Manuel António Pina – de “Cuidados Intensivos”

I

“A esta hora e neste sítio
(miocárdio ventricular esquerdo)
é a abstracta vida que me assalta.
Eles não sabem
que o seu coração pulsa,
ferido, no meu coração,
que a minha dor alheia
vagarosamente mata
os seus sonhos, os seus sentidos,
os seus dias visíveis e invisíveis,
a linha dos telhados
ao longe sobre o céu.
Como saberiam
(com que palavras exteriores?)
que existem
dentro de mim
de um modo fora de mim,
os parentes, os amigos,
a vaga enfermeira da noite,
que enquanto o meu Único coração
morre na minha cabeça
a luz do quarto se
apaga para sempre
e o silêncio se fecha
sobre os corredores?
No quarto ao lado alguém
a noite passada morreu,
provavelmente eu.
Os livros, as flores
da mesa de cabeceira
conhecerão estas últimas coisas
em algum sítio da minha alma?”

Terça-feira, 3 de Março.

 

(…)

Eunice de Souza – Convite

Tenta-me com uma visão de colinas
relva que é verde
pavões tão vulgares como pardais.

Podemos ler no pátio, diz ela,
ouvindo o picapau às voltas com a sua árvore,
admirar as rosas, colher fruta, contar estrelas.
Traga a tia, os cães, o periquito, diz,
escreva um ou dois poemas felizes.
De vez em quando, continua,
iremos até à aldeia
para sabermos como é que o mundo
não vai.

Trad.: Francisco José Craveiro de Carvalho

Invitation

She tempts me with the vision of hills
grass that’s green
peacecocks as common as sparrows

We can read in the courtyard, she says,
to the sound of the woodpecker working his tree,
admire her roses, pluck fruit, count stars.
Bring aunt, dogs, parakeet, she says,
writ a happy poem or two.
Once in a way, she says,
we’ll take a little walk to the village
to find out how the world’s
not getting on.

José Mateos – In Memoriam

   Para Pedro Sevilla

Sempre, frente à dor, estamos sozinhos,
não se quer viver, e tu sabes disso.
Há um instante viste, na penumbra
de um quarto de hospital, a mão hirta,
seu rosto naufragado que o lençol cobriu.
E era como mirar-se em um espelho
e ver que somos menos que essa ausência,
menos que a névoa que o ar entorna.

Já sei; sentes que agora a noite
somente declara sua absurda palavra,
e vês a humilhação, vês o esforço
que foi esta despedida.
            Não obstante,
escuta-me: não sofras. Porque sempre
– mesmo nos dia nublados,
ou quando acontece o inevitável, mesmo então –
a resposta é a vida que foge e segue,
nunca a dor nem tuas indagações ao Nada.

Trad.: Nelson Santander

En Memoria

   Para Pedro Sevilla

Siempre frente al dolor uno está solo,
no se quiere vivir, y tú lo sabes.
Hace un momento has visto, en la penumbra
de un cuarto de hospital, la mano yerta,
su rostro hundido que cubrió la sábana.
Y era como mirarse en un espejo
y ver que somos menos que esa ausencia,
menos que el humo que despeja el aire.

Ya sé; sientes que ahora únicamente
dice la noche su palabra absurda,
y ves la humillación, ves el esfuerzo
que fue esta despedida.
            Sin embargo,
escúchame: no sufras. Porque siempre
– incluso cuando un día pasan nubes,
pasa lo inevitable, incluso entonces —
la respuesta es la vida que huye y sigue,
nunca el dolor ni su pregunta a Nadie.

Elisa Lucinda – Do Efêmero Presente

Às vezes passo um dia
e sinto que o perdi.
Um dia sem importâncias dentro dele,
sem fruto, sem feito,
metade avião, metade hotel.
Mas que mania é essa de querer
que o pobre do dia seja sempre cheio de tarefas?
Um dia escravinho, sofrendo na senzala calendário.
Ora essa, tem gente que dorme quase todos os dias o dia todo,
tem gente que passa o dia
sequestrado pela tela da televisão,
cama, sofá e dor nas costas.
Tem gente que nem nota,
tem quem vive só no computador,
toma remédio para nem sentir passar o dia,
e toma outro para que a noite seja uma hipnose,
já que é a sua vida uma overdose de desanimação.

