podrá darte el placer
que no concibo sin dolor.
Alguien, cualquiera,
podrá hacerte promesas preciosas de esas
que jamás se cumplen
y tu puedas sonreír dignamente,
atando tus sueños a un futuro que no existe.

Creo cuando miro tu boca,
que hay mujeres que deberían poner más cuidado
en esconder la sonrisa que las bragas.
Pero esto casi solo me ocurre contigo.

Supongo que tu boca es capaz de hacer esclavo a un hombre.
Y seguramente a estas alturas de mi vida
lo fácil sería no rebelarse.
Y dejarme llevar o caer,
porque cuando la abres así como quién bosteza sin más
yo veo un precipicio donde caer es levantarse
y huir de ella es conseguir que el vértigo
te persiga hasta que te tumbe.
Y tumbados ya sabes que el amor
a mí siempre me ha sabido a coño.

Pero es cierto,
que deberías marcharte,
a que el amor te sorprenda por la espalda
y dejar en la puerta un te quiero
por si un día al salir no se quien soy.

Porque si te quedas,
no sabrás que pienso cuando pienso tanto,
ni oirás un yo también después de un te amo,
porque jamás supe forzar una palabra
y ya es tarde para contradecir mi abecedario.
Y no sabré decir nunca que te quedes,
ni aunque sea mi deseo primordial
porque si yo pudiera irme de mi mismo,
también lo haría.

Ni siquiera si decides quedarte
podré escribir algún verso decente en tu nombre
porque sería demasiado feliz
para ser poeta.

Quizás no entiendas que hay gente,
que necesita echar de menos
para no echarse de más.
Que hay gente a la que sonreír en estos tiempos
le parece un insulto,
que respirar una osadía,
que vivir un arrebato,
que perder una rutina.

Quizás no entiendas que soy de ese tipo de gente.
Alguien incapaz de volar sin resaca,
un tipo que se juega a la carta más alta
su próximo desequilibrio.
Un algo que no es alguien
si no suena su nombre
desde la garganta más profunda
de un bar de carretera.

Deberías irte,
recoger tus caricias de mi espalda,
atravesar mi corazón hacía fuera,
que pueda verse en el agujero de mi pecho
los escombros que has dejado tras tu marcha.
Ignorar aquello que ves en mis ojos,
lo que te gritan mis párpados cuando te observo
porque en realidad solamente la ignorancia
puede hacer feliz a las personas.

Y bajar las escaleras con tus tacones negros,
los mismos que te quitaba con la boca,
cada noche que el deseo
nos ponía de rodillas.
Y perderte calle abajo,
como se pierden los autobuses y los coches
y las putas de la calle Magdalena
y las madres de los niños de colegio.
Como si pierden las nubes que no mojan
o el sol que no calienta.
Sin un adiós, sin hasta nunca,
solo silencio.

Deberías irte ahora mismo,
porque es el único modo que tenemos de saber
si de verdad te necesito.

Robinson Jeffers – Ondas de novembro

Em um dia afortunado de novembro, grandes ondas despertam e são atraídas
Como montanhas esfumaçadas e brilhantes no oeste,
E vêm cobrir as falésias com uma purificação branca e violenta: então, subitamente,
O velho granito esquece meio ano de imundície:
Cascas de laranja, cascas de ovos, papéis, peças de roupas, grumos
De esterco nas quinas das rochas, e os preservativos
Usados que tornam seguro o amor ligeiro nas noites: todos os dejetos dos vadios
Do verão lavados em um êxtase de inverno:
Acho que este continente superlotado inveja suas falésias nessa época… Mas em todas as estações,
A Terra, em seu sono profético e infantil,
Segue sonhando com o banho de uma tempestade que se prepara ao longo da costa
Do futuro para varrer mais do que suas linhas marítimas:
As cidades submersas, as pessoas escassas e os falcões mais numerosos,
Os rios puros, da foz à nascente; quando o mamífero
Bípede, sendo de certa forma um dos animais mais nobres, recupera
A dignidade do espaço, o valor da raridade.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

