Thom Gunn – Versos para o meu 55º aniversário

O amor dos idosos tem pouco valor,
É desolado e seco até no ardor.
Não dá pra saber o que é entusiasmo
e o que é um involuntário espasmo.

Trad.: Nelson Santander

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Lines for My 55th Birthday

The love of old men is not worth a lot,
Desperate and dry even when it is hot.
You cannot tell what is enthusiasm
And what involuntary clawing spasm.

Carlos Montemayor – Memória

Estou aqui, em casa, a sós.
Aqui estão os móveis, o ar, os ruídos.
Tenho um sentimento tão transparente
quanto a vidraça de uma janela.
É como a janela pela qual olhava a neve ao amanhecer,
há muitos anos, quando criança,
e colava o rosto contra o vidro e compreendia toda a vida.
É um desejo calmo, como a tarde.
É estar como estão todas as coisas.
Ter meu lugar como tudo o que há na casa.
Perdurar pelo tempo que for, como as coisas.
Não ser mais nem melhor que elas.
Apenas ser, em meio à minha vida,
parte do silêncio de todas as coisas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 12/02/2020

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Memoria

Estoy aquí, en la casa, a solas.
Aquí están los muebles, el aire, los ruidos.
Tengo un sentimiento tan transparente
como el vidrio de una ventana.
Es como la ventana en que miraba la nieve al amanecer,
hace muchos años, cuando era niño,
y pegaba la cara contra el cristal y comprendía toda la vida.
Es un deseo en calma, como la tarde.
Es estar como están todas las cosas.
Tener mi sitio como todo lo que está en la casa.
Perdurar el tiempo que sea, como las cosas.
No ser más ni mejor que ellas.
Sólo ser, en medio de la mi vida,
parte del silencio de todas las cosas

Linda Pastan – O dia mais feliz

O dia mais feliz

Era início de maio, eu acho,
um momento de lilás ou corniso
quando tantas promessas são feitas
e pouco importa se algumas forem quebradas.
Meus pais ainda pairavam
no cenário, eram parte da paisagem
como as casas em que cresci,
e se seriam demolidas mais tarde
isso era algo que eu sabia
mas não acreditava. Nossos filhos dormiam
ou brincavam, o mais jovem tão novo
quanto o novo aroma dos lilases,
e como eu poderia imaginar que
suas raízes eram rasas
e poderiam ser facilmente transplantadas?
Eu sequer imaginava que estava feliz.
As pequenas irritações que me incomodavam
eram como o sal em um melão,
embora, na verdade, elas simplesmente
tornassem o sabor da fruta mais doce.
Então nos sentamos na varanda
naquela fresca manhã, tomando
café quente. Por trás das notícias do dia —
greves e pequenas guerras, um incêndio em algum lugar —
eu podia ver o topo de sua cabeça escura
e não pensava em conflagrações abertas
mas em como ela se sentiria repousando em meu ombro nu.
Se alguém pudesse parar a câmera então…
se alguém pudesse apenas deter a câmera
e me perguntar: você está feliz?
Talvez eu tivesse notado
como a manhã brilhava na cor
refletida do lilás. Sim, eu poderia ter dito
e oferecido uma xícara de café fumegante.

Trad.: Nelson Santander

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The Happiest Day

It was early May, I think
a moment of lilac or dogwood
when so many promises are made
it hardly matters if a few are broken.
My mother and father still hovered
in the background, part of the scenery
like the houses I had grown up in,
and if they would be torn down later
that was something I knew
but didn’t believe. Our children were asleep
or playing, the youngest as new
as the new smell of the lilacs,
and how could I have guessed
their roots were shallow
and would be easily transplanted.
I didn’t even guess that I was happy.
The small irritations that are like salt
on melon were what I dwelt on,
though in truth they simply
made the fruit taste sweeter.
So we sat on the porch
in the cool morning, sipping
hot coffee. Behind the news of the day—
strikes and small wars, a fire somewhere—
I could see the top of your dark head
and thought not of public conflagrations
but of how it would feel on my bare shoulder.
If someone could stop the camera then…
if someone could only stop the camera
and ask me: are you happy?
Perhaps I would have noticed
how the morning shone in the reflected
color of lilac. Yes, I might have said
and offered a steaming cup of coffee.

