May Swenson – Indagações

Corpo minha casa
meu cavalo meu cão de caça
o que farei
quando você ruir?

Onde vou dormir
Como vou montar
O que vou caçar?

Onde posso ir
sem minha montaria
rápida e impaciente?
Como saberei
se na mata à frente
há perigos ou tesouros
quando o corpo, meu cão
bom e fiel, estiver morto

Como será
jazer no céu
sem teto ou porta
e vento por visão?

Com a nuvem como manto
como vou me esconder?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 31/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Question

Body my house
my horse my hound
what will I do
when you are fallen

Where will I sleep
How will I ride
What will I hunt

Where can I go
without my mount
all eager and quick
How will I know
in thicket ahead
is danger or treasure
when Body my good
bright dog is dead

How will it be
to lie in the sky
without roof or door
and wind for an eye

With cloud for shift
how will I hide?

Susan Browne – Estranha Ode

Eu desejava tanto o amor
que voei para Cedar Rapids1
para ficar com um homem que mal conhecia,

e quando cheguei na casa dele,
conversamos um pouco, ele serviu
uma taça de vinho para cada um de nós, e depois

de alguns goles perguntou se eu faria xixi
na cabeça dele. Ele era psicólogo,
então esperava que estivesse brincando.

Havíamos nos conhecido em um bar em São Francisco —
eu estava sempre em um bar naqueles dias,
como se o amor morasse lá.

Meu pai era alcóolatra,
e minha mãe tinha acabado de morrer,
e, olhando para trás, para quem eu era então,

percebo que estava louca de tristeza.
Mas na época eu não sabia o que
estava fazendo, e um estranho tinha feito

uma pergunta estranha. “Na cozinha?”,
perguntei, porque era lá que estávamos,
minha pequena mala ao lado da cadeira.

“Não,” disse o homem. “No chuveiro”.
Olhei para a sala de estar: piso escuro de madeira,
móveis escuros, cortinas fechadas no meio da tarde.

O medo zumbiu em minha caixa torácica. Eu não tinha dito a ninguém
onde estava. Aquele homem poderia me matar e me enterrar
no quintal, e ninguém jamais descobriria.

“Acho que você iria gostar,” ele disse.
“E se você quiser, também posso fazer xixi
na sua cabeça”. “Não, obrigada”.

Tentei rir, mas soou
como se um osso de frango
estivesse perfurando minha laringe.

Saímos para um passeio por uma bela floresta
à beira de um rio até a casa dos pais dele. O pai
usava um terno azul de anarruga, e o vestido da mãe

tinha estampa de peônias. Seus pais
eram tão gentis que me senti como se fosse filha deles.
Quando perguntaram sobre minha família,

respondi que minha mãe tinha morrido em um acidente de carro,
e, enquanto eu chorava, ninguém disse nada
até que eu pudesse parar. A mãe segurou

minha mão o tempo todo. Depois do jantar,
o filho deles e eu nos sentamos no quintal
comendo sorvete.

Nunca tinha visto vagalumes antes.
Eles formavam uma constelação dourada
como um céu de estrelas sob as estrelas.

Quando voltamos para a casa dele, vestimos
nossos pijamas e fomos para a cama. Ele me abraçou
e contou histórias de sua infância.

“Chuveiro?” ele perguntou.
Respondi que os vagalumes já bastavam.
De manhã, decidi ir embora,

então ele trocou a passagem. No aeroporto,
ele me deu um presente embrulhado, dizendo que
era algo para minha viagem. Quando o avião

decolou, abri o pacote; era um livro:
You Can Be Happy No Matter What2,
e eu não consegui parar de lê-lo.

Trad.: Nelson Santander

  1. Cidade do Iowa, com cerca de 137 mil habitantes ↩︎
  2. Obra clássica da literatura de autoajuda do escritor, psicoterapeuta e palestrante norte-americano Richard Carlson, publicada pela primeira vez em 2006. Foi traduzida para o português por Joana Mosela com o título “Não faça tempestade em copo d’água” – ed. Rocco ↩︎

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Strange Ode

I wanted love so badly
I flew to Cedar Rapids
to stay with a man I barely knew,

and when I arrived at his house,
we chatted for a bit, and he poured
us each a glass of wine and after

a few sips asked if I’d pee
on his head. He was a psychologist,
so I hoped he was joking.

We’d met in a bar in San Francisco—
I was often in a bar in those days,
as if love lived there.

My father was an alcoholic,
and my mother had just died,
and looking back at who I was then,

I realize I was crazy from grief.
But at the time I didn’t know what
I was doing, and a stranger had asked

a strange question. “In the kitchen?”
I asked, because that’s where we were,
my small suitcase next to the chair.

“No,” the man said. “In the shower.”
I glanced into the living room: dark wood floor,
dark furniture, drapes closed in midafternoon.