Eu não.
Ao menos num dia assim,
dele não me despeço sem fazer, no mínimo,
esses mínimos versos.

Paulo Henriques Britto – Entrevista

Ótima entrevista concedida por Paulo Henriques Britto (para mim, o melhor poeta brasileiro vivo) a Ramon Ramos, e publicada no Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco.

Paulo Henriques Britto (Rio de Janeiro, 1952), além de poeta, é contista, tradutor e professor da PUC-Rio. Sua obra poética, desde a estreia em Liturgia da matéria (1982), apresenta interesse pelas formas fixas, cujos limites instigam o autor também pelo desafio no instante da criação. Poeta que discute a contenção de versos e emoções, Paulo recebeu os prêmios Alphonsus de Guimaraens, por seu Trovar claro (1997), e Portugal Telecom (atual Oceanos) por Macau (2004).

A epígrafe de Emily Dickinson, que abre seu mais novo livro Nenhum mistério, em tradução do próprio autor diz: Não tivesse eu visto o Sol/ Sofrível a sombra seria/ Mas a Luz fez de meu Deserto/ Terra ainda mais baldia. Tais versos sugerem a discussão sobre a iluminação interior, mas também sobre a luminosidade do processo criativo do poeta — temas que percorrem o livro. Outro tema importante, a perda, aparece já nas primeiras páginas — propondo diálogo com Elizabeth Bishop — e se mantém como questão norteadora atravessando a obra como um todo.

A escrita como tentativa de domar o caos é um dos pontos que vemos nesta entrevista para o Pernambuco, na qual Paulo também fala sobre os procedimentos de elaboração de Nenhum mistério, sobre sua poética e sobre poesia em geral.

Como você vê Nenhum mistério em relação à sua obra? Há continuidade do projeto de Formas do nada que, por sua vez, valoriza o vazio, o menor (como anteriormente sugerido em Mínima lírica)?

Creio que sim. A valorização do menor, do mínimo, é, para um poeta do nosso tempo, uma simples constatação do óbvio. Sim, a minha produção dos últimos 10 anos, ou mais, parece ter uma temática em comum. E, como é inevitável, a temática de quem se aproxima da barreira dos 60 anos e depois a ultrapassa, é cada vez mais a perda. Assim como, no início da trajetória, os temas mais comuns são as descobertas do amor, da maturidade, do potencial da palavra.

A vida na sua literatura não se romantiza, tampouco se mitifica. Ao contrário, por vezes passa a sensação de resignação com o que nos é dado neste mundo. Na sua poesia, como diria Drummond, a vida é uma ordem?

A meu ver, o acaso é o grande motor da realidade. A vida, como parte da realidade, é essencialmente caótica, sempre regida pela entropia. Nós, seres humanos, é que ficamos o tempo todo tentando impor ordem, conectar eventos através de nexos causais. Essas tentativas só podem obter êxito em caráter parcial e provisório, necessariamente, porque elas atuam no sentido contrário à própria natureza do real. A poesia é, entre outras coisas, uma tentativa de ordenar o caos das sensações e dos sentimentos, de criar uma ordem que possa ser utilizada pela própria pessoa que escreve, e também — espera-se — pelas que vierem a ler. Essas tentativas dão prazer, ou ao menos atuam no sentido de reduzir o pavor causado pela constatação de que tudo tende à desorganização, à morte. Mas é claro que, para a grande maioria da humanidade, a poesia, a arte em geral, é desnecessária. Para essas pessoas, existe um texto sagrado já pronto, o qual prova que, na verdade, a realidade é perfeitamente organizada e caminha para um final feliz; todas as evidências em sentido contrário são tachadas de ilusões. Como, na verdade, esse texto sagrado não prova nada, é uma ficção como outra qualquer, passa-se a criminalizar aquele que não acredita nele — o castigo é a perdição eterna, e em tempos passados no Ocidente podia ser a fogueira, como aliás ainda é em alguns países do Oriente Médio — e a condenar a inteligência e a vontade de saber. Não é à toa que o pecado de Adão e Eva foi comer o fruto do conhecimento. Não é à toa que os líderes religiosos e políticos, de modo geral e com raras exceções, odeiam a inteligência e o conhecimento,
e desprezam a arte.

