Jaime Sabines – Te Amo às Dez da Manhã

Te amo às dez da manhã, e às onze, e ao meio-dia. Te amo com toda a minha alma e com todo o meu corpo, às vezes, em tardes chuvosas. Mas às duas da tarde, ou às três, quando eu me perco em pensar em nós dois, e tu pensas em comida ou nas tarefas cotidianas que tens, ou nas diversões que não tens, eu me ponho a te odiar em silêncio, com a metade do ódio que guardo para mim mesmo.

Logo volto a te amar, quando nos deitamos e sinto que foste feita para mim – como me dizem, de alguma maneira, teu joelho e teu ventre; que minhas mãos me convencem disso, e que não há nenhum outro lugar, de onde eu venho ou para onde eu vou, melhor do que o teu corpo. Tu vens toda inteira ao meu encontro, e ambos desaparecemos por um instante nos lábios de Deus, até que eu dizer que estou faminto ou com sono.

Todos os dias eu te amo e te odeio irremediavelmente. E há dias também, há horas em que eu te desconheço, em que és tão estranha para mim como a mulher de outro. Preocupam-me os homens, eu me preocupo comigo mesmo, minhas dores me distraem. É provável que eu não pense em ti por muito tempo. Vês? Quem poderia te amar menos do que eu, meu amor?

Trad.: Nelson Santander

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Te quiero a las diez de la mañana

Te quiero a las diez de la mañana, y a las once, y a las doce del día. Te quiero con toda mi alma y con todo mi cuerpo, a veces, en las tardes de lluvia. Pero a las dos de la tarde, o a las tres, cuando me pongo a pensar en nosotros dos, y tú piensas en la comida o en el trabajo diario, o en las diversiones que no tienes, me pongo a odiarte sordamente, con la mitad del odio que guardo para mí.

Luego vuelvo a quererte, cuando nos acostamos y siento que estás hecha para mí, que de algún modo me lo dicen tu rodilla y tu vientre, que mis manos me convencen de ello, y que no hay otro lugar en donde yo me venga, a donde yo vaya, mejor que tu cuerpo. Tú vienes toda entera a mi encuentro, y los dos desaparecemos un instante, nos metemos en la boca de Dios, hasta que yo te digo que tengo hambre o sueño.

Todos los días te quiero y te odio irremediablemente. Y hay días también, hay horas, en que no te conozco, en que me eres ajena como la mujer de otro. Me preocupan los hombres, me preocupo yo, me distraen mis penas. Es probable que no piense en ti durante mucho tiempo. Ya ves. ¿Quién podría quererte menos que yo, amor mío?

Jorge Luis Borges – A um Poeta Menor da Antologia

Onde está a memória dos dias,
que foram teus na terra e teceram
fortuna e mágoa, e foram para ti o universo?

O rio numerável dos anos
os perdeu: foste uma palavra num índice.

A outros deram glória interminável os deuses,
inscrições e exergos e monumentos e historiadores pontuais;
de ti somente sabemos, obscuro amigo,
que ouviste o rouxinol numa tarde.

Entre os asfódelos da sombra, a tua sombra vã
pensará que os deuses foram avaros.

Porém os dias são uma rede de misérias triviais –
e haverá sorte melhor do que ser a cinza
de que se faz o olvido?

Sobre outros lançaram os deuses
a inexorável luz da glória, que mira as entranhas e enumera as fendas –
da glória, que acaba por fazer murchar a rosa que venera;
contigo foram mais piedosos, irmão.

No êxtase de um entardecer que não será uma noite,
ouves a voz do rouxinol de Teócrito.

Trad.: Renato Suttana

Jorge Luis Borges – Labirinto

Não haverá uma porta. Já estás dentro,
Mas o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem muro externo nem secreto centro.

Não penses que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro o teu destino

Como o juiz. Não creias na investida
Do touro que é um homem cuja estranha
Forma plural dá horror a essa maranha

De interminável pedra entretecida.
Não virá. Nada esperes. Nem te espera
No escuro do crepúsculo uma fera.

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Jorge Luis Borges – Ewigkeit

Torne-me à boca o verso castelhano,
A dizer o que sempre está dizendo
Desde o latim de Sêneca: o horrendo
Ditame de que o verme é soberano.

Torne a cantar a palidez da cinza,
Os fastígios da morte e a vitória
Da rainha retórica que pisa
Os estandartes ocos da vanglória.

Não assim. O meu barro agradecido
Eu não o vou negar como um covarde.
Sei que não há uma coisa: é o olvido.

Sei que na eternidade dura e arde
O muito e o melhor por mim perdido:
Esta frágua, esta lua e esta tarde.

Jorge Luis Borges – Bloomsday

Num só dia do homem estão os dias
do tempo, desde aquele inconcebível
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus prefixou os dias e agonias
até o outro em que o rio ubíquo
do tempo secular torne à nascente,
que é o Eterno, e se apague no presente,
no futuro, no ontem, no que ora possuo.
Entre a aurora e a noite está a história
universal. E vejo desde o breu,
junto a meus pés, os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dai-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia.