Fear zithered my ribcage. I hadn’t told anyone
where I was. This man could kill me and bury me
in his backyard, and no one would ever find out.

“I think you’d enjoy it,” he said.
“And if you’d like me to, I can also pee
on your head.” “No, thanks.”

I tried to chuckle, but it sounded
like a chicken bone
was stabbing my larynx.

We went for a drive through a beautiful forest
by a river to his parents’ house. The father
wore a blue seersucker suit, and the mother’s dress

was patterned with peonies. His parents
were so kind I felt like I was their daughter.
When they asked about my family,

I said my mother had died in a car accident,
and while I cried, no one said anything
until I was able to stop. The mother held

my hand the whole time. After dinner,
her son and I sat in the backyard
eating ice cream.

I’d never seen fireflies before.
They made a gold constellation
like a sky of stars beneath the stars.

When we got back to his place, we put on
our pajamas and went to bed. He held me
close and told stories from his childhood.

“Shower?” he asked.
I said the fireflies were good enough.
In the morning, I decided to go home,

so he changed the ticket. At the airport,
he gave me a wrapped present, saying it
was something for my journey. As the plane

lifted off, I opened the package, a book:
You Can Be Happy No Matter What,
and I couldn’t put it down.

Mary Oliver – A jornada

Um dia você finalmente soube
o que precisava fazer e começou,
embora as vozes à sua volta
continuassem gritando
seus maus conselhos –
embora a casa toda
começasse a tremer
e você sentisse o velho apelo
em seus tornozelos.
“Remende minha vida!”,
cada voz clamava.
Mas você não parou.
Você sabia o que precisava fazer,
embora o vento tateasse
com seus dedos rijos
as próprias fundações,
e embora a melancolia deles
fosse terrível.
Já era tarde o bastante,
e a noite, feroz,
e a estrada estava cheia de galhos
e pedras espalhadas.
Mas pouco a pouco
ao deixar aquelas vozes para trás,
as estrelas começaram a arder
através das camadas de nuvens,
e havia uma nova voz,
que você lentamente
reconheceu como sua,
e que se manteve a seu lado
enquanto você avançava cada vez mais fundo
no mundo,
decidida a fazer
a única coisa que poderia fazer –
determinada a salvar
a única vida que poderia salvar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 30/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The journey

One day you finally knew
what you had to do, and began,
though the voices around you
kept shouting
their bad advice –
though the whole house
began to tremble
and you felt the old tug
at your ankles.
“Mend my life!”
each voice cried.
But you didn’t stop.
You knew what you had to do,
though the wind pried
with its stiff fingers
at the very foundations,
though their melancholy
was terrible.
It was already late
enough, and a wild night,
and the road full of fallen
branches and stones.
But little by little,
as you left their voice behind,
the stars began to burn
through the sheets of clouds,
and there was a new voice
which you slowly
recognized as your own,
that kept you company
as you strode deeper and deeper
into the world,
determined to do
the only thing you could do —
determined to save
the only life that you could save.

Mark Strand – Um fragmento da tempestade

Da sombra dos domos na cidade dos domos,
Um floco de neve, uma nevasca de um único floco, leve, adentrou seu quarto
E flutuou até braço da cadeira onde você, erguendo os olhos
Do livro que lia, o percebeu no instante em que pousou.
E isso foi tudo. Apenas um solene abrir de olhos
Para a brevidade, para o despertar e o declínio da atenção, num átimo,
Um tempo entre tempos, um funeral sem flores. Nada mais que isso,
Exceto a sensação de que este fragmento da tempestade,
Que se desfez diante de seus olhos, retornaria,
Que alguém daqui a alguns anos, sentado onde você está agora, poderia dizer:
“Está na hora. O ar está pronto. O céu está se abrindo.”

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A Piece of the Storm

From the shadow of domes in the city of domes,
A snowflake, a blizzard of one, weightless, entered your room
And made its way to the arm of the chair where you, looking up
From your book, saw it the moment it landed.
That’s all there was to it. No more than a solemn waking
To brevity, to the lifting and falling away of attention, swiftly,
A time between times, a flowerless funeral. No more than that
Except for the feeling that this piece of the storm,
Which turned into nothing before your eyes, would come back,
That someone years hence, sitting as you are now, might say:
“It’s time. The air is ready. The sky has an opening.”

