Ernest Dowson – Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longan

Vitae Summa Brevis Spem nos Vetat Incohare Longam

A brevidade da vida impede que possamos acalentar longas esperanças – Horácio

A alegria, o desejo, o pranto, o amor
E a raiva duram pouco.
Nada disso, que eu saiba, há de transpor
O umbral conosco.

Poucos dias de rosas e de vinho:
Surge num vago sonho
E logo se desfaz nosso caminho
Dentro de um sonho.

Trad.: Nelson Ascher

Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longam

The brief sum of life forbids us the hope of enduring long – Horace

They are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate:
I think they have no portion in us after
We pass the gate.

They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.

Janus Vitalis – Sobre Roma

Recém-chegado que, buscando Roma em Roma,
não encontras, em Roma, Roma alguma,
olha ao redor, muro e mais muro, pedras rotas,
ruínas, que assustam, de um teatro imenso:
é Roma isto que vês – cidade tão soberba,
que ainda exala ameaças seu cadáver.
Vencido o mundo, quis vencer-se e, se vencendo,
para que nada mais seguisse invicto,
jaz, na vencida Roma, Roma, a vencedora,
pois Roma é quem venceu e foi vencida.
Só resta, indício do que já foi Roma, o Tibre:
corrente rápida que corre ao mar.
Assim age a Fortuna: o que há de firme passa
e o que sempre se move permanece.

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 23/02/2016

Rōma Prīsca

Quī Rōmam in mediā quaeris novus advena Rōmā,  
  Et Rōmae in Rōmā nil reperis mediā,
Aspice mūrōrum mōlēs, praeruptaque saxa,  
  Obrutaque horrentī vasta theātra sitū:
Haec sunt Rōma.  Viden velut ipsa cadāvera, tantae  
  Urbis adhūc spīrent imperiōsa minās.
Vīcit ut haec mundum, nixa est sē vincere; vīcit,  
  Ā sē nōn victum nē quid in orbe foret.
Nunc victā in Rōmā Rōma illa invicta sepulta est,  
  Atque eadem victrīx victaque Rōma fuit.
Albula Rōmānī restat nunc nōminis index,  
  Quīn etiam rapidīs fertur in aequor aquīs.
Disce hinc, quid possit fōrtūna; immōta labāscunt,  
  Et quae perpetuō sunt agitāta manent.

Philip Larkin – Este Seja o Poema

Teu pai e mãe fodem contigo.
Que não o queiram, tanto faz.
Passam-te cada podre antigo,
além de uns novos, especiais.

Mas de cartola e fraque, outrora,
fodera-os já do mesmo modo,
gente ora austero-piegas, ora
se engalfinhando cega de ódio.

Miséria é o que legamos: fossas
num mar que só fica mais fundo.
Dá o fora, pois, tão logo possas
sem pôr nenhum filho no mundo.

Trad.: de Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 19/02/2016

This be the Verse

They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
And half at one another’s throats.

Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
And don’t have any kids yourself.

Horácio – Ode 1/11

Não busques (é tabu!) saber que fim, Leucónoe,
os deuses nos reservam. Põe de lado o horoscopo
da babilônia e aceita: o que há de ser, será,
quer nos dê Jove mais invernos, quer só este
que em rochas quebra o mar Tirreno. Vive, bebe
teu vinho e talha, ao curto prazo, anseios longos.
Enquanto eu falo, o tempo evade-se invejoso.
Apanha o dia e não confies no amanhã.

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 24/05/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

1/11

Tu ne quaesieris (scire nefas) quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati!
Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum, sapias, uina liques et spatio breui
spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit inuida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.

John Ashbery – Medo da morte

Que há comigo agora,
é assim que eu fiquei?
Não há estado livre dos limites
do antes e depois? Hoje a janela está aberta

e o ar jorra para dentro com notas de piano
nas suas saias, como a dizer, “Olha, John,
eu trouxe isso e aquilo” – ou seja,
alguns Beethovens, uns Brahms,

umas notas escolhidas de Poulenc… Sim,
está voltando a ficar livre, o ar, tem que seguir
voltando, pois é só para isso que serve.
Quero ficar com ele por causa do medo

que me impede de subir certos degraus,
bater em certas portas, medo de envelhecer
sozinho, e de não encontrar ninguém no fim da tarde
do caminho, salvo outro eu mesmo

cumprimentado bruscamente: “Você andou por aí
mas estamos juntos novamente, que é o que conta.”
Ar em meu caminho, você poderia encurtar isso,
mas a brisa cessou e o silêncio é a última palavra.

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 25/05/2020

Fear of Death

What is it now with me
And is it as I have become?
Is there no state free from the boundry lines
Of before and after? The window is open today

And the air pours in with piano notes
In its skirts, as though to say, “Look, John,
I’ve brought these and these” – that is,
A few Beethovens, some Brahmses,

A few choice Poulenc notes… Yes,
It is being free again, the air, it has to keep coming back
Because that’s all it’s good for.
I want to stay with it out of fear

That keeps me from walking up certain steps,
Knocking at certain doors, fear of growing old
Alone, and of finding no one at the evening end
Of the path except another myself

Nodding a curt greeting: “Well, you’ve been awhile
But now we’re back together, which is what counts.”
Air in My path, you could shorten this,
But the breeze has dropped, and silence is the last word.