November Surf

Some lucky day each November great waves awake and are drawn
Like smoking mountains bright from the west
And come and cover the cliff with white violent cleanness: then
suddenly
The old granite forgets half a year’s filth:
The orange-peel, eggshells, papers, pieces of clothing, the clots
Of dung in corners of the rock, and used
Sheaths that make light love safe in the evenings: all the droppings of
the summer
Idlers washed off in a winter ecstasy:
I think this cumbered continent envies its cliff then… But all seasons
The earth, in her childlike prophetic sleep,
Keeps dreaming of the bath of a storm that prepares up the long coast
Of the future to scour more than her sea-lines:
The cities gone down, the people fewer and the hawks more numerous,
The rivers mouth to source pure; when the two-footed
Mammal, being someways one of the nobler animals, regains
The dignity of room, the value of rareness.

Jeffrey Harrison – Nossa outra irmã

                    Nossa outra irmã

para Ellen

A coisa mais cruel que fiz à minha irmã mais nova
não foi disparar um dardo caseiro em seu joelho,
onde ficou pendurado por um ofegante momento

antes de cair, mas sim contar que tínhamos
outra irmã, mais velha, que havia ido embora.
Quais foram meus motivos não consigo lembrar: um capricho,

ou talvez uma necessidade de brincar com a perda,
de sondar a dor de feridas inventadas?
Mas aquela primeira frase foi como uma cadeia de DNA

que se replicou em espirais de mentiras
quando minha irmã começou a fazer perguntas desesperadas.
Chamei nossa irmã mais velha de Isabel

e dei-lhe olhos cor de avelã e longos cabelos loiros.
Fiz com que fugisse para a Califórnia
onde se drogava e fazia bijuterias hippies.

Antes que eu percebesse, ela já morava em Santa Fé
e abrira uma loja. Enviava cartões postais
de vez em quando, mas parara de ligar.

Ainda consigo ver minha irmã mais nova me encarando,
os olhos se arregalando de desolação
até se encherem de lágrimas. Ainda me lembro

do espanto - e do horror - que senti ao ver que algo
que eu acabara de inventar
podia ter tanto poder, e ainda posso sentir

o dardo do remorso perfurando meu coração,
enquanto corria para dizer-lhe que nada daquilo era verdade.
Mas era tarde demais. Nossa outra irmã

já tinha tomado forma e não podíamos
chamá-la de volta de sua vida distante
nem dizer o quanto sentíamos sua falta.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 28/07/2020

                    Our Other Sister

for Ellen

The cruelest thing I did to my younger sister
wasn’t shooting a homemade blowdart into her knee,
where it dangled for a breathless second

before dropping off, but telling her we had
another, older sister who’d gone away.
What my motives were I can’t recall: a whim,

or was it some need of mine to toy with loss,
to probe the ache of imaginary wounds?
But that first sentence was like a strand of DNA

that replicated itself in coiling lies
when my sister began asking her desperate questions.
I called our older sister Isabel

and gave her hazel eyes and long blonde hair.
I had her run away to California
where she took drugs and made hippie jewelry.

Before I knew it, she’d moved to Santa Fe
and opened a shop. She sent a postcard
every year or so, but she’d stopped calling.

I can still see my younger sister staring at me,
her eyes widening with desolation
then filling with tears. I can still remember

how thrilled and horrified I was
that something I’d just made up
had that kind of power, and I can still feel

the blowdart of remorse stabbing me in the heart
as I rushed to tell her none of it was true.
But it was too late. Our other sister

had already taken shape, and we could not
call her back from her life far away
or tell her how badly we missed her.