Mary Oliver – Gansos selvagens

Você não precisa ser bom.
Você não precisa atravessar o deserto de joelhos,
por cem milhas, em penitência.
Você só precisa deixar o suave animal do seu corpo
amar o que ele ama.
Fale-me sobre o desespero, o seu, e eu lhe direi o meu.
Enquanto isso, o mundo continua.
Enquanto isso, o sol e os translúcidos seixos da chuva
movem-se por entre as paisagens,
sobre as pradarias e as árvores profundas,
as montanhas e os rios.
Enquanto isso, os gansos selvagens, no alto do límpido ar azul,
estão voltando para casa outra vez.
Quem quer que você seja, não importa o quão solitário esteja,
o mundo se oferta à sua imaginação,
clama por você como os gansos selvagens, ásperos e inspiradores —
incessantemente anunciando o seu lugar
na família das coisas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 28/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Wild Geese

You do not have to be good.
You do not have to walk on your knees
for a hundred miles through the desert repenting.
You only have to let the soft animal of your body
love what it loves.
Tell me about despair, yours, and I will tell you mine.
Meanwhile the world goes on.
Meanwhile the sun and the clear pebbles of the rain
are moving across the landscapes,
over the prairies and the deep trees,
the mountains and the rivers.
Meanwhile the wild geese, high in the clean blue air,
are heading home again.
Whoever you are, no matter how lonely,
the world offers itself to your imagination,
calls to you like the wild geese, harsh and exciting –
over and over announcing your place
in the family of things.

Linda Pastan – Poema de Amor

Quero escrever para ti
um poema de amor tão impetuoso
quanto o nosso riacho
após o degelo
quando ficamos
em suas perigosas
margens e o vemos arrastar
consigo cada galho
cada folha seca e cada ramo
em seu caminho
cada escrúpulo
quando o vemos
tão inchado
pelo deflúvio
que mesmo enquanto observamos
precisamos nos agarrar
um ao outro
e recuar
precisamos nos agarrar um
ao outro ou
encharcar nossos
sapatos precisamos nos
agarrar um ao outro

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Love Poem

I want to write you
a love poem as headlong
as our creek
after thaw
when we stand
on its dangerous
banks and watch it carry
with it every twig
every dry leaf and branch
in its path
every scruple
when we see it
so swollen
with runoff
that even as we watch
we must grab
each other
and step back
we must grab each
other or
get our shoes
soaked we must
grab each other

Raquel Lanseros – Oração

Que não cresça jamais em minhas entranhas
essa paz aparente chamada ceticismo
Fuja eu do amargor,
do cinismo,
da imparcialidade de ombros encolhidos.
Creia eu sempre na vida
Creia eu sempre
nas mil infinitas possibilidades.
Que me enganem os cantos das sereias,
que minha alma guarde sempre um toque de ingenuidade.
Que nunca se pareça minha pele
com a de um imóvel e congelado
paquiderme.
Que eu chore ainda
por sonhos impossíveis
por amores proibidos
por fantasias de menina feitas em pedaços.
Fuja eu do realismo espartilhado.
Conservem-se em meus lábios as canções,
muitas e muito altas e com muitos acordes.

Para o caso de chegarem tempos de silêncio.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 25/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Invocación

Que no crezca jamás en mis entrañas
esa calma aparente llamada escepticismo.
Huya yo del resabio,
del cinismo,
de la imparcialidad de hombros encogidos.
Crea yo siempre en la vida
crea yo siempre
en las mil infinitas posibilidades.
Engáñenme los cantos de sirenas,
tenga mi alma siempre un pellizco de ingenua.

Que nunca se parezca mi epidermis
a la piel de un paquidermo inconmovible,
helado.
Llore yo todavía
por sueños imposibles
por amores prohibidos
por fantasías de niña hechas añicos.
Huya yo del realismo encorsetado.
Consérvense en mis labios las canciones,
muchas y muy ruidosas y con muchos acordes.

Por si vinieran tiempos de silencio.

Wendy Cope – Entediante

Entediante

                    ‘Que você viva em tempos interessantes.’ 
– maldição chinesa

Se você me perguntar “O que há de novo?”, não terei nada a dizer,
Exceto que o jardim está crescendo.
Tive um leve resfriado, mas hoje já estou melhor.
Estou contente com o andamento das coisas.
Sim, ele continua o mesmo de sempre,
Ainda comendo e dormindo e roncando.
Eu sigo com o meu trabalho. Ele com o dele.
Sei que isso tudo é bem entediante.

Já houve drama o suficiente em meu passado turbulento:
Lágrimas e paixão – já esgotei minha cota.
Nenhuma notícia é boa notícia, e que assim seja por muito tempo.
Se nada acontecer, fico grata.
Uma planta mais satisfeita como você nunca viu,
Meus espíritos vegetais estão nas alturas.
Se você busca emoção, mantenha distância de mim.
Quero continuar sendo entediante.

Não vou a festas. Para que elas servem
se você não precisa encontrar um novo amante?
Você bebe e ouve e bebe um pouco mais
E tira o dia seguinte para se recuperar.
Alguém para ficar em casa comigo era tudo o que eu queria
E agora que encontrei um porto seguro,
Tenho apenas uma ambição na vida: aspiro
A continuar sendo entediante.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Being Boring

                    ‘May you live in interesting times.’ 
– Chinese curse

If you ask me ‘What’s new?’, I have nothing to say
Except that the garden is growing.
I had a slight cold but it’s better today.
I’m content with the way things are going.
Yes, he is the same as he usually is,
Still eating and sleeping and snoring.
I get on with my work. He gets on with his.
I know this is all very boring.

