Joan Margarit – Monumentos

O vazio que sentes, cada vez com mais força,
é o dos traidores.
Também os monumentos, por dentro, são vazios,
com as entranhas cheias de ferrugem e de morte:
escuros e corroídos pela história,
é tão sinistro seu interior
como arrogante o gesto que no ar
desenha a personagem.
À medida que os amigos nos traem
– e a morte é também uma traição –
nos vamos convertendo em monumentos.
Por fora, ainda resta um resquício de eloquência,
sobretudo ao falar com alguém jovem,
mas a voz ressoa no vazio,
perdida entre os vergalhões de uma oculta estrutura
que se desgasta em finas camadas de ferrugem.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Monumentos

El vacío que sientes cada vez con más fuerza
es el de los traidores.
También los monumentos, por dentro, están vacíos,
con las entrañas llenas de óxido y de muerte:
oscuros y podridos por la historia,
es tan siniestro su interior
como arrogante el gesto que en el aire
dibuja el personaje.
Según van traicionando los amigos
—y la muerte es también una traición—
nos vamos convirtiendo en monumentos.
Por fuera queda un resto de elocuencia,
sobre todo al hablar con alguien joven,
pero la voz resuena en el vacío,
perdida entre los hierros de un oculto entramado
que se deshoja en leves capas de óxido.

Joan Margarit – Ela

É tempo de não esperar por ninguém.
Passa o amor, fugaz e silencioso,
como, na distância, um trem noturno.
Não resta ninguém. É hora de voltar
ao desolado reino do absurdo,
ao sentimento de culpa, ao medo vulgar
de perder o que estava, já, perdido.
Ao inútil e sórdido tempo moral.
É hora já de dar-se por vencido
no trabalho solitário, outro inverno.
Quantos restam ainda, e qual o sentido
desta vida onde te procurei,
se já chegou a hora tão temida
de comprovar que nunca exististe?

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Ella

Llega el tiempo de no esperar a nadie.
Pasa el amor, fugaz y silencioso
como en la lejanía un tren nocturno.
No queda nadie. Es hora de volver
al desolado reino del absurdo,
a sentirse culpable, al vulgar miedo
de perder lo que estaba, ya, perdido.
Al inútil y sórdido tiempo moral.
Es hora ya de darse por vencido
en el trabajo a solas, otro invierno.
¿Cuántos quedan aún, y qué sentido
tiene esta vida donde te he buscado,
si ya llegó la hora tan temida
de comprobar que nunca has existido?

Joan Margarit – O ano em que ela morreu

Na fotografia em sépia
és jovem e sorri. Faz-me lembrar
as mulheres dos filmes de guerra
da minha infância:
barcos na neblina, trens noturnos
e grandes cidades sob o alarme aéreo.
Na lápide está escrito que ela se foi
no inverno de 44,
aos vinte anos, quando me apaixonava
pela sufocante escuridão
cruzada por um raio de luz, a heroína
dos sonhos de amor de minha meninice.
A dura pedra
tem uma cavidade com água de chuva
onde os pássaros vão beber quando,
de casaco e cabelos grisalhos
desgrenhados pelo vento,
o narrador se afasta.
Tem o mesmo sonho nos olhos, em uma cidade,
em um cinema onde agora está só.

Trad.: Nelson Santander

El año em que murió

En la fotografía color sepia
es joven y sonríe. Me recuerda
a las muchachas de las películas de guerra
de mi infancia:
barcos entre la niebla, trenes nocturnos
y grandes ciudades bajo la alarma aérea.
En la losa está escrito que murió
en el invierno del cuarenta y cuatro,
a los veinte años, cuando me enamoraba
desde la bochornosa oscuridad
cruzada por un foco, la heroína
de los sueños de amor de mi niñez.
La dura piedra
tiene un hueco con agua de lluvia
donde beberán los pájaros cuando,
abrigo largo y pelo gris
desordenado por el viento,
se aleje el narrador.
Tiene el mismo sueño en los ojos, en una ciudad,
en un cine donde ahora está solo.

