Eavan Boland – Quarentena

Na pior hora da pior estação
do pior ano de todo um povo
um homem partiu do internato com a mulher
Ele andava – ambos andavam – para o norte

Ela tinha a febre da fome e não se aguentava.
Ele a ergueu e a pôs nas costas.
Andou assim para oeste e oeste e norte. Até que
ao anoitecer sob estrelas congeladas chegaram.

De manhã ambos foram encontrados mortos.
De frio. De fome. Das toxinas de toda uma história.
Mas os pés dela estavam aninhados no peito dele.
O calor final de sua carne foi seu presente para ela.

Nunca deixe um poema de amor chegar a esse fim.
Não há lugar aqui para o inexato
Elogio à graça leve e sensual do corpo.
Há tempo apenas para esse impiedoso inventário:

Sua morte juntos no inverno de 1847.
Também o que sofreram. Como viveram.
E o que há entre um homem e uma mulher.
E em qual treva se pode provar melhor.

Trad.: Mario Sergio Conti

Sobre o poema e sua autora:

Da Folha: Conheça ‘Quarentena’, poema de Eavan Boland, sobre a Grande Fome

“Eavan Boland ensinou inglês na Universidade Stanford por 21 anos. Com a pandemia, ela quis ficar perto das filhas e netos. Voltou no mês passado da Califórnia para a Irlanda e, pelo computador, continuou a dar aulas sobre literatura irlandesa. Até a segunda-feira passada.

Acordou, teve um infarto e morreu à tarde, em Dublin. Tinha 75 anos. Do presidente do país aos meios literários, houve comoção. Ela não é popular porque nenhum poeta o é mais: poesia virou arte de elite.

Mas foi uma voz incisiva, sensível à história e à condição feminina no presente.

Não é pouco. Sobretudo numa terra de escritores arquiconhecidos —Swift, Sterne, Yeats, Shaw, Wilde, Joyce, Beckett, Heaney. Todos eles tensionados pela história da Irlanda, por sua vez marcada pela posição subalterna e atritos com o Reino Unido. Todos eles homens.

Eavan Boland começou a escrever cedo e sua poesia amadureceu devagar. Filha de diplomata, teve uma infância cosmopolita em Londres e Nova York. A volta à Irlanda, insular, foi um estranhamento.

Frequentava rodas literárias em Dublin, mas casou e foi morar num subúrbio pacato.

Teve duas filhas e, como todas as suas vizinhas, cuidava da casa e da família. Contudo, professora, ensaísta e poeta, não era bem como elas. Os terremotos dos anos 1960 não a tiraram do prumo. O primeiro feminismo, um pouco. E a obra de Sylvia Plath, totalmente.

Sua poesia adquiriu aos poucos contundência. Fez versos sobre casamento, menstruação, criar as filhas, mastectomia. Em “Violência Doméstica” e “Uma Mulher sem País”, fez algo meio impossível: foi crítica e convencional, sentimental e seca, evidente e elíptica.

“Quarentena”, de 2001, seu poema mais conhecido, embebe em ácido uma chaga aberta da história irlandesa. E, na forma, se insurge contra a imagem feminina na poesia romântica. É singular, estranho, belo.

Nele, a pior hora é a noturna. A estação letal, o inverno. O ano horrível, 1847. Foi o auge da Grande Fome. Uma praga dizimou todas as plantações de batata da Irlanda, alimento básico dos camponeses empobrecidos e endividados. Ou seja, da maioria acachapante do povo.

Explorados pela aristocracia e hostilizados pela Coroa, durante anos os irlandeses padeceram de fome, frio, epidemias várias. Mais de 1 milhão de pessoas pereceram, 20% da população. Outro milhão emigrou.

A ilha de esmeralda regrediu à treva medieval da peste negra.