O novo livro se inicia com a palavra nenhum e termina com nada. São quase 110 ocorrências do vocábulo não ao longo dos poemas — além de tantos outros do campo semântico das negativas. O que tanto precisa ser negado, Paulo?

As crenças irreais a que nos apegamos. A tentação de tomar uma ficção como realidade última é muito forte: afinal, ela promete o fim de todos os temores. As religiões, os sistemas ideológicos que explicam tudo, são formas de lobotomia voluntária. A negação é uma afirmação da natureza dura desse real, que se tenta disfarçar com ficções edulcoradas.

No livro, Nenhuma arte é o nome da série de- poemas iniciais, que promovem diálogo com Elizabeth Bishop. A perda, que não está nos títulos, claramente é o tema central. Como você pensa o uso do perder para a elaboração desses poemas?

É o tema que se impõe, como já comentei, a uma altura da vida em que o que mais acontece com a gente é sofrer perdas. E todo escritor — talvez principalmente o poeta lírico — trabalha basicamente com a sua vivência do momento em que escreve, além do repertório da memória. Bishop foi uma poeta que descobri relativamente tarde, quando eu já havia mais ou menos decidido o quê e como eu queria escrever, e que mesmo assim teve um certo impacto sobre a minha escrita, creio eu. Eu diria que a poesia dela reforçou uma tendência que já existia no meu trabalho, e me apresentou algumas sugestões novas.

Certa vez, em entrevista, você disse que “quando se pega uma forma, você nunca compra o pacote completo”. A sua poesia faz uso de formas presas (que poderia sugerir uma ideia de ordem) com uma linguagem próxima do coloquial. Quais desafios você se impõe na hora de escrever?

A forma fixa, para mim, é uma espécie de disciplina, sem dúvida, mas é também, e principalmente, uma fonte de “inspiração”. Alguns dos meus poemas partem de ideias abstratas, mas são uma minoria; no mais de vezes o ponto de partida é uma palavra, ou um sintagma, ou simplesmente um padrão formal, um esquema métrico ou estrófico. Há no meu livro novo um poema que partiu de uma rima, uma rima que me pareceu interessante, entre duas palavras que eu nunca havia percebido que rimavam entre si. Esse é o ponto de partida. O desafio é chegar ao fim, em primeiro lugar, conseguir chegar àquele ponto em que, como disse Cabral, faz clique; mas é também chegar ao fim, a algum tipo de fim, e constatar que o poema não é inteiramente redundante, não funciona de modo muito semelhante a outro ou outros que já li, ou mesmo que já escrevi.

Enquanto leitor e professor da poesia que é feita hoje no Brasil, como você vê a opção majoritária pelo verso livre também aliada à coloquialidade?