Jorge Valdés Díaz-Vélez – S.T.T.R. Sit Tibi Terra Levis

Hoje lembro os mortos da minha casa
Octavio Paz

De todos os nossos mortos, jamais esqueceremos
o primeiro. O meu habita a raiz do outono,
sob os álamos. Sua memória
me oferece uma murta enquanto se inclina
com os braços abertos de outros dias. Lembro
de sua estatura nas sombras, prestes a afastar-se
do espelho, seu rosto velado, o ornamento
das obstinadas lições de algum piano. Cruzou,
em uma tarde sem sol, a linha que une
a vida à morte. Seu corpo era a ausência
presente, o nome sem ser nomeado. Foi o primeiro
morto a morrer subitamente, e para sempre
haverá de sê-lo. O menino que fui então agora
o distingue sentado no peitoril da janela. Víamos
um barco na pureza impassível das nuvens,
e diásporas de formigas nas lieder de Schubert;
e me falava de Stevenson ou Melville, da jornada
que quis realizar quando jovem, ao fim da nostalgia
que se alçava em sua voz quando cantava. Fez
aquela única viagem naquela tarde. Até então
nunca havia perscrutado os olhos de um morto,
o eco imóvel de dois diáfanos poços,
nem os prantos dos meus, perplexos, que eram outros.

Ele foi o primeiro ausente de tantos e de ninguém,
a presença, o não-ser, a fatigada luz
exposta, o que se nomeia sob as árvores,
de repente, ao esquecermos que já não está
mais aqui sua solidão, sua frágil anedota de navios
fantasmas, de arpejos que iluminaram o sonho
daquela nossa vida. Que lhe seja leve a terra
que fecunda, seu exílio sem fim sob nossas folhas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 11/02/2020

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S.T.T.L. Sit Tibi Terra Levis

Hoy recuerdo a los muertos de mi casa
Octavio Paz

De todos nuestros muertos jamás olvidaremos
al primero. Habita en la raíz del otoño,
debajo de los álamos, el mío. Su memoria
me ofrece un arrayán al tiempo que se inclina
con los brazos abiertos de otros días. Recuerdo
su estatura en penumbras a punto de apartarse
del espejo, su rostro velado, el abalorio
de las tercas lecciones de algún piano. Cruzó
la línea que reúne la vida con la muerte
una tarde sin sol. Su cuerpo era la ausencia
presente, lo nombrado sin nombrar. Era el muerto
primero en estar muerto de súbito, y por siempre
habrá de serlo. El niño que fui entonces ahora
lo distingue sentado en un alféizar. Veíamos
un barco en la pureza impasible de las nubes,
y diásporas de hormigas en los lieder de Schubert;
y me hablaba de Stevenson o Melville, del trayecto
que quiso hacer de joven al fin de la nostalgia
que se alzaba en su voz cuando cantaba. Hizo
aquel único viaje aquella tarde. Hasta entonces
nunca me había asomado a los ojos de un muerto,
el eco inóvil de dos diáfanos aljibes,
ni al llanto de los míos, perplejos, que eran otros.

Él fue el primer ausente de cuántos y de nadie,
la presencia, el no ser, la fatigada luz
abierta, el que se nombra debajo de los árboles
de pronto, al olvidarnos que ya no sigue aquí
su soledad, su frágil anécdota de buques
invisibles, de arpegios que alumbraron el sueño
de aquella vida nuestra. Le sea leve la tierra
que fecunda, su exilio sin fin tras nuestras hojas.

Konstantinos Kaváfis – A cidade

Dizes: “Eu vou para outras terras, eu vou para outro mar.
Hão de existir outras cidades melhores do que esta.
De todo o esforço feito – estava escrito – nada resta
e sepultado qual um morto eu tenho o coração.
Até quando vai minha alma ficar nesta inação?
Onde quer que eu olhe, para onde quer que eu volte a vista,
a negra ruína de minha vida é o que se avista,
eu que anos a fio cuidei de a estragar e dissipar.”