Foi o maior desastre sanitário, demográfico e humanitário do século 19. O crítico literário Terry Eagleton —neto de imigrantes irlandeses— chamou-o de “Auschwitz irlandês”, mas pré-moderno. As raízes do nacionalismo, da religiosidade fanática e da luta violenta pela independência estão fincadas na Grande Fome.

“Quarentena” começa com um casal que foge das autoridades. A mulher teve tifo (“famine fever”) e o marido a carrega pela noite gelada até que chegam —e o poema não diz onde. São encontrados enregelados, paralisados num último gesto: ele tenta aquecer os pés dela em seu peito.

Eavan Boland aí se insurge contra poemas de amor, contra o romantismo galante que põe a mulher no pedestal de musa. Seu impiedoso inventário registra a fuga, a dor, o frio. Monossílabos sincopados politizam o amor mudo de um casal, sua busca inútil por calor na escuridão.

Em “Quarentena”, o que sobrevive ao homem e à mulher não é apenas o amor —como em “An Arundel Tomb”, de Philip Larkin. É a Grande Fome, a sociedade que a produziu, da história irlandesa que vem de 1847 e molda o presente. Cinco estrofes condensam a catástrofe.

Eavan Boland reviveu e deu forma ao passado. Inspirou-se em meia dúzia de frases de uma memória da Grande Fome, escrita por um padre no início do século 20. “Minha Própria História”, o livro, dá até o nome dos jovens do poema, Kit e Patrick.

Há uma longa discussão na Irlanda acerca da representação da Grande Fome. Tem-se como assente que ela foi sub-representada: existem poucos romances, peças, poesias, filmes a seu respeito. A sub-representação se estenderia à historiografia, à economia e à sociologia.

Parece ser verdade. Porque a Grande Fome é pouco conhecida fora de lá. Isso se deve mais ao presente que ao passado. Na indústria cultural, por exemplo, Hollywood venceu a Segunda Grande Guerra. Para cada Svetlana Aleksiévitch há cem Spielbergs.

Há infindáveis imagens da peste que hoje engolfa o Brasil. Boa parte delas é chocante, mas vazia. A poesia política pode representar as toxinas de toda uma história?”

Quarantine

In the worst hour of the worst season
of the worst year of a whole people
a man set out from the workhouse with his wife.
He was walking—they were both walking—north.

She was sick with famine fever and could not keep up.
He lifted her and put her on his back.
He walked like that west and west and north.
Until at nightfall under freezing stars they arrived.

In the morning they were both found dead.
Of cold. Of hunger. Of the toxins of a whole history.
But her feet were held against his breastbone.
The last heat of his flesh was his last gift to her.

Let no love poem ever come to this threshold.
There is no place here for the inexact
praise of the easy graces and sensuality of the body.
There is only time for this merciless inventory:

Their death together in the winter of 1847.
Also what they suffered. How they lived.
And what there is between a man and woman.
And in which darkness it can best be proved.

Aldir Blanc – Valsa pra Leila

Tu te esfumarás
me neblinarei
sobre os telhados
galáxias azuis.
Sonambularás
te voltearei
gatos lambendo as estrelas
Wendy e Peter Pan
sem o amanhã
nunca, pra nós dois, é sempre cedo.
Marietarás,
eu Buarquirei
em dois cavalos
com asas de luz.
Tu te nublarás,
me eclipsarei
nuvens em nossa cabeça.
Toma, Peter Pan,
só um lexotan
pra que tanto amor não te enlouqueça.
Vagalumarás por sobre o campo,
eu virei do mar, teu pirilampo.
Como um circo aceso, o céu da manhã
saudará o amor que não dormiu.
Tu desabarás
eu despencarei
e o mar azul vai nos cobrir.

Leila Pinheiro – Valsa pra Leila

Paul Celan – O companheiro de viagem

A alma da tua mãe flutua adiante.
A alma da tua mãe ajuda a noite a navegar, escolho após escolho.
A alma da tua mãe fustiga os tubarões à tua frente.