There was drama enough in my turbulent past:
Tears and passion–I’ve used up a tankful.
No news is good news, and long may it last.
If nothing much happens, I’m thankful.
A happier cabbage you never did see,
My vegetable spirits are soaring.
If you’re after excitement, steer well clear of me.
I want to go on being boring.

I don’t go to parties. Well, what are they for,
If you don’t need to find a new lover?
You drink and you listen and drink a bit more
And you take the next day to recover.
Someone to stay home with was all my desire
And, now that I’ve found a safe mooring,
I’ve just one ambition in life: I aspire
To go on and on being boring.

Juan Vicente Piqueras – Visível e Invisível

(Para os amigos que ainda estão vivos,
          mas desapareceram, onde quer que estejam,
          com um abraço póstumo)

As pessoas tendem a desaparecer.

Um dia te fazem rir e no seguinte já não estão.

Um dia te ligavam todos os dias
para saber como estavas,
e agora já nem te lembras de suas vozes.

Um dia disseram sempre
e sempre acabou sendo nunca mais.

As pessoas se parecem com fantasmas.
Aparecem, seduzem, crês nelas,
dão medo, brilham e desaparecem.

Partem e, de repente, já não existem,
como se nunca tivessem existido.
Chegas a convencer-te de que as sonhou.

Eu sou uma delas.

Morrer, no nosso caso,
É uma redundância.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 24/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Visto y no visto

(A los amigos que siguen vivos
          pero han desaparecido, allá donde estén,
          con un abrazo póstumo.)

La gente tiende a desaparecer.

Un día te hacen reír y al siguiente no están.

Un día te llamaban cada día
para saber cómo estabas,
y ahora ya no puedes ni recordar sus voces.

Un día dijeron siempre
y siempre acabó siendo nunca más.

La gente se parece a los fantasmas.
Aparecen, seducen, crees en ellos,
dan miedo, brillan y desaparecen.

Se van y, de repente, ya no existen,
como si nunca hubieran existido.
Llegas a convencerte de que los has soñado.

Yo soy uno de ellos.

Morir, en nuestro caso,
es una redundancia.

Sharon Olds – Depois de 37 anos minha mãe pede desculpas pela minha infância

Quando você se inclinou para mim, braços abertos,
como quem tenta atravessar uma fogueira,
quando você cambaleou em minha direção, gritando
que sentia muito pelo que havia feito comigo, seus
olhos se enchendo de um líquido terrível como
bolhas de mercúrio de um termômetro partido
deslizando pelo chão, quando você bradou baixinho
A quem mais eu poderia recorrer? Quem mais eu tinha?, os
pratos em pedaços em suas mãos oscilando em minha direção, a
água escorrendo de seus olhos como pedras úmidas
sob forte pressão, eu não consegui
imaginar como seria o resto de minha vida.
O céu parecia estar se estilhaçando, como uma janela
por onde alguém entra e sai, seu
rosto delicado brilhava como
cristal despedaçado, com verdadeiro arrependimento, o
arrependimento do corpo. Não conseguia imaginar como
seriam meus dias com você arrependida, com
você desejando não ter feito o que fez, o
céu desabando ao meu redor, os fragmentos
cintilando em meus olhos, seu corpo velho e
mole caído sobre mim em horror, eu a
segurei em meus braços e disse: Está tudo bem,
não chore, está tudo bem, o ar se encheu de
vidro voando, eu mal sabia o que havia
dito ou quem eu seria agora que a tinha perdoado.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

After 37 Years My Mother Apologizes for My Childhood

When you tilted toward me, arms out
like someone trying to walk through a fire,
when you swayed toward me, crying out you were
sorry for what you had done to me, your
eyes filling with terrible liquid like
balls of mercury from a broken thermometer
skidding on the floor, when you quietly screamed
Where else could I turn? Who else did I have?, the
chopped crockery of your hands swinging toward me, the
water cracking from your eyes like moisture from
stones under heavy pressure, I could not
see what I would do with the rest of my life.
The sky seemed to be splintering, like a window
someone is bursting into or out of, your
tiny face glittered as if with
shattered crystal, with true regret, the
regret of the body. I could not see what my
days would be, with you sorry, with
you wishing you had not done it, the
sky falling around me, its shards
glistening in my eyes, your old, soft
body fallen against me in horror I
took you in my arms, I said It’s all right,
don’t cry, it’s all right, the air filled with
flying glass, I hardly knew what I
said or who I would be now that I had forgiven you.