Rosario Castellanos – Desamor

Desamor

Viu-me como se olhasse através de um cristal
ou do ar
ou de nada.

E então entendi: eu não estava ali
nem em lugar nenhum
nunca estive nem jamais estaria.

E fui como alguém que morre na epidemia,
não identificado, e é jogado
na vala comum.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Desamor

Me vio como se mira al través de un cristal
o del aire
o de nada.

Y entonces supe: yo no estaba allí
ni en ninguna otra parte
ni había estado nunca ni estaría.

Y fui como el que muere en la epidemia,
sin identificar, y es arrojado
a la fosa común.

Linda Pastan – Primos

Nos encontramos em funerais
a cada poucos anos — mais uma estrela
na constelação da nossa família
que se extingue — e mesmo sob aquela luz
tênue, parecemos completamente
diferentes, completamente os mesmos.
“O que tem feito ultimamente?”
perguntamos uns aos outros, “Como
tem passado?” Nessas horas,
o passado é mais palpável
do que nossos filhos esperando
em casa ou as esposas e os maridos nos
puxando pelas mangas. “Lembra…?”
perguntamos, “Lembra da vez que…?
E o riso é tão doloroso
como se nossas costelas tivessem fissuras
secretas nelas.
Nossas infâncias permanecem
apenas nos contornos pontiagudos
de nossos narizes, no formato
de nossos olhos, na forma como nossos genes chamam
uns aos outros nas notas agudas
que só os parentes podem ouvir.
Quanto da memória
é imaginação? E se a perda
é uma ausência, por que fica
tão intensa? Estas são as perguntas
que queremos fazer quando indagamos: “Onde
você está morando agora?” ou
“Quantos anos tem o seu caçula?”
Às vezes, sinto a tristeza
dessas ocasiões crescer
em mim até me tornar
um instrumento em que a linguagem se eleva
como música. Mas tudo
que os outros conseguem ouvir
é minha voz estrangulada dizendo
“Adeus…”, dizendo
“Mantenha contato…”
com o tipo de som
que uma gaita de fole faz com seu som arfante
e até mesmo com sua marcha fúnebre.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Cousins

We meet at funerals
every few years—another star
in the constellation of our family
put out—and even in that failing
light, we look completely
different, completely the same.
“What are you doing now?”
we ask each other, “How
have you been?” At these times
the past is more palpable
than our children waiting
at home or the wives and husbands tugging
at our sleeves. “Remember…?”
we ask, “Remember the time…?
And laughter is as painful
as if our ribs had secret
cracks in them.
Our childhoods remain
only in the sharp bones
of our noses, the shape
of our eyes, the way our genes call out
to each other in the high-pitched notes
that only kin can hear.
How much of memory
is imagination? And if loss
is an absence, why does it grow
so heavy? These are the questions
we mean when we ask: “Where
are you living now?” or
“How old is your youngest?”
Sometimes I feel the grief
of these occasions swell
in me until I become
an instrument in which language rises
like music. But all
that the others can hear
is my strangled voice calling
“Goodbye…” calling
“Keep in touch…”
with the kind of sound
a bagpipe makes, its bellow heaving
and even its marching music funereal.

Mary Oliver – Quando a morte chegar

Quando a morte chegar
como um urso faminto no outono;
Quando a morte chegar e tirar todas as moedas brilhantes de sua bolsa

para me comprar, e fechá-la com um estalo;
quando a morte chegar
como o sarampo-varíola

quando a morte chegar
como um iceberg entre as omoplatas,

quero atravessar o portal cheia de curiosidade, perguntando:
como será essa sombria cabana?

E por isso olho para tudo como uma irmandade,
e vejo o tempo como nada além de uma ideia,
e considero a eternidade como outra possibilidade,

e penso em cada vida como uma flor, tão comum
quanto uma margarida do campo, e ainda assim tão singular,

e em cada nome como uma confortável canção entre os lábios,
que, como toda canção, tende ao silêncio,

e em cada corpo como um leão de coragem, e algo
precioso para a terra.