Esta palavra é a disciplina da tua mãe.
A discípula da tua mãe partilha o teu jazigo, pedra a pedra.
A discípula da tua mãe inclina-se para a migalha de luz.

Trad.: João Barrento e Y. K. Centeno

Charles Bukowiski – oh, sim

há coisas piores do que
estar sozinho
mas muitas vezes leva décadas
para perceber isso
e na maioria das vezes
quando você percebe
é tarde demais
e não há nada pior
do que
tarde demais

Trad.: Nelson Santander

oh, yes

there are worse things than
being alone
but it often takes decades
to realize this
and most often
when you do
it’s too late
and there’s nothing worse
than
too late

Emily Dickinson – Após grande dor sobrevém um sentimento austero

Após grande dor sobrevém um sentimento austero –
Os Nervos ficam cerimoniosos como um cemitério –
Indaga o rijo Coração se foi Ele que sofreu,
Se Ontem, ou Séculos antes aconteceu?

Os pés, mecânicos, circundam sem cessar –
Nos Sopés, no Ar, em qualquer Lugar –
Um caminho de madeira
Que indiferentemente medra
Um contentamento de Quartzo, uma pedra –

A Hora de Chumbo chegou –
Lembrada, para quem perdurou,
Como as pessoas congeladas recordam a neve –
Primeiro – o Frio – após o Torpor – e por fim o até breve –

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

After great pain a formal feeling comes

After great pain a formal feeling comes –
The Nerves sit ceremonious, like Tombs –
The stiff Heart questions was it He, that bore,
And Yesterday, or Centuries before?

The feet, mechanical, go round –
Of Ground, or Air, or Aught –
A Wooden way
Regardless grown,
A Quartz contentment, like a stone –

This is the Hour of Lead –
Remembered, if outlived,
As Freezing persons, recollect the snow –
First – Chill – then Stupor – then the letting go –

William Carlos Williams – Nevasca

Neve:
anos de fúria seguindo
horas que flutuam indolentes —
a nevasca
deposita seu fardo
cada vez mais fundo por três dias
ou sessenta anos, não? Então
o sol! um tumulto de
flocos amarelos e azuis —
Árvores de aparência hirsuta destacam-se
em longas alamedas
sobre uma selvagem solidão.
O homem se vira e lá —
seu solitário rastro estendendo-se
sobre o mundo.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Blizzard

Snow:
years of anger following
hours that float idly down —
the blizzard
drifts its weight
deeper and deeper for three days
or sixty years, eh? Then
the sun! a clutter of
yellow and blue flakes —
Hairy looking trees stand out
in long alleys
over a wild solitude.
The man turns and there —
his solitary track stretched out
upon the world.

Nuno Júdice – Epidemia

Passa de um para o outro através do olhar, de uma palavra,
de um toque de mãos; por vezes, basta um leve suspiro
para adivinhar a febre, e atrás dele descobre-se que
não é preciso cura nem tratamento. Instala-se na cabeça,
no corpo, na boca, nos dedos, sem dor nem cansaço,
apenas aquela ânsia a que se dá o nome de desejo e,
para que abrande, o remédio é ver quem se ama, ouvir
a voz que alivia a solidão, saber onde está, o que faz,
o que veste. E a doença está nos que a evitam, nos
que a não conhecem por ignorância ou por medo,
nos que nunca ousaram e, um dia, rejeitaram o que
se lhes oferecia. Assim, dizem os especialistas,
não evitem o olhar que vos procura, não esqueçam
a palavra que vos chega, tão inesperada; e recebam
sem receio essa mão que tereis sonhado e vos
procura, fazendo com que entreis, para sempre,
no campo dos atingidos pelo mais doce dos contágios.