Não acharás novas terras, tampouco novo mar.
A cidade há de seguir-te. As ruas por onde andares
serão as mesmas. Os mesmos os bairros, os andares
das casas onde irão encanecer os teus cabelos.
A esta cidade sempre chegarás. Os teus anelos
são vãos, de para outra encontrar um barco ou um caminho.
A vida, pois, que dissipaste aqui, neste cantinho
do mundo, no mundo inteiro é que a foste dissipar.”

Trad.: José Paulo Paes

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Charles Simic – O dicionário

Talvez haja uma palavra em algum lugar
para descrever o mundo nesta manhã,
uma palavra para o jeito como a primeira luz
se deleita em perseguir as sombras
pelas vitrines e entradas das lojas.

Outra palavra para o modo como ela se detém
sobre um par de óculos de aros finos
que alguém deixou cair na calçada
na noite passada e cambaleou às cegas,
falando sozinho ou começando a cantar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 08/02/2020

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The dictionary

Maybe there is a word in it somewhere
to describe the world this morning,
a word for the way the early light
takes delight in chasing the darkness
out of store windows and doorways.

Another word for the way it lingers
over a pair of wire-rimmed glasses
someone let drop on the sidewalk
last night and staggered off blindly
talking to himself or breaking into song.

Mary Oliver – A Tartaruga

A Tartaruga

irrompe da pele arroxeada
da água, arrastando sua carapaça
com escamas musgosas
através das águas rasas, entre os juncos
e pelos lodaçais, para a elevação,
até a areia dourada,
para cavar, com suas patas desajeitadas,
um ninho, e ali se abaixar, expelindo
seus ovos brancos
na escuridão, e você pensa

em sua paciência, sua perseverança,
sua determinação em completar
o que nasceu para fazer —
e então você percebe algo ainda maior —
ela não leva em conta
o que nasceu para fazer.
Ela está apenas repleta
de um anseio cego e antigo.
Que nem sequer é dela, mas veio a ela
na chuva ou no vento suave
que é um portal pelo qual sua vida continua passando.

Ela não se vê
separada do resto do mundo
ou do mundo do que precisa realizar
a cada primavera.
Rastejando colina acima,
luminosa sob a areia que se acumula em sua pele,
ela não sonha
ela sabe

que é parte da lagoa em que vive,
que as altas árvores são suas crias,
que as aves flutuando acima
estão ligadas a ela por um fio indissolúvel.

Trad.: Nelson Santander

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The Turtle

breaks from the blue-black
skin of the water, dragging her shell
with its mossy scutes
across the shallows and through the rushes
and over the mudflats, to the uprise,
to the yellow sand,
to dig with her ungainly feet
a nest, and hunker there spewing
her white eggs down
into the darkness, and you think

of her patience, her fortitude,
her determination to complete
what she was born to do —
and then you realize a greater thing —
she doesn’t consider
what she was born to do.
She’s only filled
with an old blind wish.
It isn’t even hers but came to her
in the rain or the soft wind
which is a gate through which her life keeps walking.

She can’t see
herself apart from the rest of the world
or the world from what she must do
every spring.
Crawling up the high hill,
luminous under the sand that has packed against her skin,
she doesn’t dream
she knows

she is a part of the pond she lives in,
the tall trees are her children,
the birds that swim above her
are tied to her by an unbreakable string.

Lope de Vega – Desmaiar, ousar, ficar furioso

Desmaiar, ousar, ficar furioso,
áspero, terno, generoso, esquivo,
entretido, mortal, defunto, vivo,
leal, falso, covarde e corajoso;

não achar, para além, paz e repouso,
mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
irritado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;

furtar o rosto ao claro desengano,
sorver veneno por licor suave,
esquecer o proveito, amar o dano;

crer que um céu em um inferno cabe,
dar a vida e a alma a um desengano;
isto é amor, quem o provou o sabe.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 07/02/2020

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Desmayarse, atreverse, estar furioso

Desmayarse, atreverse, estar furioso,
áspero, tierno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, difunto, vivo,
leal, traidor, cobarde y animoso;

no hallar, fuera del bien, centro y reposo,
mostrarse alegre, triste, humilde, altivo,
enojado, valiente, fugitivo,
satisfecho, ofendido, receloso;

huir el rostro al claro desengaño,
beber veneno por licor süave,
olvidar el provecho, amar el daño;

creer que un cielo en un infierno cabe,
dar la vida y el alma a un desengaño;
esto es amor, quien lo probó lo sabe.

