Theodore Roethke – Elegia para Jane

Elegia para Jane
(minha aluna, arremessada de um cavalo)

Lembro-me dos cachos no pescoço, úmidos e macios como gavinhas;
E do olhar ligeiro, peixinho sorrindo de soslaio;
E como, ao começar a falar, as sílabas leves fluíam para ela.
Ela se equilibrava no deleite de seus pensamentos,
Uma ave, feliz, cauda ao vento,
Sua canção fazendo tremer os ramos e os pequenos galhos.
A sombra cantava com ela;
Os sussurros das folhas se tornavam beijos;
E o mofo cantava nos vales descoloridos sob a rosa.

Oh, quando triste, ela mergulhava em abismos tão absolutos
Que nem mesmo um pai poderia encontrá-la:
Arranhando o rosto contra a palha,
Agitando a água mais clara.

Meu pardal, você não está aqui,
À espera, como uma samambaia, formando uma sombra espinhosa.
As paredes de pedra molhada não podem me consolar,
Nem o musgo, ferido pela última luz.

Se ao menos eu pudesse despertá-la desse sono,
Minha amada mutilada, minha pomba inquieta.
Sobre esta úmida sepultura, expresso as palavras do meu amor:
Eu, sem direitos neste assunto,
Nem pai nem amante.

Trad.: Nelson Santander

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Elegy for Jane
(My student, thrown by a horse)

I remember the neckcurls, limp and damp as tendrils;
And her quick look, a sidelong pickerel smile;
And how, once started into talk, the light syllables leaped for her.
And she balanced in the delight of her thought,
A wren, happy, tail into the wind,
Her song trembling the twigs and small branches.
The shade sang with her;
The leaves, their whispers turned to kissing,
And the mould sang in the bleached valleys under the rose.

Oh, when she was sad, she cast herself down into such a pure depth,
Even a father could not find her:
Scraping her cheek against straw,
Stirring the clearest water.

My sparrow, you are not here,
Waiting like a fern, making a spiney shadow.
The sides of wet stones cannot console me,
Nor the moss, wound with the last light.

If only I could nudge you from this sleep,
My maimed darling, my skittery pigeon.
Over this damp grave I speak the words of my love:
I, with no rights in this matter,
Neither father nor lover.

William Butler Yeats – As quatro idades do homem

Com seu corpo principiou uma rinha
O corpo venceu; ereto ele caminha.

Ele lutou então com o coração;
Sua inocência e sua paz já se vão.

Ele combateu depois usando a mente;
Ficou pra trás o coração insolente.

Agora suas guerras são com Jeová;
Ao soar a meia-noite Ele vencerá

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 15/07/2019

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The Four Ages of Man

He with body waged a fight,
But body won; it walks upright.

Then he struggled with the heart;
Innocence and peace depart.

Then he struggled with the mind;
His proud heart he left behind.

Now his wars on God begin;
At stroke of midnight God shall win.

Ed Madden – Sacrifício

Quando meu pai me amarrou, eu me submeti,
fechei os olhos para a faca em seu punho.
Mesmo agora, as cordas ainda prendem meus pulsos,
rudes amarras do amor. Meu peito está nu,
meu coração, aberto. Ele ama seu deus mais
do que a mim. Abro os olhos e vejo meu pai
erguer o punho contra um céu acre e claro,
e nenhum anjo ali para deter sua mão.

Trad.: Nelson Santander

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Sacrifice

When my father bound me, I submitted,
closed my eyes to the lifted knife in his fist.
Even now, the cords still hold my wrists,
rough ropes of love. My chest is bare,
my heart lies open. He loves his god more
than me. I open my eyes, watch my father
raise his fist against a bright and bitter
sky, no angel there to stay his hand.

A. A. Milne – Narciso

Ela vestiu seu chapéu-de-sol,
E pôs o seu mais verde vestido;
Virou-se para o vento austral
E prestou-lhe o cortejo devido.
Virou-se então para a luz do sol
E os cabelos louros agitou,
E sussurrou para o seu vizinho:
“O inverno acabou”

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 14/07/2019

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Daffadowndilly

She wore her yellow sun-bonnet,
She wore her greenest gown;
She turned to the south wind
And curtsied up and down.
She turned to the sunlight
And shook her yellow head,
And whispered to her neighbour:
“Winter is dead.”