Susana Cattaneo – Quando já não estiver…

Quem porá o pé
sobre a marca que o meu deixou?
Quem olhará estas árvores
onde meus olhos deixaram sinais?
Alguém ouvirá cantar um pássaro
que será outro.
Alguém respirará os mesmos pinheiros
de um verde mais cansado.
A vida será uma folha em branco
e não poderei timbrá-la com minha palavra.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Cuando ya no esté…

¿Quién pondrá el pie
sobre la marca que dejó el mío?
¿Quién mirará estos árboles
donde mis ojos dejaron huellas?
Alguien oirá cantar un pájaro
que será otro.
Alguien respirará los mismos pinos
de un verde más cansado.
La vida será un papel en blanco
y no lo podré sellar con mi palabra.

William Butler Yeats – A torre

1
O que farei com esta absurdidade,
Esta caricatura, coração?
Decrepitude atada à minha idade
Como à cauda de um cão?
Jamais terei sentido
Tão grande, tão apaixonada, tão incrível
A fantasia, nem houve olho e ouvido
Que mais quisessem o impossível –
Não, nem quando menino, com inseto e anzol,
Ou mais humilde verme, no alto de Ben Bulben,
Eu tinha a desfrutar todo um dia de sol.
Devo mandar às favas minha Musa,
Ter Platão ou Plotino por amigo,
Até que fantasia, olho e ouvido,
Cedam à mente e virem escalpelo
Da ideia abstrata; ou ser escarnecido
Por uma lata presa ao tornozelo.

2
Passo pelas muralhas e reconto
Os alicerces de uma casa e o ponto
Onde a árvore, como um dedo sujo, sai do chão,
E solto a imaginação.
À luz do dia declinante apelo às
Memórias e retinas
De antigas árvores ou ruínas –
Que eu gostaria de inquirir a todas elas.

Atrás do monte, Mrs. Frech viveu, e um dia –
Todos os castiçais e candeias que havia
A iluminar o mogno escuro e o vinho,
Um servidor que se fazia de adivinho
Dos caprichos da dama do condado
Com as tesouras do jardim cortou as
Orelhas de um granjeiro ousado
E as trouxe em prato recoberto, como broas.

Na juventude ouvi, mais de uma vez, a
Canção sobre uma bela camponesa
Que vivia num áspero recanto.
Louvavam sua tez e seu encanto
Lembrando que quando ela aparecia,
Ébrios da própria fantasia,
Os granjeiros juntavam-se na praça,
Tanto a canção gabava a sua graça.

Alguns, enlouquecidos com o canto
Ou com os brindes que a louvavam tanto,
Ergueram-se da mesa, decididos
A testar a miragem e os sentidos.
Mas um trocou a lua da poesia
Pela luz veraz do dia –
A música mexeu com o seu prumo,
No pântano de Cloone se foi, sem rumo.

Estranho, esta canção a fez um cego,
Mas, quanto mais eu penso, mais eu nego
Que seja estranho; a tragédia, considero,
Teve início com outro cego,
Homero, E Helena, que traiu a nós, viventes.
Ah, que da luz de sol e lua
Um único raio flua,
Pois se eu vencer, farei mentes dementes.

E eu mesmo criei Hanrahan
E o carreguei, bêbado ou não, pela manhã,
De um dos muitos chalés da vizinhança.
Às ordens de um ancião, como criança,
Trombou, tombou, tateou, pra lá, pra cá,
Joelhos rotos por compensação
E o horrível esplendor de uma paixão.
Coisas que imaginei há vinte anos já.

A turma carteava num canteiro;
E quando foi a vez do trapaceiro,
Ele tratou as cartas com tal arte
Que fez das suas um carteado à parte:
Cães de caça tomaram o lugar
Das cartas, e uma foi a lebre.
Hanrahan, em sua febre,
Seguiu-lhes o ladrido até chegar…

Até onde chegou não sei – já basta.
Devo lembrar alguém de alma tão gasta
Que nem a orelha do inimigo, exposta,
Nem a canção faria mais disposta.
Uma figura que virou legenda
E à qual não sobrou um só vizinho
Para contar-lhe as pedras do caminho –
Proprietário falido da vivenda.