Quando tudo terminar, quero dizer que por toda minha vida
fui uma noiva desposada pelo assombro.
Fui o noivo, tomando o mundo em meus braços.

Quando tudo terminar, não quero me perguntar
se fiz de minha vida algo especial e verdadeiro.
Não quero me encontrar suspirando e assustada,
ou cheia de argumentos.

Não quero terminar tendo apenas passado por este mundo.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

When death comes

When death comes
like the hungry bear in autumn;
when death comes and takes all the bright coins from his purse

to buy me, and snaps the purse shut;
when death comes
like the measle-pox

when death comes
like an iceberg between the shoulder blades,

I want to step through the door full of curiosity, wondering:
what is it going to be like, that cottage of darkness?

And therefore I look upon everything
as a brotherhood and a sisterhood,
and I look upon time as no more than an idea,
and I consider eternity as another possibility,

and I think of each life as a flower, as common
as a field daisy, and as singular,

and each name a comfortable music in the mouth,
tending, as all music does, toward silence,

and each body a lion of courage, and something
precious to the earth.

When it’s over, I want to say all my life
I was a bride married to amazement.
I was the bridegroom, taking the world into my arms.

When it’s over, I don’t want to wonder
if I have made of my life something particular, and real.
I don’t want to find myself sighing and frightened,
or full of argument.

I don’t want to end up simply having visited this world.

Nicanor Parra – Último brinde

Querendo ou não,
só temos três alternativas:
o ontem, o presente e o amanhã.

E nem sequer três,
pois, como diz o filósofo,
ontem é ontem,
é nosso apenas na memória:
à rosa que já se desbastou
não se pode arrancar outra pétala.

As cartas por jogar
são apenas duas:
o presente e o dia de amanhã.

E nem sequer duas,
porque é um fato bem estabelecido
que o presente só existe
na medida em que se faz passado
e já passou…,
como a juventude.

Em suma,
só nos resta o amanhã:
levanto minha taça
para esse dia que nunca chega
mas que é o único
de que realmente dispomos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

.
Ultimo brindis

Lo queramos o no
sólo tenemos tres alternativas:
el ayer, el presente y el mañana.

Y ni siquiera tres
porque como dice el filósofo
el ayer es ayer
nos pertenece sólo en el recuerdo:
a la rosa que ya se deshojó
no se le puede sacar otro pétalo.

Las cartas por jugar
son solamente dos:
el presente y el día de mañana.

Y ni siquiera dos
porque es un hecho bien establecido
que el presente no existe
sino en la medida en que se hace pasado
y ya pasó…,
como la juventud.

En resumidas cuentas
sólo nos va quedando el mañana:
yo levanto mi copa
por ese día que no llega nunca
pero que es lo único
de lo que realmente disponemos.

Delmore Schwartz – All night, all night

I have been one acquainted whit the night – Robert Frost

Viajou de trem a noite inteira, sob uma luz agoureira. Uma ave
Voou em paralelo com singular determinação. Em ações e anseios de
devaneios
Os demais passageiros curvados, deitados, lendo, dormindo,
Esperando, e esperando um local para se deslocar,
Para a correta rota da segurança ou o rotor da contingência.

Olhou além, para a noite, incapaz de distinguir
As luzes das cidades passageiras das mortiças luzes
Dormentes do teto. E a ave voou em paralelo e em silêncio
Enquanto o trem disparou a linha reta de seus apitos,
Avançando nos tensos trilhos, perfurando o vazio, familiar –

O centro enfadado desta visão e condição olhou e
correu
O olhar através das páginas polidas do periódico (visando
O visível e o invisível) e seu olhar caiu no algar
Da grande escuridão sob a reluzente revista,
E ele era somente um entre oito milhões de lentes e
valentes.