Audre Lorde – Legado

I.
A cada dia que passa, meu rosto se assemelha
menos e menos com o seu. Quando jovem
ninguém confundia de quem eu era filha.
Meus traços físicos e a cor da minha pele,
distintos das de minhas irmãs de ossos delicados e pele clara,
me marcavam como a filha de Byron.

Nenhum sol se pôs quando você morreu, mas uma porta
se abriu para minha mãe. Depois que você partiu,
ela lamentou seu mundo em frangalhos, elevando
um punho de ferro suado com símbolos de negócios
um bloco de notas impresso habitando a casa do Senhor
sua voz oca ecoando pelos corredores do hospital
sim, mesmo que eu caminhe pelo vale
das sombras da morte
não temerei mal algum.

II.
Vasculho as mortes que você viveu
oscilando em uma ponte de interrogações.
Aos sete, em Barbados,
lançado na vida de seu pai desconhecido
sua coragem o levando da mesa de alfaiate
de volta ao mar.
Teriam as samambaias de Granada cantado
em seu 15º verão quando você pulou do navio
para procurar sua mãe
e a encontrou tarde demais
cercada de novos filhos?

Quem você teve que enterrar para se tornar o cumpridor da lei
a bela lenda
diante de cujo braço erguido até as árvores choravam
um homem de paixão profunda e muda
que queria filhos e teve cinco meninas?
Você deixou as duas primeiras se matando à sombra de uma samambaia
a mais nova é uma poeta renegada
procurando sua resposta em seu sangue.

Os relatos de minha mãe sobre Grenville
circulam pelas noites de verão.
Mas você se recusou a falar de casa,
de como orgulhosamente negro e sem um tostão chegou
a esta terra onde apenas os homens brancos
governavam pelo dinheiro. Sobre seu trabalho
no cais do Hotel Astor
sua brilhante esposa, uma camareira no andar de cima,
que unia o amor e a sobrevivência à ambição
enquanto a terra prometida murchava
o hotel fechava as portas
e você vendia maçãs compradas de madrugada
em um carrinho de mão na Broadway.

A imagem de um regresso
rico e triunfante
aquece seus dedos com frieiras
enquanto você conta moedas sob a neve de Manhattan
ou é apenas Linda
que sonha com um lar?

Quando a primogênita de minha mãe chora por leite
no inverno brutal da cidade
os rostos de suas outras filhas se apagam
como a imagem do quintal coberto de samambaias
onde uma menina negra cozinhou para você
e seu monte de cinzas ainda cheira a curry?

III.
O segredo sobre minhas irmãs roubou sua língua
como eu roubei dinheiro de seus bolsos à meia-noite
teimosa e trêmula
enquanto ameaçava atirar em mim se eu fosse a pessoa certa?
As lâmpadas nuas no teto da nossa cozinha
rebrilham em seu revólver
enquanto você o carrega, sussurrando.

Será que duas garotinhas negras de Granada
dispararam como peixes voadores
entre seus olhos desviados
e meu corpo sem pijama
em nosso último verão de adolescência?
Ouvindo orações
em seu espelho de barbear
nossas conversas mais intensas
eram você praticando como me contar
sobre minhas irmãs gêmeas abandonadas
como você havia sido abandonado
por outra mulher preta em busca
de fortuna em Granada Barbados
Panamá Granada.
Cidade de Nova York.

IV.
Você comprou livros antigos em leilões
para o meu mundo sem linguagem
deu-me seus ídolos Marcus Garvey Cidadão Kane
e petiscos do seu prato
quando eu tinha sete anos.
Devo a você minha mandíbula daomeana
a escola gratuita de ensino médio para meninas talentosas
que ninguém mais achava que eu deveria frequentar
e a escuridão que compartilhamos.
Nossos laços mais profundos continuam sendo
o espelho e a arma.

V.
Um juiz negro e idoso
conhecido por sua habilidade com as mulheres
visita a ilha onde moro
e aperta minha mão, sorrindo.
“Conheci seu pai”, ele diz
“um grande homem!” Sorri novamente.
Estremeço com sua sobrancelha levantada.
A voz de uma mulher há muito falecida
me ataca ao se despedir:
“Você nunca estará satisfeita
até ter o mundo inteiro
em sua cama!”