Kim Addonizio – O que os mortos temem

Em noites de inverno, os mortos
veem suas fotografias escorregarem
das abas das carteiras,
e suas cartas serem jogadas numa caixa
junto com as roupas para doação.
Ninguém se lembra de suas piadas,
dos tiques nervosos, do medo
de lugares fechados.
Nesses pesadelos, os mortos sentem
a ponta macia de uma borracha
apagando seus ossos. Eles despertam
em pânico, vão pegar um copo de leite
e veem a lua, a neve fresca,
as árvores despojadas.
Talvez preparem um sanduíche de peru,
ou assistam aos padrões no televisor.
É tudo um sonho de qualquer modo.
Em alguns meses,
os relógios serão adiantados*, e quando
os mortos dormirem saberão que os vivos
estão de luto por eles, insuportavelmente sós
e indiferentes à beleza. Nessas noites
os mortos se sentem melhor. Levantam-se
de manhã e quando as flores
cortadas são depositadas diante de seus nomes,
eles sorriem como noivas tímidas. Obrigado,
Obrigado, dizem. Não precisava,
dizem, mas muito baixinho, de modo que soa
como o vento, como nada humano.

Trad.: Nelson Santander

  1. Refere-se ao ajuste dos relógios para o horário de verão, quando se adianta uma hora para aproveitar melhor a luz do dia durante a primavera e o verão. No poema, é um marcador de passagem do tempo, indicando que alguns meses se passaram desde a morte. A mudança de horário também representa uma mudança na vida dos vivos. O mundo continua girando, as estações mudam, a vida segue em frente, o que contrasta vividamente com a existência estática dos mortos. ↩︎

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What the Dead Fear

On winter nights, the dead
see their photographs slipped
from the windows of wallets,
their letters stuffed in a box
with the clothes for Goodwill.
No one remembers their jokes,
their nervous habits, their dread
of enclosed places.
In these nightmares, the dead feel
the soft nub of the eraser
lightening their bones. They wake up
in a panic, go for a glass of milk
and see the moon, the fresh snow,
the stripped trees.
Maybe they fix a turkey sandwich,
or watch the patterns on the TV.
It’s all a dream anyway.
In a few months
they’ll turn the clocks ahead,
and when they sleep they’ll know the living
are grieving for them, unbearably lonely
and indifferent to beauty. On these nights
the dead feel better. They rise
in the morning, and when the cut
flowers are laid before their names
they smile like shy brides. Thank you,
thank you, they say. You shouldn’t have,
they say, but very softly, so it sounds
like the wind, like nothing human.

Juan Vicente Piqueras – História universal

Um homem nasce chora cresce ri
sofre e faz sofrer caminha canta
tem sede fome frio medo
se perde extravasa arde sorri.

Um homem sozinho no meio da noite
assobia para domar as bestas que o habitam.

Abraça empurra mata beija morre
se cansa de si mesmo se apaixona
se entrega à vida sabe que se finda
que o que é escoa por entre os dedos.

Um homem olha o céu as nuvens e se diz
em silêncio o quão breve
bela e fugidia foi a vida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/02/2020

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Historia universal

Un hombre nace llora crece ríe
sufre y hace sufrir camina canta
tiene sed hambre frío miedo
se pierde se desborda arde sonríe.

Un hombre solo en medio de la noche
silba para amansar las bestias que lo habitan.

Abraza empuja mata besa muere
se cansa de sí mismo se enamora
se da a la vida sabe que se acaba
que se cae lo que es de entre sus dedos.

Un hombre mira el cielo las nubes y se dice
en silencio lo breve
lo hermosa y fugitiva que es fue la vida.