E, enquanto isso, sob o seu vazio sorriso, o bumbo agitado
Da alongada e determinada passagem por ele passou,
Imitado e ecoado por seu corpo. E, então, a composição,
Como a violenta monção, começou a partir e a fugir –
A noite silente e indiferente, pressionando e impressionando
As frontes dos pacientes em uma tensa imagem
Do motor apressado, prosseguiu por um facho de luz
Perfurando as trevas, mudando e transformando o silêncio
Em uma violência de espuma, som, fumaça e sucessão.

Uma entediada criança foi buscar um copo d’água
E esmagou o copo porque a água também era
Sem graça, a mera refrega contra o tédio.
Ao retornar, o petiz por detrás olhou
O que um homem estava lendo até irrita-lo.
Uma volumosa mulher bocejou e viu o líquido verter
E vazar o velo de muitos jantares.

E a ave voou em paralelo e em paralelo voavam
Os postes crucificados de fios telefônicos, quais lápis pretos,
Em intervalos regulares, poste após poste,
Triplamente cruzados, floridos, anônimas árvores.

E então o pássaro clamou como que para todos nós:

Oh, suas vidas, suas vidas solitárias,
O que vocês fizeram com elas,
O que fizeram com o sublime dom da consciência?
O que vocês farão com suas vidas antes da punhalada
 mortal?
Respondam de maneira permanente e pertinente!

De minha parte, senti em meu peito como quem cai,
Cai de paraquedas, cai sem parar, e sente o vasto
Rabisco do abismo sugando-o mais e mais
Um palhaço em queda infinitamente impotente e horrorizado:

É assim que a noite passa, esta
é a interminável viagem noturna para o famoso imperscrutável
abismo.
(1960)

Trad.: Nelson Santander

All night, all night

Rode in the train all night, in the sick light. A bird
Flew parallel with a singular will. In daydream’s moods and
attitudes
The other passengers slumped, dozed, slept, read,
Waiting, and waiting for place to be displaced
On the exact track of safety or the rack of accident.

Looked out at the night, unable to distinguish
Lights in the towns of passage from the yellow lights
Numb on the ceiling. And the bird flew parallel and still
As the train shot forth the straight line of its whistle,
Forward on the taut tracks, piercing empty, familiar –

The bored center of this vision and condition looked and
looked
Down through the slick pages of the magazine (seeking
The seen and the unseen) and his gaze fell down the well
Of the great darkness under the slick glitter,
And he was only one among eight million riders and
readers.

And all the while under his empty smile the shaking drum
Of the long determined passage passed through him
By his body mimicked and echoed. And then the train
Like a suddenly storming rain, began to rush and thresh –
The silent or passive night, pressing and impressing
The patients’ foreheads with a tightening-like image
Of the rushing engine proceeded by a shaft of light
Piercing the dark, changing and transforming the silence
Into a violence of foam, sound, smoke and succession.

A bored child went to get a cup of water,
And crushed the cup because the water too was
Boring and merely boredom’s struggle.
The child, returning, looked over the shoulder
Of a man reading until he annoyed the shoulder.
A fat woman yawned and felt the liquid drops
Drip down the fleece of many dinners.

And the bird flew parallel and parallel flew
The black pencil lines of telephone posts, crucified,
At regular intervals, post after post
Of thrice crossed, blue-belled, anonymous trees.

And then the bird cried as if to all of us:

O your life, your lonely life
What have you ever done with it,
And done with the great gift of consciousness?
What will you ever do with your life before death’s
 knife
Provides the answer ultimate and appropriate!

As I for my part felt in my heart as one who falls,
Falls in a parachute, falls endlessly, and feel the vast
Draft of the abyss sucking him down and down,
An endlessly helplessly falling and appalled clown:

This is the way that night passes by, this
Is the overnight endless trip to the famous unfathomable
abyss.
(1960)