O verso livre é uma forma traiçoeira. Na verdade, não é uma forma, e, sim, uma pluralidade imensa de formas, que abre um leque infinito de possibilidades. Por isso mesmo, como costumo dizer, usar verso livre é a maneira mais fácil de escrever poesia ruim, e a mais difícil, ou uma das mais difíceis, de escrever poesia boa. Boa parte do verso livre publicado nos últimos cento e poucos anos só é poesia porque é dividida em versos; no mais, não há nenhum trabalho de linguagem que seja remotamente poético. Mas nas mãos de um grande mestre — e, no nosso idioma, os maiores mestres do verso livre são, a meu ver, Pessoa e Bandeira — o verso livre rende resultados que não seriam possíveis em nenhuma forma tradicional. Quanto à coloquialidade, eu diria que é a única conquista do Modernismo em relação à qual me parece impossível voltar atrás. É perfeitamente possível escrever hoje em dia poemas bons e relevantes usando o decassílabo, o soneto, a sextina, o diabo — mas não consigo imaginar um poema escrito hoje em dia, utilizando o vocabulário precioso, a dicção nobre e a sintaxe arrevesada dos parnasianos, que possa me interessar. Essas coisas, tal como a epopeia, a máquina de escrever e o bonde puxado por burro, pertencem a um passado que não volta mais.

Em determinado poema, está dito que, se não é sempre possível amar a vida, temos sempre o direito de editá-la. Escrever é se editar?

Sem dúvida. A escrita em geral, e a poesia em particular, é mais uma oportunidade de se impor, ou tentar impor, uma ordem causal ao caos aleatório da realidade. Editar a vida é tentar ver uma lógica nela, construir cadeias de causalidade, elaborar explicações para as coisas que aconteceram, justificativas para as decisões que foram tomadas (muitas vezes por motivos inteiramente aleatórios).

O que tem no Paulo-vivo que se perde (ou se ganha) no Paulo-livro?

Você está me pedindo para comparar a realidade vivida com a escrita? Bom, não dá para comparar. A experiência viva é a base de tudo, e o que ela tem de mais maravilhoso é também o que ela tem de mais terrível — o fato de ser regida pelo acaso, de frustrar toda e qualquer tentativa de controle, de imposição de uma ordem. E é esta a grande vantagem da criação artística: ela pode ser, em boa parte (ainda que não de todo), controlada, construída de modo calculado e racional, com princípio, meio e fim. As pessoas que têm fé identificam uma coisa com a outra, o vivido com o lido (ou ouvido, ou decorado), acreditam na ficção que elas criam (ou compram pronta), a qual sempre prova por a mais b que tudo que aconteceu tinha que acontecer. Creio que foi David Hume que disse que todas as superstições se resumem à crença na causalidade. Ele tem razão, mas além de causalidade há também a crença na teleologia — ficções como destino e providência divina.

Da série Caderno lemos: o fracasso se tornou/ a própria textura da vida (…) Assistir à própria queda/ agora é todo o espetáculo. Seus eus-líricos encarnam esse movimento de “menos-valia” ou da própria sensação de fracasso em relação à escrita ou à vida. Esse é um procedimento irônico diante da sua grandeza de poeta reverenciado e premiado?

Não vejo ironia nenhuma nessa afirmação. A experiência vivida é sempre um fracasso, na medida em que inevitavelmente se constitui em um acúmulo de perdas, culminando na morte.

Que luz é essa que, ao nos perpassar, amplifica a sensação de perda e abandono?

A lucidez?

E o mundo vale a nossa lucidez?

Boa pergunta.

* Ramon Ramos é mestre em Literatura (PUC-Rio) e autor de A vulnerabilidade como procedimento

http://www.suplementopernambuco.com.br/entrevistas/2146-entrevista-paulo-henriques-britto.html

Joan Margarit – Ulisses nas Águas de Ítaca

Estás chegando a ilha e agora sabes
o que é o acaso. Viver, o que significa.
Teu arco será poeira em uma estante.
Poeira será o tear e a peça que ele tece.
Os pretendentes, que no pátio
acampam,
são sombras dos sonhos de Penélope.
Estás chegando a ilha enquanto explode
o mar contra as rochas da costa,
como faz o tempo contra a Odisseia.
Ninguém jamais teceu alguma vez tua ausência
nem, sem rumores, descoseu o esquecimento.
Por mais que, às vezes, a razão o ignore,
Penélope é a sombra de teu sonho.
Estás chegando a ilha: as gaivotas
cobrem a praia e não se moveram
quando ao passar não deixaste nenhuma pegada,
porque tu não exististes: és apenas uma
lenda.
Talvez um remoto Ulisses tenha morrido em Troia,
e talvez uma mulher o tenha chorado,
mas no sonho de um poeta cego
continuas salvando a ti mesmo:
na cabeça de Homero, rigoroso
e eterno, cada vez que rompe o dia,
um solitário Ulisses desembarca.

