Jules Laforgue – Mediocridade

No infinito coberto de eternas belezas,
Como átomo perdido, incerto, solitário,
Um planeta chamado Terra, dias contados,
Voa com os seus vermes sobre as profundezas.

Filhos sem cor, febris, ao jugo do trabalho,
Marchando, indiferentes ao grande mistério,
E quando um dos seus é enterrado, já sérios,
Saúdam-no. Do torpor não são arrancados.

Viver, morrer, sem desconfiar da história
Do globo, sua miséria em eterna glória,
Sua agonia futura, o sol moribundo.

Vertigens de universo, todo o seu só festa!
Nada, nada, terão visto. Partem do mundo
Sem visitar sequer o seu próprio planeta.

Trad.: Régis Bonvicino

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 27/02/2016

Olavo Bilac – Nel Mezzo Del Camin…

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo… Na partida
Nem o pranto teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 18/02/2016

Machado de Assis – A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 18/02/2016

Carlos Drummond de Andrade – Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir mas o existido
continua a doer eternamente.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 18/02/2016

Garcilaso de la Vega – Soneto XXIII

Enquanto que de rosa e de açucena
se mostra toda a cor neste teu rosto,
enquanto o teu olhar ardente, honesto,
acende o coração e o serena;

e enquanto o teu cabelo, que das franjas
do ouro se escolheu, com voo presto,
sobre o formoso colo branco, ereto,
o vento move, espalha e desarranja:

colhe de tua alegre primavera
o doce fruto, antes que o tempo airado
recubra de neve o formoso cume;

murchará a rosa o vento gelado.
Mudará tudo o tempo que não espera,
tão só por não mudares teu costume.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 25/08/2018

Soneto XXIII

En tanto que de rosa y azucena
se muestra la color en vuestro gesto,
y que vuestro mirar ardiente, honesto,
enciende al corazón y lo refrena;

y en tanto que el cabello, que en la vena
del oro se escogió, con vuelo presto,
por el hermoso cuello blanco, enhiesto,
el viento mueve, esparce y desordena:

coged de vuestra alegre primavera
el dulce fruto, antes que el tiempo airado
cubra de nieve la hermosa cumbre;

marchitará la rosa el viento helado.
Todo lo mudará la edad ligera
por no hacer mudanza en su costumbre.

Francisca Aguirre – E se, depois de tudo, fosse o resto

E se, depois de tudo, fosse o resto
um ir morrendo para ao fim morrermos
por este louco afã de convertermo-nos
em contadores de um momento lesto.

E se afigura que o correto era
este sermão que vem nos repetir
que avança o furacão de nos ferir,
e é vã e absurda esta carreira.

Então fique tranquilo, amor meu,
e goza desta gruta que ofereço,
e esgota a água que eu não consumi.

O vento nos arrasta, cego e frio,
toma esta manta enquanto eu envelheço,
amar-te de outro modo não aprendi.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 07/04/2018

Francisca Aguirre – Y si después de todo, todo fuera

Y si después de todo, todo fuera,
un ir muriendo para al fin morirnos
a qué este loco empeño en convertirnos
en contables de un tiempo que no espera.

Y si resulta que lo cierto era
este sermón que viene a repetirnos
que avanza el huracán para abatirnos
y es inútil y absurda esta carrera.

Entonces, amor mío, ten sosiego,
y aprovecha esta cueva que te ofrezco
y apura el agua que yo no he bebido.

El viento nos arrastra, frío y ciego,
toma mi manta mientras yo envejezco,
amarte de otro modo no he sabido.

Petrarca – Soneto CXXXIII (“O Amor me Assinalou com sua Seta”)

O amor me assinalou com sua seta,
como a neve ao sol, como a cera ao fogo,
como névoa ao vento; e já estou rouco,
dama, de humilhar-me, feito um pateta.

De teus olhos o golpe mortal veio,
contra o qual tempo e espaço nada são;
Vêm de ti, e vês como diversão,
o sol, o fogo e o vento aos quais me atenho.

O pensar me flecha, me cresta o sol,
o desejo queima: com essas armas
o amor fere, me cega e me aniquila;

e sua voz e canto angelical,
e a doce alma com que me desarmas,
são o ar do qual minha vida se exila.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 18/11/2017

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Petrarca – Soneto CXXXIII

Amor m’à posto come segno a strale,
come al sol neve, come cera al foco,
et come nebbia al vento; et son già roco,
donna, mercé chiamando, et voi non cale.

Dagli occhi vostri uscío ‘l colpo mortale,
contra cui non mi val tempo né loco;
da voi sola procede, et parvi un gioco,
il sole e ‘l foco e ‘l vento ond’io son tale.

I pensier’ son saette, e ‘l viso un sole,
e ‘l desir foco: e ‘nseme con quest’arme
mi punge Amor, m’abbaglia et mi distrugge;

et l’angelico canto et le parole,
col dolce spirto ond’io non posso aitarme,
son l’aura inanzi a cui mia vita fugge.

Paulo Henriques Britto – Soneto Inglês

A surpresa do amor — quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove —
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil — eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura —
definitiva, radical, imensa —
do que nem parecia mais doença.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 29/12/2016

Garcilaso de la Vega – Soneto XXIII

Enquanto que de rosa e de açucena
se mostra toda a cor neste teu rosto,
enquanto o teu olhar ardente, honesto,
acende o coração e o serena;

e enquanto o teu cabelo, que das franjas
do ouro se escolheu, com voo presto,
sobre o formoso colo branco, ereto,
o vento move, espalha e desarranja:

colhe de tua alegre primavera
o doce fruto, antes que o tempo airado
recubra de neve o formoso cume;

murchará a rosa o vento gelado.
Mudará tudo o tempo que não espera,
tão só por não mudares teu costume.

Trad.: Nelson Santander

Soneto XXIII

En tanto que de rosa y azucena
se muestra la color en vuestro gesto,
y que vuestro mirar ardiente, honesto,
enciende al corazón y lo refrena;

y en tanto que el cabello, que en la vena
del oro se escogió, con vuelo presto,
por el hermoso cuello blanco, enhiesto,
el viento mueve, esparce y desordena:

coged de vuestra alegre primavera
el dulce fruto, antes que el tiempo airado
cubra de nieve la hermosa cumbre;

marchitará la rosa el viento helado.
Todo lo mudará la edad ligera
por no hacer mudanza en su costumbre.

José Lino Grünewald – Soneto Burocrático

Salvo melhor juízo doravante,
Dessarte, data vênia, por suposto,
Por outro lado, maximé, isso posto,
Todavia deveras, não obstante

Pelo presente, atenciosamente,
Pede deferimento sobretudo,
Nestes termos, quiçá, aliás, contudo
Cordialmente alhures entrementes

Sub-roga ao alvedrio ou outrossim
Amiúde nesse ínterim, senão
Mediante qual mormente, oxalá quão

Via de regra te-lo-ão enfim
Ipso facto outorgado, mas porém
Vem substabelecido assim, amém.