(Cambridge, 1968)

Trad.: Josely Vianna Baptista

Jorge Luis Borges – O Mar

Antes que o sonho (ou o terror) tecesse
Mitologias e cosmogonias,
Antes que o tempo se cunhasse em dias,
O mar, sempre mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é aquele violento
E antigo ser que rói os pilares
Da terra e é um e muitos mares
E abismo e resplendor e acaso e vento?
Quem o olha o vê pela primeira vez.
Sempre. Com o assombro que as coisas
Elementares deixam, as charmosas
tardes, a lua, ou fogo de uma fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Isso saberei
No dia seguinte da minha agonia.

Trad. Rodrigo Garcia Lopes

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José Ángel Buesa – Ela Amará a Outro Homem

Ela amará a outro homem.
Eu estarei longe, caminhando para o olvido.
E pode ocorrer que alguém lembre meu nome,
mas ela fingirá não tê-lo ouvido.

Ela amará a outro homem:
o tempo passa e o amor se finda,
e é natural que o que foi lume
acabe se transformando em cinzas.

Embora ninguém o queira,
envelhecem as vidas e as coisas,
e é natural também que na primavera
as roseiras deem rosas.

É natural. Assim,
ela amará a outro homem, e tudo bem.
Não sei se ela se esqueceu de mim,
nem me importa com quem.

Mas, quiçá, um dia,
ouvindo uma canção,
ela sinta que esta velha melodia
mudou o ritmo do seu coração.

Ou será algum vestido
que usou quando a conheci,
ou o cheiro do jardim úmido,
mas um dia ela há de pensar em mim.

Ou pode ser um sinal,
um jeito de olhar,
ou certas vielas, um mal cerzido botão,
ou uma folha seca ao acaso a voar.

E de alguma maneira
ela lembrará de mim, sem querer,
ao ouvir passos na ladeira
como os meus, ao entardecer.

Será em algum momento,
não importa quando nem onde, lá ou cá,
porque o amor, por assemelhar-se ao vento,
parece que se foi mas aqui está.

E se, nesse momento, ela suspira
e ele pergunta o que há,
ela terá que inventar uma mentira
para dele a verdade ocultar.

E ele não verá que eu o causei,
isso que era tão meu e do que se me privou;
e, embora ele possa amá-la mais do que eu a amei,
ela não poderá amá-lo mais do que me amou…!

Trad.: Nelson Santander

Ella Amará a Otro Hombre

Ella amará a otro hombre.
Yo voy lejos, andando hacia el olvido.
Y puede suceder que alguien me nombre,
pero ella fingirá no haber oído.

Ella amará a otro hombre:
el tiempo pasa y el amor finaliza,
y es natural que lo que fue una brasa
acabe convirtiéndose en ceniza.

Aunque nadie lo quiera,
envejecen las vidas y las cosas,
y es natural también que en primavera
los rosales den rosas.

Es natural. Por eso,
ella amará a otro hombre, y está bien.
No sé si ya olvidó mi último beso,
ni me importa con quién.

Pero quizás, un día,
oyendo una canción,
sentirá que esa vieja melodía
le cambia el ritmo de su corazón.

O será algún vestido
que yo le conocí,
o el olor del jardín cuando ha llovido,
pero algún día ha de pensar en mí.

O puede ser un gesto,
un modo de mirar,
o ciertas calles, o un botón mal puesto,
o una hoja seca que voló al azar.

Y de alguna manera
tendrá que recordarme, sin querer,
escuchando unos pasos en la acera
como los míos al atardecer.

Será en algún momento,
no importa cuándo o dónde, aquí o allá,
porque el amor, por parecerse al viento,
parece que se ha ido y no se va.

Y si en ese momento ella suspira
y él pregunta por qué,
le tendrá que inventar una mentira
para que nunca sepa por qué fue.

Y él no verá esa huella,
eso tan mío en lo que ya perdí;
y, aunque la pueda amar más que yo a ella,
ella no podrá amarlo más que a mí..!

Nicanor Parra – O que ganha um velho ao fazer ginástica?

e o que ganha falando ao telefone?
e o que ganha ficando famoso?
e o que ganha um velho olhando-se no espelho?

Nada
afundar cada vez mais na lama

Já são três ou quatro da madrugada
– por que não trata de dormir?
mas não – tome ginástica
tome ligações de longa distância
tome Bach
Beethoven
Tchaikovsky
tome olhadas no espelho
tome obsessão de seguir respirando

lamentável – melhor seria apagar a luz

Velho ridículo lhe diz sua mãe
você é igualzinho ao seu pai
ele também não queria morrer
Deus lhe dê vida para andar de carro
Deus lhe dê vida para falar ao telefone
Deus lhe dê vida para respirar
Deus lhe dê vida para enterrar sua mãe

Fica aí dormindo velho ridículo!
mas o ancião não está dormindo
não confunda chorar com dormir

Jorge Luis Borges – Os Justos

Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra exista música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que em um café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que afaga um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra exista Stevenson.
O que prefere que os outros estejam certos.
Essas pessoas, que se desconhecem, estão salvando o mundo.

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Jaime Gil de Biedma – Recorda

Formosa vida que passou e parece
não passar mais…
Desde agora, aprofundo
sonhos na memória: e estremece
a eternidade do tempo lá no fundo.
E de repente um remoinho cresce:
sorve-me, arrasta-me, até que me afundo
numa gruta aonde vai, precipitado,
para sempre, sumindo-se, o passado.

Trad.: José Bento