Joan Margarit – Helena

O ontem é teu inferno. É cada instante
em que, sem sabê-lo, te perdeste
e também cada instante em que foste salvo.
Quando o jovem que foste está muito distante,
o amor é vingança do passado.
Vens de uma guerra em que foste vencido,
de armas e acampamentos abandonados
na Troia que levas dentro de ti.
Buscar-te-ão de noite os aqueos
e estreitarão o cerco. Voltarás,
por uma mulher, a perder a cidade.
Helena são todos os sonhos de que a vida
foi-se apropriando. Defende-a bravamente
pela última vez, desarmado.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Helena

El ayer es tu infierno. Es cada instante
en el que, sin saberlo, te has perdido
y también cada instante en el que te has salvado.
Cuando el joven que fuiste está muy lejos,
el amor es venganza del pasado.
Viene de una guerra donde fuiste vencido,
de armas y campamentos abandonados
en la Troya que llevas en ti mismo.
Te buscarán de noche los aqueos
y estrecharán el cerco. Volverás,
por una mujer, a perder la ciudad.
Helena es todos los sueños que la vida
se ha ido apropiando. Defiéndela con valor
por última vez, desarmado.

Joan Margarit – Esboço para um Epílogo

Diante de ti sentes um rumor de passos
que vem do futuro, essa torre
demolida antes de ser construída.
Só existe a dúvida moral: ama,
não penses na camada de pó
a que tanto aludes, ostensivamente,
quando dizes: “minha vida”.
E, do prestígio das negações,
desconfia: a vida representa
não só a vitória dos anos
sobre nós. Também nos ensina
quão gloriosa foi
nossa primeira inicial sobre o tempo.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Esbozo para un epílogo

Ante ti sientes un rumor de pasos
que viene del futuro, esa torre
derribada antes de que la construyeran.
Sólo existe la duda moral: ama,
no pienses en la lámina de polvo
que tanto nombras, ostentosamente,
cuando dices: “mi vida”.
Y, del prestigio de las negaciones,
desconfía: la vida representa
no sólo la victoria de los años
sobre nosotros. También nos enseña
lo gloriosa que fue
nuestra inicial victoria sobre el tiempo.

Joan Margarit – Amor e tempo

Lembras quando ainda desconhecias
que a vida não teria piedade de ti?
Amor e tempo: o tempo nos habita
como a areia do rio que, lentamente,
vai moldando a forma da margem.
O amor, que refletiu em teu olhar
o esplendor da ilha do tesouro.
Sensual, solitária, cercada
pela sonora senectude do mar
e os gritos militares das gaivotas.
O sonho clandestino dos cinquenta anos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog.

Amor y tiempo

Recuerda cuando aún desconocías
que la vida no tendría piedad contigo.
Amor y tiempo: el tiempo nos habita
como arena del río que, despacio,
va cambiando la forma de la costa.
El amor, que ha copiado en tu mirada
la claridad de la isla del tesoro.
Sensual, solitaria, rodeada
por la sonora senectud del mar
y gritos militares de gaviotas.
El sueño clandestino de los cincuenta años.

Joan Margarit – Professor Bonaventura Bassegoda

Recordo-o alto e gordo,
atrevido, sentimental. Você, então,
era uma autoridade em Alicerces Profundos.
Sempre iniciava suas aulas assim:
“Senhores, bom dia.
Hoje faz tantos anos, tantos meses
e tantos dias que minha filha morreu”.
E costumava secar algumas lágrimas.
Tínhamos vinte anos, mais ou menos,
e o homem corpulento que você era,
chorando no meio da classe,
nunca nos fez sorrir.
Há quanto tempo você não conta o tempo?
Tenho pensado em nós e em você,
hoje que sou uma amarga sombra sua
porque faz agora dois meses,
três dias e seis horas
que minha filha tem seus
profundos alicerces na morte.

Trad.: Nelson Santander

Profesor Bonaventura Bassegoda

Le recuerdo alto y grueso,
procaz, sentimental. Usted, entonces,
era una autoridad en Cimientos Profundos.
Inició siempre nuestra clase así:
«Señores, buenos días.
Hoy hace tantos años, tantos meses
y tantos días que murió mi hija».
Y solía secarse alguna lágrima.
Teníamos veinte años, más o menos,
y el hombre corpulento que usted era
llorando en plena clase,
nunca nos hizo sonreír.
¿Cuánto hace ya que usted no cuenta el tiempo?
He pensado en nosotros y en usted,
hoy que soy una amarga sombra suya
porque mi hija, ahora hace dos meses,
tres días y seis horas
que tiene sus profundos cimientos en la muerte.

