Omar Khayyam – do Rubaiyat (XXXI)

XXXI

O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão da tua carcaça.

Trad.: Alfredo Braga

Jorge Luis Borges – Ewigkeit

Torne-me à boca o verso castelhano,
A dizer o que sempre está dizendo
Desde o latim de Sêneca: o horrendo
Ditame de que o verme é soberano.

Torne a cantar a palidez da cinza,
Os fastígios da morte e a vitória
Da rainha retórica que pisa
Os estandartes ocos da vanglória.

Não assim. O meu barro agradecido
Eu não o vou negar como um covarde.
Sei que não há uma coisa: é o olvido.

Sei que na eternidade dura e arde
O muito e o melhor por mim perdido:
Esta frágua, esta lua e esta tarde.

Bill Knott – Morte

Morte

Perto de dormir, cruzo as mãos sobre o peito.
Colocarão minhas mãos assim.
Parecerá que estou a voar para dentro de mim mesmo.

Death

Going to sleep, I cross my hands on my chest.
They will place my hands like this.
It will look as though I am flying into myself.

Trad.: Antonio Cicero

http://antoniocicero.blogspot.com.br/2017/04/bill-knott-death.html

Joaquim Cardozo – Canção Elegíaca

Quando os teus olhos fecharem
Para o esplendor deste mundo,
Num chão de cinza e fadigas
Hei de ficar de joelhos;
Quando os teus olhos fecharem
Hão de murchar as espigas,
Hão de cegar os espelhos.

Quando os teus olhos fecharem
E as tuas mãos repousarem
No peito frio e deserto,
Hão de morrer as cantigas;
Irá ficar desde e sempre
Entre ilusões inimigas,
Meu coração descoberto.

Ondas do mar – traiçoeiras –
A mim virão, de tão mansas,
Lamber os dedos da mão;
Serenas e comovidas
As águas regressarão
Ao seio das cordilheiras;
Quando os teus olhos fecharem
Hão de sofrer ternamente
Todas as coisas vencidas,
Profundas e prisioneiras;
Hão de cansar as distâncias,
Hão de fugir as bandeiras.

Sopro da vida sem margens,
Fase de impulsos extremos,
O teu hálito irá indo,
Longe e além reproduzindo
Como um vento que passasse
Em paisagens que não vemos;
Nas paisagens dos pintores
Comovendo os girassóis
Perturbando os crisantemos.

O teu ventre será terra
Erma, dormente e tranquila
De savana e de paul;
Tua nudez será fonte,
Cingida de aurora verde,
A cantar saudade pura
De abril, de sonho, de azul,
Fechados no anoitecer.

in http://www.portalentretextos.com.br/colunas/lendo-poesia-jefferson-bessa-org/cancao-elegiaca-poema-de-joaquim-cardozo,280,10161.html

Walter Savage Landor – Sobre a Morte

Sobre mim está a morte a sussurrar
Eu não sei o que vem ao meu ouvido;
Da estranha fala estou somente a par
De que o verbo não é um ser temido.

Trad.: José Lino Grünewald

Death

Death stands above me, whispering low
I know not what into my ear;
Of his strange language all I know
Is, there is not a word of fear.

Yehuda Amichai – O Corpo é a Causa do Amor

Primeiro o corpo é a causa do amor
depois a fortaleza que o protege
por fim seu cárcere.
E quando o corpo morre, o amor jorra
caudalosamente
como de um caça-níqueis clandestino quebrado
jorram de súbito
com estrondo
todas as moedas de gerações
e gerações entregues à própria sorte.

Paulo Henriques Britto – Acalanto

Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,

despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;

e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de uma dormida, nos satisfazemos

em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, e um dia a menos.

E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno.

Ferreira Gullar – A Propósito do Nada

sou
  para o outro
este corpo esta
  voz
sou o que digo
  e faço
  enquanto passo

mas
  para mim
só sou
  se penso que sou
enfim
se sou
  a consciência
  de mim

e quando
  vinda a morte
  ela se apague
serei o que alguém acaso
  salve
    do olvido

já que
  para mim
  (lume apagado)
nunca terei existido

Ferreira Gullar – Redundâncias

Ter medo da morte
é coisa dos vivos
o morto está livre
de tudo o que é vida

Ter apego ao mundo
é coisa dos vivos
para o morto não há
(não houve)
raios rios risos

E ninguém vive a morte
quer morto quer vivo
mera noção que existe
só enquanto existo

Ferreira Gullar – Visita

no dia de
finados ele foi
ao cemitério
porque era o único
lugar do mundo onde
podia estar
perto do filho mas
diante daquele
bloco negro
de pedra
impenetrável
entendeu
que nunca mais
poderia alcançá-lo

      Então
apanhou do chão um
pedaço amarrotado
de papel escreveu
eu te amo filho
pôs em cima do
mármore sob uma
flor
e saiu
soluçando