Attila József – Dói demais

A morte atenta
de dentro e fora te afugenta
(ratinho oculto com receio)

e, enquanto arderes,
vais procurar junto às mulheres
refúgio em braço, joelho e seio.

Mais que o calor
do colo afável, mais que o ardor,
precisar muito é que te apressa;

assim, quem quer
que possa abraça uma mulher
até que a boca empalideça.

Fardo supremo
é ter que amar, mas sumo prêmio.
Quem ama e não encontra um par

é, na miséria
de seu desterro, como a fera
desamparada ao defecar.

Outras guaridas
não há, mesmo que armado agridas
a própria mãe, homem ousado!

Só que houve, um dia,
uma mulher que me entendia
e, ainda assim, me pôs de lado.

Sou pária em meio
da espécie. Ornando-se de anseio
e angústia, zumbe-me a cabeça:

seu som contínuo,
que nem chocalho que um menino
chacoalhe ao ficar só, não cessa.

Como se opor
e o que fazer em seu favor?
Se o descobrir não me envergonho.

Está provado
que o próprio mundo põe de lado
quem trema ao sol e tema o sonho.

Toda a cultura
me foge tal qual, na ventura
alheia, a roupa cai do amante.

Mas, vendo a morte
caçoar-me, que ela nem se importe
e eu sofra só – não é o bastante?

Dói, ao recém-
nascido, o parto, e à mãe também.
Reduz-se a dor quando é conjunta.

Eu, se me esmero
cantando a dor, ganho dinheiro
e a mim a infâmia é que se junta.

Basta! – Garotos,
que vossos olhos ceguem rotos
onde, por perto dela, andais.

Vós, inocentes,
gritai sob botas inclementes,
dizendo-lhe que dói demais.

Cães adestrados,
sede na rua atropelados
a lhe ganir que dói demais.

E vós, gestantes,
não deis à luz, abortai antes
e lhe chorai que dói demais.

Gente sadia,
adoecei e, na agonia,
lhe sussurrai que dói demais.

Homens que houver
se engalfinhando por mulher,
não silencieis que dói demais.

Cavalos, touros,
à espera dos jugos vindouros,
gemei castrados: dói demais.

Peixes nadando
mudos sob gelo, arfai-lhe quando
o anzol fisgar-vos: dói demais.

Tudo de vivo
que a dor aflige sem alívio,
queime-se a terra que habitais-

vinde tisnados
e, junto à cama dela, aos brados,
bramai comigo: dói demais.

Que saiba disso
a vida toda: por capricho,
ela negou-se por inteiro,

mandando embora
um ser em fuga dentro e fora
de seu refúgio derradeiro.

Trad.: Nelson Ascher

Peguei aqui: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il1004201111.htm

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 23/05/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Nagyon Fáj

Kivül-belől
leselkedő halál elől
(mint lukba megriadt egérke)
amíg hevülsz,
az asszonyhoz ugy menekülsz,
hogy óvjon karja, öle, térde.

Nemcsak a lágy,
meleg öl csal, nemcsak a vágy,
de odataszit a muszáj is –

ezért ölel
minden, ami asszonyra lel,
mig el nem fehérül a száj is.

Kettős teher
s kettős kincs, hogy szeretni kell.
Ki szeret s párra nem találhat,

oly hontalan,
mint amilyen gyámoltalan
a szükségét végző vadállat.

Nincsen egyéb
menedékünk; a kés hegyét
bár anyádnak szegezd, te bátor!

És lásd, akadt
nő, ki érti e szavakat,
de mégis ellökött magától.

Nincsen helyem
így, élők közt. Zúg a fejem,
gondom s fájdalmam kicifrázva;

mint a gyerek
kezében a csörgő csereg,
ha magára hagyottan rázza.

Mit kellene
tenni érte és ellene?
Nem szégyenlem, ha kitalálom,

hisz kitaszit
a világ így is olyat, akit
kábít a nap, rettent az álom.

A kultura
ugy hull le rólam, mint ruha
másról a boldog szerelemben –

de az hol áll,
hogy nézze, mint dobál halál
s még egyedül kelljen szenvednem?

A csecsemő
is szenvedi, ha szül a nő.
Páros kínt enyhíthet alázat.

De énnekem
pénzt hoz fájdalmas énekem
s hozzám szegődik a gyalázat.

Segítsetek!
Ti kisfiuk, a szemetek
pattanjon meg ott, ő ahol jár.

Ártatlanok,
csizmák alatt sikongjatok
és mondjátok neki: Nagyon fáj.

Ti hű ebek,
kerék alá kerüljetek
s ugassátok neki: Nagyon fáj.