Trad.: Nelson Santander

Ulises en Aguas de Ítaca

Vas llegando a la isla y ahora sabes
qué es el azar. Vivir, qué significa.
Tu arco será polvo en un estante.
Polvo será el telar y la pieza que teje.
Los pretendientes, que en el patio
acampan,
son sombras de los sueños de Penélope.
Vas llegando a la isla mientras rompe
el mar contra las rocas de la costa,
como hace el tiempo contra la Odisea.
Nadie ha tejido alguna vez tu ausencia
ni, sin rumores, destejió el olvido.
Por más que, a veces, la razón lo ignore,
Penélope es la sombra de tu sueño.
Vas llegando a la isla: las gaviotas
cubren la playa y no se moverán
cuando al pasar no dejes huella alguna,
porque no has existido: tan sólo eres
leyenda.
Quizá un lejano Ulises murió en Troya,
y quizá lo lloró alguna mujer,
pero en el sueño de un poeta ciego
continúas salvándote:
en la frente de Homero, riguroso
y eterno, cada vez que rompe el día,
un solitario Ulises desembarca.

Vitor Nogueira – Formol

A casa por sob o sótão. O sótão por sobre
a casa. A casa por sobre a rua. A rua por sobre
o mundo. À volta desta praça, quis o tempo
conservados em formol os edifícios, esquinas
de onde surgem cada vez mais perguntas
sem aviso. Escondida pela fachada do liceu
há-de estar ainda a velha biblioteca
onde Ulisses veio sentar-se à tua frente,
cotovelo esquerdo alicerçado no tampo
da secretária, braço servindo de coluna,
rematado em capitel pelo punho semicerrado
que lhe amparava o queixo e, acima do queixo,
o olhar e as ideias. Eras demasiado novo
para todos aqueles livros, todos aqueles ossos
arrumados nas estantes. Livros como este,
que se fecha sobre si e só dói a quem o escreve.

Kenneth Rexroth – Leão

O leão é chamado de rei
Dos animais. Atualmente existem
Quase tantos leões
Em jaulas quanto fora delas.
Se te oferecerem uma coroa, recusa.

Trad.: José Antônio Cavalcanti

Lion

The lion is called the king
Of beasts. Nowadays there are
Almost as many lions
In cages as out of them.
If offered a crown, refuse.

Ruy Belo – Através da chuva e da névoa

Chovia e vi-te entrar no mar
longe de aqui há muito tempo já
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Mais tarde olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui relembro e pergunto:
Qual é a realidade de tudo isto?
Afinal onde é que as coisas continuam
e como continuam se é que continuam?
Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa povoada o nome no registo
uma menção no livro das primeiras letras?
Chovia e vi-te entrar no mar
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Que importa que algures continues?
Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu fazer por tudo isso agora?
Talvez dizer apenas
chovia e vi-te entrar no mar
E aceitar a irremediável morte para tudo e todos

João Luís Barreto Guimarães – Um Quarto de Hotel em Madrid

Não se chega a pertencer nunca a
um quarto de hotel. Não se lhe ganha afecto (não
é nosso por inteiro) se é
certo que amanhã outro dono estará
emoldurado
ao espelho. Não se chega a confiar nele
(não se lhe lega segredos) sequer a
palavra impudica expurgada
da pele
pela toalha de banho. Não chega a
ser nossa a cama (não se molda
a nosso jeito) melhor que
nem te despeças dessa alcova pela manhã
quando sabes como é lesta a
entregar-se ao próximo viandante
por dinheiro.