Agora sou mais velha do que você era quando morreu
pelo excesso de trabalho e silêncio que explodiram seu cérebro.
Você está gradualmente desaparecendo do meu rosto.
Quem era você além do Salmo 23?
Sabendo tão pouco
como me tornei tão parecida
com você?

Sua fome de retidão
floresce em raiva
as mornas lágrimas do luto
nunca derramadas por você antes
de suas medidas distorcidas
a agonia da negação
o poder dos segredos não compartilhados.

Trad.: Nelson Santander

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Inheritance—His

I.
My face resembles your face
less and less each day. When I was young
no one mistook whose child I was.
Features build coloring
alone among my creamy fine-boned sisters
marked me Byron’s daughter.

No sun set when you died, but a door
opened onto my mother. After you left
she grieved her crumpled world aloft
an iron fist sweated with business symbols
a printed blotter dwell in the house of Lord’s
your hollow voice changing down a hospital corridor
yea, though I walk through the valley
of the shadow of death
I will fear no evil.

II.
I rummage through the deaths you lived
swaying on a bridge of question.
At seven in Barbados
dropped into your unknown father’s life
your courage vault from his tailor’s table
back to the sea.
Did the Grenada treeferns sing
your 15th summer as you jumped ship
to seek your mother
finding her too late
surrounded with new sons?

Who did you bury to become the enforcer of the law
the handsome legend
before whose raised arm even trees wept
a man of deep and wordless passion
who wanted sons and got five girls?
You left the first two scratching in a treefern’s shade
the youngest is a renegade poet
searching for your answer in my blood.

My mother’s Grenville tales
spin through early summer evenings.
But you refused to speak of home
of stepping proud Black and penniless
into this land where only white men
ruled by money. How you labored
in the docks of the Hotel Astor
your bright wife a chambermaid upstairs
welded love and survival to ambition
as the land of promise withered
crashed the hotel closed
and you peddle dawn-bought apples
from a push-cart on Broadway.

Does an image of return
wealthy and triumphant
warm your chilblained fingers
as you count coins in the Manhattan snow
or is it only Linda
who dreams of home?

When my mother’s first-born cries for milk
in the brutal city winter
do the faces of your other daughters dim
like the image of the treeferned yard
where a dark girl first cooked for you
and her ash heap still smells of curry?

III.
Did the secret of my sisters steal your tongue
like I stole money from your midnight pockets
stubborn and quaking
as you threaten to shoot me if I am the one?
The naked lightbulbs in our kitchen ceiling
glint off your service revolver
as you load whispering.

Did two little dark girls in Grenada
dart like flying fish
between your averted eyes
and my pajamaless body
our last adolescent summer?
Eavesdropped orations
to your shaving mirror
our most intense conversations
were you practicing how to tell me
of my twin sisters abandoned
as you had been abandoned
by another Black woman seeking
her fortune Grenada Barbados
Panama Grenada.
New York City.

IV.
You bought old books at auctions
for my unlanguaged world
gave me your idols Marcus Garvey Citizen Kane
and morsels from your dinner plate
when I was seven.
I owe you my Dahomeyan jaw
the free high school for gifted girls
no one else thought I should attend
and the darkness that we share.
Our deepest bonds remain
the mirror and the gun.

V.
An elderly Black judge
known for his way with women
visits this island where I live
shakes my hand, smiling.
“I knew your father,” he says
“quite a man!” Smiles again.
I flinch at his raised eyebrow.
A long-gone woman’s voice
lashes out at me in parting
“You will never be satisfied
until you have the whole world
in your bed!”

Now I am older than you were when you died
overwork and silence exploding your brain.
You are gradually receding from my face.
Who were you outside the 23rd Psalm?
Knowing so little
how did I become so much
like you?

Your hunger for rectitude
blossoms into rage
the hot tears of mourning
never shed for you before
your twisted measurements
the agony of denial
the power of unshared secrets.