Nők, terhetek
viselők, elvetéljetek
és sirjátok neki: Nagyon fáj.

Ép emberek,
bukjatok, összetörjetek
s motyogjátok neki: Nagyon fáj.

Ti férfiak,
egymást megtépve nő miatt,
ne hallgassátok el: Nagyon fáj.

Lovak, bikák,
kiket, hogy húzzatok igát,
herélnek, rijjátok: Nagyon fáj.

Néma halak,
horgot kapjatok jég alatt
és tátogjatok rá: Nagyon fáj.

Elevenek,
minden, mi kíntól megremeg,
égjen, hol laktok, kert, vadon táj –

s ágya körül,
üszkösen, ha elszenderül,
vakogjatok velem: Nagyon fáj.

Hallja, mig él.
Azt tagadta meg, amit ér.
Elvonta puszta kénye végett

kivül-belől
menekülő élő elől
a legutolsó menedéket.

1936. október-november

Giuseppe Ungaretti – Vigília

Cima Quatro, 23 de Dezembro de 1915

Toda uma noite em claro
caído ao lado
de um companheiro
massacrado
com sua boca
arreganhada
exposta à lua cheia
com o hematoma
de suas mãos
cravado
em meu silêncio
escrevi
cartas cheias de amor
Não tinha nunca estado
tão
aferrado à vida

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 22/12/2017

Veglia

Cimma Quattro il 23 dicembre 1915

Un’intera nottata
buttato vicino
ad un compagno
massacrato
con la sua bocca
digrignata
volta al plenilunio
con la gestione
delle sue mani
penetra
nel mio silenzio
ho scritto
lettere piene d’amore
Non sono mai stato
tanto
attaccato alla vita

W. H. Auden – Blues Fúnebre (em duas traduções de Nelson Ascher)

BLUES FÚNEBRE – 1ª Tradução

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.

É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

BLUES FÚNEBRE – 2ª Tradução (2008)

Detenham-se os relógios, cale o telefone,
jogue-se um osso para o cão não ladrar mais,
façam silêncio os pianos e o tambor sancione
o féretro que sai com seu cortejo atrás.

Aviões acima, circulando em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Pombas de luto ostentem crepe no pescoço
e os guardas ponham luvas negras como breu.

Ele era norte, sul, leste, oeste meus e tanto
meus dias úteis quanto o meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto.
Julguei o amor eterno: quem o faz se engana.

Apaguem as estrelas: já nenhuma presta.
Guardem a lua. Arriado, o sol não se levante.
Removam cada oceano e varram a floresta.
Pois tudo mais acabará mal de hoje em diante.

Ambas as traduções de Nelson Ascher

Funeral Blues

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message ‘He is Dead’.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.

The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.

Nelson Ascher – Visita ao asilo

Subsistem devagar no
jardim da última infância
sorvendo desdentados
de vida (além de dentes)

o caldo-de-galinha
hospitalar dos dias.
Opacas as retinas
e os tímpanos à prova

de som, eles combinam
remorsos de placenta
densos de urina e restos
mortais que, amortalhados

folgadamente em pelo
acima do seu número,
apegam-se obsessivos
aos ossos descalci-

ficados como, à ideia
de podre, os urubus.
Sinapse piedosa
que, entre neurônios secos,

censura todo estímulo,
seu íntimo se ocupa
despreocupadamente
de trâmites de térmita.

Heinrich Heine – Morfina

É grande a semelhança desses dois
jovens e belos vultos, muito embora
um pareça mais pálido e severo
ou, posso até dizer, bem mais distinto
do que o outro, o que, terno, me abraçava.
Havia em seu sorriso tanto afeto,
carinho e, nos seus olhos,tanta paz!
Ornada de papoulas, sua fronte
tocava a minha, às vezes – e seu raro
odor me dissipava a dor do espírito.
Tal alívio, porém, não dura. Eu só
hei de curar-me inteiramente quando
o irmão severo e pálido abaixar
a sua tocha. – O sono é bom; o sono
eterno, ainda melhor; mas certamente
o ideal seria nunca ter nascido.

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema publicado no blog originalmente em 15/06/2016

Morphine

Groß ist die Ähnlichkeit der beiden schönen
Jünglingsgestalten, ob der eine gleich
Viel blässer als der andre, auch viel strenger,
Fast möcht ich sagen viel vornehmer aussieht
Als jener andre, welcher mich vertraulich
In seine Arme schloß – Wie lieblich sanft
War dann sein Lächeln und sein Blick wie selig!
Dann mocht es wohl geschehn, daß seines Hauptes
Mohnblumenkranz auch meine Stirn berührte
Und seltsam duftend allen Schmerz verscheuchte
Aus meiner Seel – Doch solche Linderung,
Sie dauert kurze Zeit; genesen gänzlich
Kann ich nur dann, wenn seine Fackel senkt
Der andre Bruder, der so ernst und bleich. –
Gut ist der Schlaf, der Tod ist besser – freilich
Das beste wäre, nie geboren sein.