Joan Margarit – Canção de Ninar

Dorme, Joana.
E que este Loverman obscuro e trágico
do sax de teu irmão em Montjuïc
possa acompanhar-te
toda a eternidade pelos caminhos
que são bem conhecidos pela música.
Dorme, Joana, dorme.
E de preferência não esqueças
de teus anos no ninho
que dentro de nós tu deixaste.
Enquanto envelhecemos,
conservaremos todas as cores
que brilharam em teus olhos.
Dorme, Joana. Esta é nossa casa,
e tudo ilumina teu sorriso.
Um tranquilo silêncio: aqui esperamos
arredondar estas pedras de dor
para que o quanto foste seja música,
a música que preenche o nosso inverno.

Trad.: Nelson Santander

Canción de Cuna

Duerme, Joana.
Y que este Loverman oscuro y trágico
del saxo de tu hermano en Montjuïc
te pueda acompañar
toda la eternidad por los caminos
que son bien conocidos por la música.
Duerme, Joana, duerme.
Y a poder ser no olvides
tus años en el nido
que dentro de nosotros has dejado.
Mientras envejecemos,
conservaremos todos los colores
que han brillado en tus ojos.
Duerme, Joana. Esta es nuestra casa,
y todo lo ilumina tu sonrisa.
Un tranquilo silencio: aquí esperamos
redondear estas piedras del dolor
para que cuanto fuiste sea música,
la música que llene nuestro invierno.

Joan Margarit – Cemitério de Montjuïc

Algo permanece das almas,
como a brisa que surge
depois que alguém passou,
e que faz estremecer
uma leve cortina na janela.
Pelo caminho de pedras ásperas que não esquecem
mas calam, severas, o que sabem,
o vento deixa um silêncio de lágrimas
por vidas como as nossas, perdidas.
“Jazigo perpétuo”, a terra
sempre dura, fileiras de ciprestes:
provinciano teatro da morte.
Nosso amor é como o eles perderam.
Já é de noite. Olhe, do cume
da colina dos mortos, sob o céu negro,
as luzes da cidade:
um navio ancorado no firmamento
esperando-nos para zarpar.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Cementerio de Montjuïc

Algo queda de las ánimas,
como la brisa que surge
después de que alguien ha pasado,
y que hace estremecer
una leve cortina en la ventana.
Por la senda de piedras ásperas que no olvidan
pero callan, severas, lo que saben,
el viento deja un silencio de lágrimas
por vidas como la nuestra, perdidas.
«Concesión perpetua», la tierra
siempre dura, hileras de cipreses:
provinciano teatro de la muerte.
Nuestro amor es como el que ellos perdieron.
Ya es de noche. Mira, desde la cumbre
de la colina de los muertos, bajo el cielo negro,
las luces de la ciudad:
un navío anclado en el firmamento
que está esperándonos para zarpar.

Joan Margarit – Tchaicovsky

Não te suicides nunca. Olha a escuridão:
nunca poderás saber quem te estende a mão.
Lembras-te do inverno de luz nos cristais
e a cumplicidade daquela música?
Ouço a Patética e me vejo
desejando que a morte de Joana
nos devolvesse a ordem e a felicidade
que acreditamos perder quando ela nasceu.
Amor meu, Joana, a ternura
que desejava matar como a aquelas crianças
que nas tragédias são uma ameaça
para o futuro dos assassinos.
Como as deteremos, nossas mãos?
Escuto a Patética derrotado,
como tu, pelo tempo e pelo amor.
Tenho seus olhos – quem os inventou, olhares? -,
os olhos que não os tinham estátua nenhuma
de Fídias. Estes olhos,
que já me perdoaram, de Joana.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Tchaicovsky

No te suicides nunca. Mira la oscuridad:
jamás podrás saber quien te tiende la mano.
¿Recuerdas el invierno de luz en los cristales
y la complicidad de aquella música?
Escucho la Patética y me veo
deseando que la muerte de Joana
nos devolviera el orden y la felicidad
que creímos perder cuando nació.
Amor mío, Joana, la ternura
que deseava matar como a esos niños
que en las tragedias son una ameaza
para el futuro de los asesinos.
¿Cómo las detuvimos, nuestras manos?
Escucho la Patética vencido,
como tú, por el tiempo y el amor.
Tengo sus ojos – ¿quién os inventó, miradas? -,
los ojos que no tuvo estatua alguna
de Fidias. Estos ojos,
que ya me han perdonado, de Joana.