Ferreira Gullar – Pela rua

Sem qualquer esperança
detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, domingo,
enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.
Sem qualquer esperança
te espero.
Na multidão que vai e vem
entra e sai dos bares e cinemas
surge teu rosto e some
num vislumbre
        e o coração dispara.
Te vejo no restaurante
na fila do cinema, de azul
diriges um automóvel, a pé
cruzas a rua
      miragem
que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios
e se esvai nas nuvens.
A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade.
A noite se ergue comercial
nas constelações da Avenida.
Sem qualquer esperança
continuo
e meu coração vai repetindo teu nome
abafado pelo barulho dos motores
   solto ao fumo da gasolina queimada.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 09/07/2019

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Charles Wright – Depois de ler Tu Fu, saio para o Mini Pomar

A leste e a oeste de mim, pleno verão.
Quão mais intenso é o crepúsculo em nosso próprio quintal.
Aves voam de um lado para o outro pelo gramado
à procura de lar
Enquanto a noite se aproxima como um pequeno bote.

Dia após dia, sou de menos valia para mim mesmo.
Como este tordo,
voo de uma coisa para outra.
O que mais devo esperar aos cinquenta e quatro anos?
O amanhã é sombrio.
Depois de amanhã, ainda mais.

Os cães do firmamento estão ganindo.
Os vagalumes arrastam o silêncio da noite
sobre a úmida relva.
No tumulto do mundo, no caos nosso de cada dia,
Siga silenciosamente, silenciosamente.

Trad.: Nelson Santander

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After Reading Tu Fu, I Go Outside to the Dwarf Orchard

East of me, west of me, full summer.
How deeper than elsewhere the dusk is in your own yard.
Birds fly back and forth across the lawn
looking for home
As night drifts up like a little boat.

Day after day, I become of less use to myself.
Like this mockingbird,
I flit from one thing to the next.
What do I have to look forward to at fifty-four?
Tomorrow is dark.
Day-after-tomorrow is darker still.

The sky dogs are whimpering.
Fireflies are dragging the hush of evening
up from the damp grass.
Into the world’s tumult, into the chaos of every day,
Go quietly, quietly.

José Paulo Paes – Borboleta

Mal saíra do casulo
para mostrar ao sol
o esplendor de suas asas
um pé distraído a pisou.

(A visão de beleza
dura um só instante
inesquecível.)

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 12/07/2019

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Fleur Adcock – O Hospital Soho para Mulheres (IV)

Estou no supermercado, hesitante –
nesta tarde, precisamente nela –
entre os tomates, o queijo e os pães,

coisas que uso como ingredientes
para preparar meu jantar, e elas
comem na cama suas refeições:

Janet com seus grandes sardos seios,
sua voz escocesa encoberta,
que nunca esteve em um hospital,

lá foi fazer alguns exames, veio,
mas sua alta agora é incerta;
na cama, perto da porta, Coral,

que ofegou e gemeu atrás da tela,
as enfermeiras entrando e saindo
a noite toda e em parte do dia;

com dezenove, confusa, amarela.
E Mary, que está bem, quase partindo.
Não já. E Alice, de longa estadia.

Ao passo que eu estou quase ilesa,
tonta de liberdade, de dor não.
E percebo, erguendo minha cesta,

como é de pouco o que se precisa;
e vou pro caixa, para o temporal,
para as luzes e para a rua vasta.

Trad.: Nelson Santander

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The Soho Hospital for Women (IV)

I am out in the supermarket choosing –
this very afternoon, this day –
picking up tomatoes, cheese, bread,

things I want and shall be using
to make myself a meal, while they
eat their stodgy suppers in bed:

Janet with her big freckled breasts,
her prim Scots voice, her one friend,
and never in hospital before,

who came in to have a few tests
and now can’t see where they’ll end;
and Coral by the bed by the door

who whimpered and gasped behind a screen
with nurses to and fro all night
and far too much of the day;

pallid, bewildered, nineteen.
And Mary, who will be all right
but gradually. And Alice, who may.

Whereas I stand almost intact,
giddy with freedom, not with pain.
I lift my light basket, observing

how little I needed in fact;
and move to the checkout, to the rain,
to the lights and the long street curving.

Maria do Rosário Pedreira – Onde quer que o encontres

Onde quer que o encontres –
escrito, rasgado ou desenhado:
na areia, no papel, na casca de
uma árvore, na pele de um muro,
no ar que atravessar de repente
a tua voz, na terra apodrecida
sobre o meu corpo – é teu,

para sempre, o meu nome.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 10/07/2019

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