Louise Bogan – Noite

As ilhas frias e remotas
E os estuários azuis
Onde o que respira, respira
O vento incessante das enseadas,
E o que bebe, bebe
A maré que chega;

Onde concha e alga
Aguardam o banho salino do mar,
E as límpidas noites de estrelas
Balançam suas luzes para o oeste
E se escondem atrás da terra;
Onde a pulsação agarrada às rochas
Se renova eternamente;

Onde, novamente em noites sem nuvens,
A água reflete
O ocaso parcial do firmamento;

— Oh, lembre-se
Em suas horas escuras que se estreitam
Que mais coisas se movem
Do que o sangue no coração.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Night

The cold remote islands
And the blue estuaries
Where what breathes, breathes
The restless wind of the inlets,
And what drinks, drinks
The incoming tide;

Where shell and weed
Wait upon the salt wash of the sea,
And the clear nights of stars
Swing their lights westward
To set behind the land;
Where the pulse clinging to the rocks
Renews itself forever;

Where, again on cloudless nights,
The water reflects
The firmament’s partial setting;

—O remember
In your narrowing dark hours
That more things move
Than blood in the heart.

Konstantinos Kaváfis – Vozes

Vozes queridas, vozes ideais
daqueles que morreram ou daqueles que estão
perdidos para nós, como se mortos.

Eles nos falam em sonho, algumas vezes;
outras vezes, em pensamento as escutamos.

E, quando soam, por um instante eis que retornam
os sons da poesia primeva em nossa vida,
qual música distante que se perde noite afora.

Trad.: José Paulo Paes

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/07/2020

Doug Dorph – Planeta esquecido

Peço à minha filha que diga os nomes dos planetas.
“Vênus… Marte… e Plunis!”, ela responde.
Quando eu tinha seis ou sete anos, meu pai
me acordou no meio da noite.
Descemos até o playground e deitamos
de costas no concreto, olhando para cima
à espera das estrelas cadentes que a TV prometera.

Não me lembro de nenhuma estrela cadente. Lembro
de minhas costas pressionadas contra o planeta Terra,
da massa do meu pai como gravidade ao meu lado,
dos ruídos ocasionais vindos de sua garganta,
dos prédios com suas janelas apagadas,
do céu perto o suficiente para eu cutucar com o dedo.

Hoje, o saber corrói o deslumbramento.
Uma voz insistente me lembra que o sol
também brilha no lado escuro da lua.
A ignorância da minha filha é minha alegria.
Através dos olhos dela eu espio como um voyeur.

Eu viajo em um foguete até o planeta Plunis.
Em Plunis já não anseio pelo passado.
Em Plunis há surpresas de verdade.
Em Plunis, sou feliz.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 16/07/2020

Forgotten Planet

I ask my daughter to name the planets.
“Venus… Mars… and Plunis!” she says.
When I was six or seven my father
woke me in the middle of the night.
We went down to the playground and lay
on our backs on the concrete looking up
for the meteors the tv said would shower.

I don’t remember any meteors. I remember
my back pressed to the planet Earth,
my father’s bulk like gravity next to me,
the occasional rumble from his throat,
the apartment buildings dark-windowed,
the sky close enough to poke with my finger.

Now, knowledge erodes wonder.
The niggling voce reminds me that the sun
does shine on the dark side of the moon.
My daughter’s ignorance is my bliss.
Through her eyes I spy like a voyeur.

I travel in a rocket ship to the planet Plunis.
On Plunis I no longer long for the past.
On Plunis there are actual surprises.
On Plunis I am happy.

Lang Leav – Uma pequena consolação

Tudo o que um dia fomos,
é agora um verso triste e solitário.

Se antes eu tinha tanto a dizer,
agora estou desprovida de palavras.

Às vezes, é a ordem das coisas
que as faz parecer ainda piores.

Não é como se você tivesse ficado
se eu não tivesse partido primeiro.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A small consolation

Everything that we once were,
is now a sad and lonely verse.

When once I had so much to say,
I am now bereft of words.

Sometimes it’s the order of things,
that make them seem much worse.

Its not as if you would have stayed
if I hadn’t left you first.

Juan Vicente Piqueras – Lázaro se recusa a ressuscitar

Um dia ouvi vozes que vinham de fora.
Finalmente!, vozes de fora, pensei – vozes de outros
que levam a luz dentro de si e a revelam,
que vem até mim do ar, e não de mim.

Vozes que ao se aproximarem, viraram sussurros.
Passos que pararam diante da minha porta.
Alguém disse: Aqui jaz, como se lesse.
Os demais ficaram em silêncio.
Uma voz me chamou: Lázaro, disse,
levanta-te e anda.
Eu a reconheci, mas fingi não ouvi-la.
Lembrei-me de Jonas. Fiquei em silêncio.
Pensei: Preferiria
não fazê-lo
, nunca sair daqui.