Antes da perdição, por muitos anos,
Guerreiros rudes, botas couraçadas,
Mãos de ferro, subiram as escadas
Estreitas, e alguns deles que os arcanos
Da Memória preservam, imortais,
Com altos gritos, vista acesa,
Vêm-nos roubar o sono e a paz
E os seus dados ressoam sobre a mesa.

Invoco a todos, venha toda a gente:
O velho desmontado ou indigente;
O cego e errante arauto da beleza;
Hanrahan, que um jogral tomou por presa
Pelos campos sem Deus; e essa mulher
Que orelhas, mais que ouvidos, quer;
O afogado de amor por uma loa
Das Musas más na lama da lagoa.

Os velhos – ricos, pobres, homens ou mulheres -,
Que andaram por aqui, passaram esta porta,
Em público ou privado, acaso deblateram
Como eu contra a velhice, agora?
Mas encontrei uma resposta nesse clã
Tão impaciente para ir embora;
Pois vão; mas deixem-me Hanrahan,
Que eu necessito de sua múltipla memória.

Velho fauno, um amor em cada esquina
Extrai de tua mente toda a mina,
Tudo o que no sepulcro descobriste,
Pois sabes computar cada loucura,
Cada cega imersão, cada imprevisto
Sonho de ser que um suave olhar atrai,
Ou um toque ou um ai,
Ao labirinto de outra criatura.

Acaso a fantasia é compelida
À mulher ganha ou à mulher perdida?
Se à que perdeste, admite o teu esbulho:
Por mera covardia ou por orgulho,
Pseudoconsciência ou sutileza vaga,
Refugiste de um grande labirinto,
E se a memória volve o sol é extinto
Por um eclipse e o dia já se apaga.

3
É tempo do meu testamento.
Eu lego aos que ficam de pé
E vão contra a corrente até
O alto da fonte e cedo
Lançam o anzol, sem medo
Da pedra gotejante.
Lego O orgulho que carrego:
O orgulho dos que não têm fé
Na Causa ou no Estado,
Nem nos tiranos que escarravam
Nem nos escravos escarrados.
De gente como os Burke e Grattan
Que dá – recusando a recusa,
Orgulho como o da manhã
Quando a luz jorra profusa,
Ou o da cornucópia cheia
Ou da chuva que aflora
Quando o rio é só areia,
Ou o do cisne – na hora
Em que ele fixa o olhar
Num reflexo da aurora
Escolhendo um recanto
Do lago para alçar
O seu último canto.
Meu credo aqui proclamo.
Eu zombo de Plotino
E a Platão eu exclamo:
Morte e vida eram nada
Até o homem fazê-las
E lhes dar um destino
Com as armas e a carga
Da sua alma amarga.
Sim, sol e lua e estrelas.
Proclamo, sem receio,
Que, mortos, vamos retornar
Para criar o devaneio
De um Paraíso translunar.

Eu preparei a minha meta
Com a culta arte italiana,
Pedras da Grécia soberana,
Imagens de poeta,
Palavras de mulher,
Amor e desengano,
Tudo o que o homem quer
Para o seu sobre-humano
Sonho-espelho de ser.

No oco do tronco as gralhas
Gritam juntando a rama.
Galho após galho, empilham.
A ave-mãe com carinho
Ali fará sua cama
Para aquecer o ninho.

Eu lego o orgulho e a fé
Aos que ficam de pé,
Galgam o alto do monte
Para lançar o anzol
Na linha do horizonte.
Desse metal fui feito
Até ser alquebrado
Por este ofício estreito.

Preparo a alma, agora,
Votando-a ao estudo
Numa douta demora,
Até o fim de tudo.
Sangue que deteriora,
Desgaste da memória,
Estancamento mudo.
Ou, ainda pior,
A morte dos que outrora
Foram grandes, do olhar
Que fez sustar o alento –
Como as nuvens no ar
Quando o sol cai e um lento
Grito de ave ressoa
Na sombra que se escoa.