Conheço bem demais o mundo.
Lá fora, eu sei, espreita o mau amor,
seu mel amargo, seu engano, sua ameaça.

Levanta-te de ti. Sai de tua tumba.
Mas eu detestava os milagres.
E, além disso, tinha
demasiado apreço pela minha vida de morto.

Deixei passarem os anos. Agora espero
uma voz que me chame, que me diga
o que devo fazer, o que desejo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 14/07/2020

Lázaro se niega a resucitar

Un día oí unas voces que venían de afuera.
Por fin voces de afuera, pensé, voces de otros
que llevan la luz dentro y que la dicen,
que me llegan del aire y no de mí.

Voces que al acercarse eran susurros.
Pasos que se pararon delante de mi puerta.
Alguien dijo: Aquí yace, como si lo leyese.
Callaron los demás.
Una voz me llamó: Lázaro, dijo,
levántate y anda.
Yo la reconocí pero fingí no oírla.
Me acordé de Jonás. Me quedé quieto.
Pensé: preferiría
no hacerlo
, no salir nunca de aquí.

Conozco demasiado bien el mundo.
Allá afuera, lo sé, acecha el mal amor,
su amarga miel, su engaño, su amenaza.

Levántate de ti. Sal de tu tumba.
Pero yo detestaba los milagros.
Y además le tenía
demasiado cariño a mi vida de muerto.

Dejé pasar los años. Ahora espero
una voz que me llame, que me diga
lo que tengo que hacer, lo que deseo.

Rosario Castellanos – Desamor

Desamor

Viu-me como se olhasse através de um cristal
ou do ar
ou de nada.

E então entendi: eu não estava ali
nem em lugar nenhum
nunca estive nem jamais estaria.

E fui como alguém que morre na epidemia,
não identificado, e é jogado
na vala comum.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Desamor

Me vio como se mira al través de un cristal
o del aire
o de nada.

Y entonces supe: yo no estaba allí
ni en ninguna otra parte
ni había estado nunca ni estaría.

Y fui como el que muere en la epidemia,
sin identificar, y es arrojado
a la fosa común.

Joan Margarit – Último trem

Último trem
Crematório de Collserola

Se visses a chuva que enverniza
o verde escuro e espesso do jardim.
Teu vagão solitário está chegando
à sala espaçosa, sem adornos,
mobiliário, ou luminárias,
da Estación de Francia da morte.
Só se escuta o murmúrio do motor
que arrasta o peso
da infância e da juventude
– de teu anônimo tempo, já perdido,
que nunca mais será reclamado –,
rumo à fornalha e sua boca incandescente
refletida na vidraça molhada de chuva.
As lágrimas adornam esse lugar,
feio como um subúrbio, e, ainda assim,
recupero-te em um inverno longínquo,
numa manhã azul sob os plátanos:
imóvel, com as mãos atrás das costas,
observas a multidão entre os quiosques
como um sobrevivente que se esforça
para reconhecer, em seu redor,
os destroços do naufrágio.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 12/07/2020

Último tren
Crematorio de Collserola

Si tú vieras la lluvia que barniza
el verde oscuro y denso del jardín.
Tu vagón solitario está llegando
a la sala espaciosa, sin adornos,
ni mobiliario, ni ninguna lámpara
de la Estación de Francia de la muerte.
Sólo se oye el murmullo del motor
que va arrastrando el peso
de infancia y juventud
—de tu anónimo tiempo ya perdido
que no reclamará nunca más nadie—,
hacia el horno y su boca incandescente
que se refleja en el cristal de lluvia.
Las lágrimas adornan el lugar,
feo como un suburbio, y aún así,
te recupero en un lejano invierno,
una mañana azul bajo los plátanos:
inmóvil, con las manos a la espalda,
miras la multitud entre los quioscos
como un superviviente que se esfuerza
por identificar en torno suyo
los restos del naufragio.