Trad.: Augusto de Campos

The Tower

I
What shall I do with this absurdity-
O heart, O troubled heart-this caricature,
Decrepit age that has been tied to me
As to a dog’s tail?
Never had I more
Excited, passionate, fantastical
Imagination, nor an ear and eye
That more expected the impossible-
No, not in boyhood when with rod and fly,
Or the humbler worm, I climbed Ben Bulben’s back
And had the livelong summer day to spend.
It seems that I must bid the Muse go pack,
Choose Plato and Plotinus for a friend
Until imagination, ear and eye,
Can be content with argument and deal
In abstract things; or be derided by
A sort of battered kettle at the heel.

II
I pace upon the battlements and stare
On the foundations of a house, or where
Tree, like a sooty finger, starts from the earth;
And send imagination forth
Under the day’s declining beam, and call
Images and memories
From ruin or from ancient trees,
For I would ask a question of them all.

Beyond that ridge lived Mrs. French, and once
When every silver candlestick or sconce
Lit up the dark mahogany and the wine,
A serving-man, that could divine
That most respected lady’s every wish,
Ran and with the garden shears
Clipped an insolent farmer’s ears
And brought them in a little covered dish.

Some few remembered still when I was young
A peasant girl commended by a song,
Who’d lived somewhere upon that rocky place,
And praised the colour of her face,
And had the greater joy in praising her,
Remembering that, if walked she there,
Farmers jostled at the fair
So great a glory did the song confer.
And certain men, being maddened by those rhymes,
Or else by toasting her a score of times,
Rose from the table and declared it right
To test their fancy by their sight;
But they mistook the brightness of the moon
For the prosaic light of day-
Music had driven their wits astray-
And one was drowned in the great bog of Cloone.

Strange, but the man who made the song was blind;
Yet, now I have considered it, I find
That nothing strange; the tragedy began
With Homer that was a blind man,
And Helen has all living hearts betrayed.
O may the moon and sunlight seem
One inextricable beam,
For if I triumph I must make men mad.

And I myself created Hanrahan
And drove him drunk or sober through the dawn
From somewhere in the neighbouring cottages.
Caught by an old man’s juggleries
He stumbled, tumbled, fumbled to and fro
And had but broken knees for hire
And horrible splendour of desire;
I thought it all out twenty years ago:

Good fellows shuffled cards in an old bawn;
And when that ancient ruffian’s turn was on
He so bewitched the cards under his thumb
That all but the one card became
A pack of hounds and not a pack of cards,
And that he changed into a hare.
Hanrahan rose in frenzy there
And followed up those baying creatures towards-

O towards I have forgotten what -enough!
I must recall a man that neither love
Nor music nor an enemy’s clipped ear
Could, he was so harried, cheer;
A figure that has grown so fabulous
There’s not a neighbour left to say
When he finished his dog’s day:
An ancient bankrupt master of this house.

Before that ruin came, for centuries,
Rough men-at-arms, cross-gartered to the knees
Or shod in iron, climbed the narrow stairs,
And certain men-at-arms there were
Whose images, in the Great Memory stored,
Come with loud cry and panting breast
To break upon a sleeper’s rest
While their great wooden dice beat on the board.

As I would question all, come all who can;
Come old, necessitous, half-mounted man;
And bring beauty’s blind rambling celebrant;
The red man the juggler sent
Through God-forsaken meadows; Mrs. French,
Gifted with so fine an ear;
The man drowned in a bog’s mire,
When mocking muses chose the country wench.

Did all old men and women, rich and poor,
Who trod upon these rocks or passed this door,
Whether in public or in secret rage
As I do now against old age?
But I have found an answer in those eyes
That are impatient to be gone;
Go therefore; but leave Hanrahan,
For I need all his mighty memories.

Old lecher with a love on every wind,
Bring up out of that deep considering mind
All that you have discovered in the grave,
For it is certain that you have
Reckoned up every unforeknown, unseeing
Plunge, lured by a softening eye,
Or by a touch or a sigh,
Into the labyrinth of another’s being;

Does the imagination dwell the most
Upon a woman won or woman lost?
If on the lost, admit you turned aside
From a great labyrinth out of pride,
Cowardice, some silly over-subtle thought
Or anything called conscience once;
An that if memory recur, the sun’s
Under eclipse and the day blotted out.

III
It is time that I wrote my will;
I choose upstanding men
That climb the streams until
The fountain leap, and at dawn
Drop their cast at the side
Of dripping stone; I declare
They shall inherit my pride,
The pride of people that were
Bound neither to Cause nor to State,
Neither to slaves that were spat on,
Nor to the tyrants that spat,
The people of Burke and of Grattan
That gave, though free to refuse-
Pride, like that of the morn,
When the headlong light is loose,
Or that of the fabulous horn,
Or that of the sudden shower
When all streams are dry,
Or that of the hour
When the swan must fix his eye
Upon a fading gleam,
Float out upon a long
Last reach of glittering stream
And there sing his last song.
And I declare my faith:
I mock Plotinus’ thought
And cry in Plato’s teeth,
Death and life were not
Till man made up the whole,
Made lock, stock and barrel
Out of his bitter soul,
Aye, sun and moon and star, all,
And further add to that
That, being dead, we rise,
Dream and so create
Translunar Paradise.
I have prepared my peace
With learned Italian things
And the proud stones of Greece,
Poet’s imaginings
And memories of love,
Memories of the words of women,
All those things whereof
Man makes a superhuman
Mirror-resembling dream.

As at the loophole there
The daws chatter and scream,
And drop twigs layer upon layer.
When they have mounted up,
The mother bird will rest
On their hollow top,
And so warm her wild nest.

I leave both faith and pride
To young upstanding men
Climbing the mountain side,
That under bursting dawn
They may drop a fly;
Being of that metal made
Till it was broken by
This sedentary trade.

Now shall I make my soul,
Compelling it to study
In a learned school
Till the wreck of body,
Slow decay of blood,
Testy delirium
Or dull decrepitude,
Or what worse evil come-
The death of friends, or death
Of every brilliant eye
That made a catch in the breath-
Seem but the clouds of the sky
When the horizon fades;
Or a bird’s sleepy cry
Among the deepening shades.

Joan Margarit – Despedidas

Ela o acompanhava até o primeiro trem
que partia às segundas antes do amanhecer,
e naquele bar costumavam despedir-se,
o mais próximo da Estación de Francia.

Evoco os invernos detidos
atrás das vidraças da infância.
E talvez esta seja sua mesa, onde agora
lembro-me de que, naquela mesma hora,
eu estava na penumbra do meu quarto.

Não é grande coisa, embora se trate da minha vida:
quando ela regressava,
e enquanto ia abrindo as janelas,
eu fingia dormir, encolhendo-me.
Ainda posso sentir o frio do seu casaco
e o sol de uma jovem mãe, mais hirto a cada dia,
que brilhava nas vidraças embaçadas.

Trad.: Nelson Santander

Despedidas

Ella le acompañaba al primer tren
que los lunes salía antes del alba,
y en este bar solían despedirse,
el más cercano a la Estación de Francia.

Evoco los inviernos detenidos
detrás de los cristales de la infancia.
Y quizá ésta es su mesa, donde ahora
recuerdo cómo, a aquella misma hora,
yo estaba en la penumbra de mi cuarto.

No es gran cosa, aunque trata de mi vida:
cuando ella regresaba,
y mientras iba abriendo las ventanas,
simulaba dormir, acurrucándome.
Puedo sentir aún el frío de su abrigo
y un sol de madre joven, más yerto cada día,
que brilla en los cristales empañados.